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Os corredores florestais que estão salvando o mico-leão-preto

  • O Programa de Conservação do Mico-Leão-Preto criou uma série de corredores florestais para conectar áreas com populações do primata, recuperando a Mata Atlântica na região do Pontal do Paranapanema, no interior de São Paulo.

  • Gabriela Rezende, bióloga que hoje lidera o programa, foi uma das vencedoras do conceituado prêmio Whitley Award de conservação ambiental em 2020. O prêmio de 40 mil libras vai financiar a continuidade dos esforços de proteção do mico-leão-preto.

  • O plano é abrir mais corredores e fazer o manejo da população, movimentando os animais para acelerar a ocupação da floresta e expandir a população.

  • O projeto envolve também educação ambiental, capacitação profissional e geração de renda para a população local.

Na década de 1970, o mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus) aparecia na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) como “criticamente em perigo”. Era uma situação dramática: restavam apenas 100 deles na natureza. Mas o pequeno primata, aos poucos, tornou-se protagonista de uma história feliz – tanto que virou símbolo da conservação no estado de São Paulo.

Em 2008, o status de conservação melhorou: “em perigo” é a categoria em que o mico-leão-preto permanece até hoje. A população, estimada em cerca de 1,8 mil indivíduos, atesta a recuperação.

A espécie superou o pior graças ao Programa de Conservação do Mico-Leão-Preto, criado em 1984 e liderado pela bióloga Gabriela Rezende desde 2011. A iniciativa abrange pesquisa científica, educação ambiental e restauração florestal.

Gabriela é pesquisadora do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê) e foi um dos seis vencedores do maior prêmio da conservação ambiental do mundo em 2020, o Whitley Award, do Whitley Fund for Nature, no Reino Unido. A honraria, entregue em Londres, teve a cerimônia oficial adiada por causa da pandemia do novo coronavírus, mas os vencedores receberão antes os recursos financeiros para aplicar em seus projetos.

“Um dos méritos do prêmio é mostrar o nosso trabalho e inspirar as pessoas a se envolverem com a conservação da natureza, algo que deveria estar presente no dia a dia de todos”, diz a bióloga, que, em 2014, publicou o livro Mico-leão-preto: a história de sucesso na conservação de uma espécie ameaçada.

A bióloga Gabriela Rezende responde pelo Programa de Conservação do Mico-Leão-Preto no Pontal do Paranapanema. Pelo seu trabalho, a bióloga ganhou este ano o prestigiado prêmio ambiental Whitley Award. Foto: Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê).

Corredores florestais expandem território

Endêmico do interior paulista, e resistindo em uma região de extensa atividade agrícola, o mico-leão-preto sempre teve como maior ameaça a fragmentação da floresta, que gera isolamento e declínio das populações. Por isso, a melhor estratégia dos conservacionistas é a criação de corredores que conectam trechos de Mata Atlântica no Pontal do Paranapanema.

O prêmio de 40 mil libras do Whitley Award vai ajudar na implementação desses corredores e de um plano de manejo para prevenir a consanguinidade genética dos micos que estão isolados em pequenas áreas. “Vamos movimentar animais para matas onde não estão hoje”, diz Gabriela. “Quando fornecemos mais espaço para essa população, ela tende a se reproduzir e a ocupar áreas novas.”

Um dos corredores tem mais de 20 quilômetros de extensão, com cerca de 2,5 milhões de árvores plantadas. É o maior corredor de reflorestamento do Brasil e conecta o Parque Estadual do Morro do Diabo, principal habitat do primata, ao fragmento Tucano, um dos quatros trechos de mata que ficam na Estação Ecológica Mico-Leão-Preto.

O Parque Estadual do Morro do Diabo (mancha verde grande) é o principal habitat do mico-leão-preto. As áreas com vegetação recuperada (linhas vermelhas, que formam o maior corredor florestal plantado do Brasil) e em recuperação (linhas azuis, o Corredor Norte) unem a reserva a outros fragmentos de Mata Atlântica. Mapa: Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê).

Para projetar os corredores, Gabriela levou em consideração matas que precisavam ser restauradas com base no Código Florestal brasileiro. O código exige 20% de Reserva Legal nas propriedades particulares e o restabelecimento de Áreas de Preservação Permanente (APPs). “Começamos a restauração e desenhamos os corredores na paisagem de modo que os fragmentos ficassem conectados”, diz ela.

Os novos corredores, unidos aos já existentes, conectarão as populações de micos-leões-pretos em uma área de floresta contínua de cerca de 45 mil hectares. O chamado Corredor Norte já foi iniciado e deverá ligar seis fragmentos de mata ao norte do Parque Estadual do Morro do Diabo.

“Com o Corredor Norte, vamos ter todas as populações do Pontal do Paranapanema conectadas”, explica a bióloga. “Quando pudermos promover o uso de toda a área pelo animal, pode haver um aumento populacional de 30%. Estaríamos então perto do nosso objetivo: melhorar novamente o status de conservação da espécie na Lista Vermelha.”

