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38 espécies de árvore em perigo de extinção são comercializadas de forma legal no Brasil

  • Estudo recente descobriu que 38 espécies de árvore listadas oficialmente como ameaçadas de extinção foram comercializadas entre 2012 e 2016 no Brasil. Embora sua extração seja proibida, a madeira das árvores ameaçadas foi negociada dentro do país e exportada.

  • Das 38 espécies ameaçadas comercializadas, 17 estão classificadas como vulneráveis, 18 como em perigo, e três como criticamente em perigo.

  • Para acabar com essa exploração, os pesquisadores sugerem que a madeira não seja mais rastreada apenas no nível do gênero, mas também no nível da espécie das árvores. Eles também recomendam melhorar a coordenação entre o Ibama, que determina os níveis de ameaça, e o IBGE, que rastreia produtos de madeira.

  • Outro problema sistêmico: das 38 espécies ameaçadas, algumas não estão incluídas na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) ou na lista de espécies da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites).

Um total de 38 espécies da lista oficial de Espécies da Flora Ameaçadas de Extinção foram comercializadas de forma legal entre 2012 e 2016, de acordo com um estudo conduzido por cientistas da Universidade Federal Fluminense e do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro. As espécies incluídas na lista do Ministério do Meio Ambiente (MMA) têm sua exploração proibida, exceto em casos raros, como para pesquisa científica.

O estudo, iniciado em 2017, foi publicado na revista Journal for Nature Conservation. Segundo os pesquisadores, “entre as 2.214 espécies [de árvore] comercializadas [no Brasil] durante o período do estudo, encontramos 38 espécies ameaçadas, compreendendo um volume de 6 milhões de metros cúbicos, o que representa aproximadamente 10% do comércio total de 60,9 milhões de metros cúbicos”. Os dados são do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama).

O Sisnama regula a posse e o transporte de todos os produtos florestais comerciais dentro do território brasileiro. A ferramenta de rastreamento da rede de fornecedores, que permite monitorar a extração de árvores, o transporte e a exportação, é conhecida como Documento de Origem Florestal (DOF), uma licença obrigatória que registra o nome, volume, origem, destino e uso comercial dos produtos florestais.

A equipe de pesquisa, formada por biólogos, analisou os relatórios de DOF que cobriam milhões de registros, e então cruzou os dados com a lista federal de espécies ameaçadas.

Das 38 espécies de árvore ameaçadas comercializadas, o MMA classifica 17 como vulneráveis, 18 como em perigo e três como criticamente em perigo. A araucária (Araucaria angustifolia), considerada criticamente em perigo, figura no estudo como a mais explorada comercialmente, representando 5,2% do volume total da madeira vendida durante o período de quatro anos da pesquisa.

Segundo o principal autor do estudo, Arno Fritz das Neves Brandes, “tentamos encontrar quais espécies ameaçadas estavam circulando no mercado de madeira nos últimos anos, sem sucesso. Isso nos motivou a desenvolver a pesquisa. Nossa investigação tinha como objetivo apresentar as espécies ameaçadas que circulam pelo país e a quantidade”.

Contatado pela Mongabay para comentar o porquê de 38 espécies ameaçadas estarem sendo comercializadas no Brasil, o Ibama, órgão ligado ao Sisnama, não respondeu.

A araucária (Araucaria angustifolia) foi a árvore ameaçada mais comercializada no Brasil entre 2012 e 2016, de acordo com o estudo. Foto: Webysther Nunes /Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0.

Falta rigor no rastreamento da madeira

Os autores do estudo observam diferenças importantes nos métodos para quantificar e qualificar os carregamentos de madeira usados pelo Sisnama e pelo IBGE, que fornece dados sobre volume das operações de extração florestal no país.

“Os dados do IBGE são baseados somente em toras inteiras, enquanto os dados do DOF [reunidos pelo Sisnama] usados em nosso estudo incluem todos os produtos e os registros de quaisquer movimentações de madeira legal que ocorrem dentro do território nacional”, diz o estudo. “A pesquisa do IBGE é subjetiva e baseada em entrevistas e dados de levantamento. O questionário [respondido pelos produtores de madeira] não fornece dados sobre as espécies, volume por espécie e não garante a precisão dos dados, já que o levantamento depende de métodos de quantificação usados pelo informante”, diz o estudo. Essas diferenças provavelmente geram discrepâncias significativas entre as duas fontes de dados.

