O Brasil enfrenta uma decisão crítica sobre o licenciamento da rodovia BR-319, nas bacias dos rios Purus e Madeira no Amazonas.
A rodovia levaria desmatadores a grandes áreas intactas da Floresta Amazônica. Áreas protegidas ao longo da rota foram criadas para impedir o avanço do desmatamento.
A rodovia BR-319 (Figura 1), que liga Manaus a Porto Velho, está em processo de reformas (chamadas de “manutenção” pelos seus responsáveis) antes mesmo de autorizada a retomada de suas obras, abandonadas há anos, ainda à espera de uma licença ambiental.
A rodovia irá permitir que desmatadores migrem livremente do Arco do Desmatamento, no sul da Amazônia Legal, para vastas áreas de floresta que sobrevivem em grande parte por conta da dificuldade de acesso. Como dito pelo ecólogo florestal Bill Laurance, a estrada irá “cortar a floresta amazônica pela metade“. Uma extensa documentação sobre o impacto da planejada reabertura da rodovia está disponível aqui.
A BR-319 passa por uma vasta área de floresta intacta (Figura 2), mas isso está mudando rapidamente. Uma das consequências mais temidas da estrada é a construção de ramais ilegais “espontâneos” que partem tanto da rodovia principal quanto de vias laterais planejadas oficialmente. Outro temor é a invasão de uma série de áreas protegidas criadas ao longo da estrada como forma de barrar o desmatamento. Agora, ambos os eventos estão acontecendo de uma vez só: um ramal ilegal está sendo construído a partir da BR-319 em direção a uma área protegida.
Líderes de comunidades indígenas e ribeirinhas da área do Lago do Capanã, no município amazonense de Manicoré, recentemente organizaram um evento para discutir impactos atuais e possíveis da reconstrução da BR-319. O encontro, realizado em 2 de março na Câmara Municipal de Manicoré, reuniu 21 lideranças. Na ocasião, apresentamos palestras sobre os impactos da rodovia e os líderes contribuíram com uma série de depoimentos e denúncias.
Um cacique, que preferiu não ser identificado por temores de retaliação, apresentou um vídeo que mostrava uma estrada secundária atualmente sob construção adentrando a Reserva Extrativista do Lago do Capanã Grande e se aproximando da Terra Indígena do Lago do Capanã (Figura 3). Tanto povos indígenas quanto ribeirinhos tradicionalmente colhem castanhas onde a estrada está sendo construída. A via secundária já conta com uma ponte, construída no final de fevereiro, feita do tronco partido de uma castanheira (Figura 4).
Grupos indígenas não foram consultados sobre o projeto de reconstrução da BR-319, como exigido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil, e como exigido pela lei brasileira. O governo planeja apenas “consultar” uma pequena parte dos impactados, e isso não seria “anterior” à decisão do projeto, e sim enquanto a rodovia estiver sendo construída. O governo não planeja qualquer consulta com povos tradicionais não indígenas, como os ribeirinhos, que vivem legalmente dentro da reserva extrativista.
Os indígenas e ribeirinhos estão alarmados com a possibilidade de violência pelos construtores do ramal e com a provável invasão da área por grileiros e outros agentes do desmatamento. Como dito pelo cacique Ademor Leite Mura, “amanhã isto será campo”.
Não se sabe quem está financiando a construção do ramal.
Os autores: Philip Fearnside é professor pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Lucas Ferrante e Maryane Andrade são alunos de pós-graduação do Inpa orientados por Fearnside; o primeiro no programa de doutorado em Ecologia e a segunda no programa de mestrado em Ciências de Florestas Tropicais.
O ecologista florestal Bill Laurance, citado no artigo, atualmente faz parte do Conselho Consultivo da Mongabay.