O programa de conservação recupera áreas degradadas e cria corredores ecológicos que beneficiam o ecossistema em que os micos ocorrem. Foto: Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê).

O processo de restauração da floresta é uma estratégia de longo prazo. “No corredor já restaurado temos registro de diversas espécies, como tamanduá, anta, onça parda e jaguatirica. São animais que utilizam a área para movimentação. Mas ainda não temos registro do mico-leão-preto, que tem demandas adicionais com relação à estrutura da floresta antes de ocupar essas áreas”, explica Gabriela.

A bióloga estima que levará de 5 a 10 anos para finalizar a restauração de todos os corredores idealizados. Depois disso, a floresta precisará ainda de 10 a 20 anos para ganhar uma estrutura funcional que sirva ao uso integral do mico-leão-preto. Daí a importância da movimentação dos animais por meio do plano de manejo, capaz de acelerar o processo com a ocupação de fragmentos agora conectados e adequados para o uso, mas ainda vazios.

Acuado em áreas restritas de mata e com uma população diminuta décadas atrás, o mico-leão-preto recuperou-se graças a esforços contínuos. É hoje o símbolo da conservação no estado de São Paulo. Foto: Miguel Rangel Jr / CC BY-SA 2.0.

Uma história feliz de conservação

O Programa de Conservação do Mico-Leão-Preto teve início em 1984 com o primatólogo Claudio Padua, que se mudou para o Pontal de Paranapanema anos antes com o objetivo de pesquisar o animal. Na época, com as obras da Usina Hidrelétrica de Rosana em andamento, no Rio Paranapanema, foram resgatados animais da área que seria alagada.

O programa deu origem ao Instituto de Pesquisas Ecológicas e Padua foi o primeiro brasileiro a ser premiado com um Whitley Award, em 1999. “O sonho de todo mundo que trabalha com espécies ameaçadas é ver os animais com áreas suficientes para formar uma população viável. E fora da Lista Vermelha”, diz ele.

Padua, atual vice-presidente do Ipê, atribui o sucesso do programa à persistência: “Tudo o que eu vi dar certo até hoje é porque alguém persistiu até chegar ao êxito”. O primatólogo também considera imprescindível um maior equilíbrio na relação entre homem e natureza. “É preciso que o ser humano entenda que ele é parte da natureza. É um bom momento para a gente discutir isso.”

Padua vê a educação ambiental como um aliado importante. Quando chegou à região para começar o trabalho, ele perguntava às pessoas quais eram as coisas boas dali. A maioria respondia que lá só havia mato. Com o tempo, a resposta foi mudando. “Poucos anos depois, os moradores respondiam: eu tenho muito orgulho do que temos aqui. Isso é a nossa sobrevivência e a do resto da biodiversidade”, diz.

Com uma antena, os pesquisadores tentam localizar micos marcados com rádio-colares com GPS. Os animais  têm sua circulação observada para estudos. Foto: Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê).

Educação ambiental e plantio: aprendizagem coletiva

O programa de conservação mantém também nove viveiros, administrados pela comunidade e gerenciados pelo Ipê com seus parceiros locais – prefeituras e outras instituições. Os viveiros situam-se dentro da área de conservação do mico-leão-preto e abrangem três municípios: Teodoro Sampaio, Mirante do Paranapanema e Euclides da Cunha Paulista. Parte das mudas cultivadas é usada nos novos corredores ecológicos.

Responsável por estabelecer uma ponte entre as equipes de pesquisa e as comunidades, a educadora ambiental Maria das Graças de Souza vê os viveiros como espaços de aprendizagem coletiva: eles propiciam conhecimento, geração de renda e consciência de conservação. “Alunos das escolas locais conhecem as espécies que são florestadas e as que fazem parte da dieta alimentar da fauna em estudo”, diz ela.

A restauração vegetal das áreas degradadas beneficia não apenas o mico-leão-preto, mas também grandes felinos e mamíferos. Reconhecida por seu trabalho para a conservação da anta brasileira, Patrícia Medici, também pesquisadora do Ipê, foi contemplada esse ano com o Whitley Gold Award, principal prêmio concedido pela Whitley Fund for Nature.

Para Gabriela Rezende, é importante aproveitar o papel das espécies carismáticas para alavancar os projetos de conservação. A bióloga revela-se motivada a seguir lutando pelo mico-leão-preto. “O mico não pode fazer nada para salvar a própria espécie. E nós, seres humanos, estamos destruindo o seu ambiente”, explica. “Então, quando tive a oportunidade de ver esse animal na natureza, me senti um pouco responsável pelo futuro dele.”



Imagem do banner: Família de micos-leões-pretos nas árvores da região do Pontal do Paranapanema, único habitat da espécie no mundo. Foto: Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê). 

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