Pesquisadores cruzaram informações oficiais com imagens de satélite para identificar os 27 mil hectares explorados de maneira ilegal de 2017 a 2018.
Terras indígenas como a Alto Rio Guamá e áreas protegidas como a Floresta Nacional do Tapajós estão na mira dos criminosos.
Altamira, afetada por Belo Monte e a segunda cidade mais violenta do Brasil em 2019, registrou aumento de 845% na exploração de madeira ilegal.
Monitoramento por satélite deve pautar ações de fiscalização em campo, avaliam especialistas.
Um estudo recém-publicado pela ONG Imazon mostra que 70% da madeira explorada no Pará de agosto de 2017 a julho de 2018 é ilegal. São os dados mais recentes disponíveis. Os pesquisadores cruzaram informações oficiais dos órgãos responsáveis, como a Secretaria de Meio Ambiente do Pará, com imagens de satélite.
Os resultados revelaram que 38 mil hectares de florestas foram explorados pela atividade madeireira no período citado. A grande maioria, cerca de 27 mil hectares, não possuía autorização.
A exploração não autorizada de madeira concentrou-se principalmente em áreas privadas, devolutas ou sob disputa (76%), seguida de Terras Indígenas (12%), Assentamentos (8%) e Unidades de Conservação (5%).
Para combater essa realidade, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará tem apenas 10 fiscais para ir a campo em todo o estado, cuja área total é de 125 milhões de hectares. Enfraquecido, o Ibama também conta com menos da metade dos fiscais que tinha há uma década em todo o Brasil. Para Carlos Souza, pesquisador sênior do Imazon, só a fiscalização não será suficiente.
O Pará precisa usar o monitoramento por satélite integrado com a sua base de dados, avalia Souza. Segundo ele, houve um retrocesso no sistema usado para o licenciamento e controle dos planos de manejo no estado, com ferramentas de buscas e acesso aos dados mais limitadas.
“Com a fiscalização deficitária e sem um monitoramento robusto integrado, criam-se condições para a extração ilegal de madeira, inclusive em áreas protegidas”, analisa o pesquisador. Procurada pela reportagem, a Secretaria de Meio Ambiente do Pará não se manifestou.
Algumas áreas são ainda mais críticas. Entre os municípios que tiveram maiores quantidades de exploração ilegal estão Paragominas, Tomé-Açú, Dom Eliseu, Uruará e Ipixuna do Pará, com um total de 16.640 hectares explorados sem autorização.
O caso de Altamira, em oitavo lugar no ranking, chama a atenção. O município registrou 845% de aumento na exploração ilegal de madeira na comparação com o período anterior, de agosto de 2016 a julho de 2017.
Altamira é duramente atingida pelos impactos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e se tornou a segunda cidade mais violenta do Brasil, com uma taxa de 133,7 homicídios por 100 mil habitantes, de acordo com o último Atlas da Violência do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). A prefeitura de Altamira não comentou a situação.
Carlos Souza cita o fim de estoques de madeira nas regiões dos polos madeireiros que se concentravam ao longo da rodovia Belém-Brasília como uma das explicações. “Um outro estudo que fizemos há alguns anos apontava a necessidade de criação de novas áreas protegidas na área de influência de Belo Monte. Isso não aconteceu e hoje estas florestas estão sob risco de desmatamento e de extração de madeira”, afirma o pesquisador do Imazon.
Para melhorar o cenário, o estudo faz algumas recomendações. De acordo com os pesquisadores, é preciso aperfeiçoar o processo de licenciamento e monitoramento dos planos de manejo florestal sustentáveis; facilitar o acesso a dados sobre os planos de manejo; intensificar fiscalizações em áreas protegidas e verificar a consistência de listas de espécies florestais dos projetos.
Entre as áreas protegidas mais atingidas pela exploração irregular de madeira constam cinco terras indígenas e três florestas nacionais, com destaque para a TI Alto Rio Guamá, líder do ranking, com 2.643 hectares explorados, e as florestas nacionais do Tapajós e de Altamira, segunda e terceira colocadas, com 650 e 495 hectares, respectivamente.
De acordo com Carlos Souza, para assegurar que a extração seja feita dentro da lei, seja em áreas protegidas ou terras privadas, é necessário integrar os planos de manejo com o monitoramento por satélite. “Os resultados desse monitoramento ajudam também a selecionar as áreas para verificação em campo. É preciso aperfeiçoar o controle de transporte e a rastreabilidade da madeira. A tecnologia para isso já existe”, afirma.
Uma operação da Polícia Federal no fim de 2019 usou justamente essa tecnologia para identificar 15 mil hectares desmatados e em processo de grilagem e exploração de madeira nas terras indígenas Ituna/Itatá, Arara e Cachoeira Seca na região de Altamira. A TI Ituna/Itatá foi a mais desmatada do Brasil em 2019, com 13% do registrado em terras indígenas, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Bolsonaro favorece a extração de madeira ilegal
A Mongabay mostrou recentemente que o governo Bolsonaro tem atuado para facilitar a extração ilegal de madeiras raras e valiosas, como o ipê, cujo metro cúbico pode ser vendido por até U$ 2.500 em terminais brasileiros de exportação. Autoridades ambientais brasileiras reverteram regulamentações que proibiam a venda para o exterior de madeiras suspeitas, o que deve agravar ainda mais o quadro no Pará e em toda a Amazônia.
Um superintendente da Polícia Federal do Amazonas chegou a afirmar em coletiva que 90% da madeira que deixa a Amazônia Legal são extraídos de forma irregular. O estudo do Imazon, no entanto, mostra de forma científica e precisa como a rede de criminosos atua para sair ilesa da fiscalização. Procurada para comentar a análise do Imazon, a Polícia Federal não retornou ao pedido da reportagem.
Mas uma investigação da PF e do Ministério Público Federal no Amazonas realizada em 2019 apontou que cargas de madeira ilegal apreendidas em Manaus eram enviadas para os Estados Unidos, China, Índia, México e diversos países da Europa, Ásia e América Central. Foram bloqueados R$ 50 milhões das empresas investigadas.
Dezenas de mandados de prisão preventiva e busca e apreensão foram cumpridos em vários estados da Amazônia até São Paulo, Brasília e o Paraná, comprovando a extensão da rede criminosa. De acordo com os investigadores, a concessão de licenças, a fiscalização de planos de manejo florestal e concessão de créditos foram transformados em verdadeiro balcão de negócios, envolvendo servidores de órgão ambiental estadual, engenheiros florestais, detentores de planos de manejo e proprietários de empresas madeireiras.
A operação apreendeu mais de 400 contêineres no porto em Manaus, contendo aproximadamente 8.000 m³ de madeira em tora com documentação irregular, que pertenciam a mais de 60 empresas.
Para os pesquisadores do Imazon responsáveis pelo estudo, seria possível melhorar o controle da madeira explorada no Pará com o acesso rápido às informações sobre os planos de manejo, como dados vetoriais, registros de movimentação de créditos madeireiros e acesso às bases digitais dos planos. “Isto agilizaria a identificação de autorizações com indícios de irregularidade, permitindo ações de intervenção mais eficientes pelos órgãos competentes”, acreditam.
Imagem do banner: Felipe Werneck/Ibama.
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