A parte leste da Floresta Amazônica brasileira já está bastante desmatada e degradada, mas a porção oeste da região (que abrange 740 mil quilômetros quadrados) está quase totalmente intacta devido à falta de acesso rodoviário.
O imenso bloco de floresta a oeste da BR-319 (estrada que passa pelos Estados do Amazonas e Rondônia) é essencial para manter a biodiversidade da região, os povos indígenas, imensos depósitos de carbono e a reciclagem de água que fornece chuvas para lugares como São Paulo.
Projetos de estradas que se ramificariam a partir da BR-319 abririam a parte norte deste vasto bloco de floresta para a entrada dos desmatadores. Agora, uma nova ameaça avança rapidamente: o projeto de extração de petróleo e gás na região do Solimões, que prevê milhares de poços espalhados pelas porções central e sul dessa área florestal. Embora não façam parte do relatório preliminar de impacto ambiental oficial, futuras estradas ligando as áreas perfuradas à BR-319 provavelmente darão aos desmatadores acesso à toda a área.
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O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) preliminar do gigantesco projeto de extração de petróleo e gás da “Área Sedimentar do Solimões” está aberto para consulta pública até 19 de março (disponível aqui).
Solimões é o nome dado ao trecho superior do Rio Amazonas; quer dizer, do Rio Amazonas acima de sua confluência com o Rio Negro em Manaus. O projeto de extração de petróleo e gás permitiria a perfuração de milhares de poços numa série de “blocos” espalhados por 470.976 quilômetros quadrados, uma área que abrange aproximadamente um terço do Estado do Amazonas (Figura 1). É claro, há inúmeros riscos.
Um dos riscos é o de derramamento de óleo, um tipo de incidente que aconteceu com alguma frequência nas áreas de Floresta Amazônica do Peru e Equador, onde a extração de petróleo acontece em maior escala do que na Amazônia brasileira. O risco de derramamento é inerente a essas operações, com sérios impactos sobre a biodiversidade.
Outro risco é o impacto sobre povos indígenas isolados. Os primeiros blocos disponíveis para companhias de petróleo e gás em fevereiro de 2020 excluíram aqueles que pudessem abrigar esses povos, o que desagradou as empresas. As áreas ocupadas por povos indígenas isolados têm sofrido uma onda de pressão da extração mineral de vários tipos desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o poder em janeiro de 2019.
Em breve as terras indígenas em geral poderão ser abertas para a exploração de petróleo e gás, caso seja aprovado o Projeto de Lei 191/2020, que foi enviado ao Congresso Nacional por Bolsonaro em 5 de fevereiro de 2020. De acordo com essa lei (apelidada de “PL da Devastação” por seus críticos), os povos indígenas não teriam o direito de vetar a exploração de gás e petróleo em seus territórios, mesmo que estes sejam oficialmente reconhecidos como “Terras Indígenas”.
A aprovação desta e de outras leis similares que estão sendo propostas provavelmente expandiria ainda mais o projeto da Área Sedimentar do Solimões. O direito dos povos indígenas de serem consultados sobre projetos de infraestrutura que podem afetá-los já está sendo rotineiramente desrespeitado no Brasil. A reconstrução da BR-319 serve como um exemplo relevante no momento atual.
Outro custo social vem dos impactos sobre os habitantes tradicionais não-indígenas da região, tais como os ribeirinhos. O histórico é preocupante.
Uma declaração no estudo preliminar de impacto ambiental afirmando que novas estradas não serão construídas para apoiar o projeto do Solimões é uma das mais importantes do EIA, mas recebe apenas duas linhas de texto escondidas na página 88 do documento, onde diz que o projeto “transportará pessoas e materiais apenas por via área e fluvial sem abrir novas estradas”.
A ideia de que grupos de poços possam ser tratados como se fossem plataformas de petróleo no oceano, permitindo apenas acesso por helicóptero, é atraente como uma forma de minimizar impactos (e também como meio de conseguir uma licença ambiental para o projeto). É sabido que as estradas da Amazônia são um grande incentivo ao desmatamento na região, trazendo invasões de atores e processos que estão fora do controle do governo.
No entanto, apesar de a exploração de petróleo e gás sem a utilização de estradas ser financeiramente sustentável quando há poucos poços envolvidos, quando a perfuração se expandir para centenas de lugares, a viabilidade financeira das estradas aumentará de forma drástica, bem como a atração pelo uso dessa opção de transporte mais barata.
O grande problema que não está sendo discutido é como garantir que o Ministério de Minas e Energia simplesmente não mude seus planos no futuro quando as estradas se tornarem financeiramente atrativas. Não há indicação no EIA de nada que possa eliminar a possibilidade de uma futura mudança de política para permitir estradas.
Um dos perigos apresentados pela BR-319 é o plano associado para construir estradas ligadas à rodovia principal, abrindo este grande bloco de floresta. A mais importante é a AM-366, que cruzaria o Rio Purus em Tapuá e ligaria Coarí, Tefé e Juruá (Figura 2). As estradas para as áreas de exploração de petróleo e gás provavelmente se conectariam à AM-366.
É impossível exagerar a importância de manter o imenso bloco de floresta a oeste do Rio Purus intacto. Devido ao rápido desmatamento e degradação na parte leste da Amazônia, metade das espécies de árvores de toda a Amazônia deverão estar ameaçadas de extinção até 2050, de acordo com critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês). Mas mesmo essa projeção sombria considera que a floresta a oeste do Rio Purus permanecerá intacta, já que é baseada numa simulação de desmatamento (Figura 3) que não leva em conta os projetos de estrada que abririam a área para a entrada de desmatadores.
O bloco de floresta a oeste do Rio Purus contém um enorme estoque de carbono florestal, cuja preservação é crucial para evitar um importante aumento do aquecimento global. Este bloco de floresta é também essencial para manter a reciclagem da água que fornece vapor para os “rios voadores” – os ventos que carregam a água da Amazônia para produzir chuvas em outras partes do Brasil, tais como São Paulo. A cidade de São Paulo já chegou perto de ficar sem água durante períodos de seca, e a perda da água transportada da Amazônia pelos “rios voadores” tornaria muito mais provável uma catástrofe como essa.
Imagem do banner: O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) está reconstruindo a BR-319 desde 2016, aumentando de forma dramática o acesso às bacias dos rios Purus e Madeira. Imagem de Marcio Isensee e Sá/Mongabay.