Quando questionada, a assessoria de imprensa do IBGE respondeu que “a pesquisa agrícola realizada pelo IBGE é toda baseada em entrevistas com produtores, cooperativas e comissões locais, regionais e estaduais de monitoramento de produção. Seguimos recomendações internacionais para esse tipo de pesquisa, da mesma forma que os principais institutos estatísticos oficiais do mundo.”

Os autores do estudo argumentam que o sistema de rastreamento de madeira do DOF, por sua vez, precisa de mais rigor para capturar dados de vários estados brasileiros. “O sistema DOF não quantifica com precisão o total da produção e da extração de madeira no país”, eles escrevem, observando que “durante o período analisado, três estados brasileiros (Pará, Mato Grosso e Minas Gerais) usaram controles independentes para estimar o transporte de madeira dentro de seu território. Nesses estados, as informações de trânsito intraestaduais não foram registradas pelo sistema DOF do Ibama.” Mais recentemente, medidas foram adotadas em 2018 para integrar os sistemas de registro dos estados num sistema nacional de rastreamento de madeira.

Os autores do estudo também observam que “alguns táxons [espécies] estão registrados no sistema DOF apenas no nível do gênero, por exemplo: Apuleia spp, Hymenolobium spp, e Hymenaea spp. Como as espécies ameaçadas pertencem a esses gêneros, as agências reguladoras deveriam exigir identificação no nível da espécie. Nossos dados revelam que as agências ambientais estão usando nomes científicos sinônimos de espécies ameaçadas, muitas das quais são bastante comercializadas (…). Isso é particularmente importante, uma vez que espécies ameaçadas como Mezilaurus itauba e Cedrela fissilisa (…) são transportadas com o mesmo nome das espécies não ameaçadas Silvia itauba, Cedrela brasiliensis e Couratari glabra (…). A atualização da nomenclatura das espécies as protegeria desse tipo de comercialização ilícita de espécies ameaçadas sob outros nomes.”

Outro problema sistêmico: das 38 espécies ameaçadas, várias não estão incluídas na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) e na lista de espécies da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (Cites). As designações e listas tanto da IUCN quanto da Cites  “são ferramentas internacionais importantes para chamar atenção para as espécies ameaçadas de extinção, prevenir a exploração insustentável ou ilegal de espécies selvagens e promover sua conservação”, diz o artigo.

A araucária, por exemplo, que foi a mais comercializada das árvores ameaçadas, classificada como “criticamente em perigo” pela IUCN, não está incluída na lista da Cites; enquanto a itaúba (Mezilaurus itauba), a segunda mais comercializada, está classificada como vulnerável pelo MMA, mas não está na lista da Cites nem da IUCN.

Contatado pela Mongabay, o assessor do Programa de Comunicações da Cites, Francisco Pérez, respondeu que “a cada três anos, acontece a Conferência das Partes, durante a qual indivíduos ou grupos enviam propostas para emendas aos Apêndices. Decisões sobre essas propostas são tomadas ou por consenso ou por votação, quando necessário. Se uma proposta [para acrescentar uma espécie à lista da Cites] receber uma maioria de dois terços a seu favor, pode ser incluída nos Apêndices I ou II. Os pedidos para emendas ao Apêndice III, contudo, são feitos unilateralmente, embora o status das espécies incluídas nesse Apêndice seja diferente daquelas nos Apêndices I e II. Por fim, para uma espécie ser incluída nos Apêndices da Cites, o comércio internacional precisa ser considerado uma ameaça à sua sobrevivência, e ela deve atender aos critérios biológicos para inclusão de espécies nos Apêndices da Cites estabelecidos pela Resolução correspondente.”

Craig Hilton-Taylor, que coordena a Lista Vermelha da IUCN, diz: “estamos trabalhando com o Centro Nacional de Conservação da Flora [ligado ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que por sua vez está ligado ao MMA] no Brasil, eles coordenam o processo da lista vermelha da flora nacional e também são a autoridade brasileira reconhecida pela IUCN para incluir espécies nacionais na Lista Vermelha. Então no próximo ano, mais ou menos, esperamos ter todas as árvores brasileiras que foram averiguadas incluídas na Lista Vermelha da IUCN. O primeiro grupo dessas árvores será publicado na Lista Vermelha da IUCN em julho.”

Imagem do banner: Araucária na região de Itatiaia, Rio de Janeiro. Foto: Arno Fritz das Neves Brandes.

Citação:

Brandes AFN, Novello BQ, Domingues GAF, Barros CF, Tamaio N, Endangered species account for 10% of Brazil’s documented timber trade, Journal for Nature Conservation (2020), volume 55, doi: https://doi.org/10.1016/j.jnc.2020.125821

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