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População de onças-pintadas volta a crescer no Iguaçu

  • Depois de quase perder sua população de onças na primeira década do século, a área de Mata Atlântica na fronteira entre Brasil e Argentina registrou mais que o dobro de aumento no número de indivíduos: hoje vivem 105 onças-pintadas nos parques nacionais dos dois países. Na parte brasileira, são 28 os espécimes – 20 a mais do que uma década atrás. É o único caso registrado na América do Sul.

  • Um dos fatores foram as ações dos governos do Brasil e da Argentina na região, que trabalharam em parceria para intensificar ações de fiscalização, resultando em flagrante de caçadores e apreensão de armas. Pesquisas científicas também inibiram a ação dos caçadores, pois eles sabem que a área está sendo monitorada por armadilhas fotográficas camufladas. A caça às onças é uma forte tradição no sul do Brasil.

  • A mudança de culturas no campo também favoreceu o aumento das onças. Antes, o Parque Nacional do Iguaçu era cercado por fazendas de bois e ovelhas, que se tornaram presas recorrentes do felino em decorrência da redução de seu habitat. Os fazendeiros, por sua vez, matavam a onça em retaliação. Na última década, cultivos de soja e milho tomaram o lugar da criação de animais, reduzindo os conflitos com os produtores.

Juntos, o Parque Nacional do Iguaçu (Brasil) e o Parque Nacional Iguazú (Argentina), somam cerca de 250 mil hectares. Mais de 2 milhões de pessoas por ano vêm ver seu principal atrativo, as Cataratas do Iguaçu, mas a maior importância dos parques está no que eles preservam: ambos integram o mais importante corredor de Mata Atlântica no Centro-Sul do continente sul-americano. Foto: Xavier Bartaburu

Em dezembro passado, as armadilhas fotográficas instaladas nas florestas da Mata Atlântica no Parque Nacional do Iguaçu — unidade de conservação que abriga uma das áreas remanescentes desse bioma — captaram um novo membro da população de onças-pintadas (Panthera onca) que habita a região, na divisa com a Argentina.

A fêmea, batizada de Cacira, será computada no próximo censo da espécie, a ser realizado no primeiro semestre deste ano nos dois lados do Rio Iguaçu, onde ficam o parque brasileiro e o argentino (Parque Nacional Iguazú), em um trabalho conjunto de pesquisadores dos dois países.

Cacira faz parte de uma tendência crescente no número de onças-pintadas na região, depois de uma perda quase total de sua população no lado brasileiro na primeira década do século. Se no início dos anos 1990 havia cerca de 400 indivíduos entre os dois países, em 2005 restavam apenas 40, e, destes, somente oito na parte brasileira (em 2008). A diminuição do habitat da onça causado pelo intenso desmatamento e a caça ao animal foram os principais fatores dessa quase extinção.

Uma reviravolta, porém, ocorreu a partir de 2010, quando os números começaram a subir, chegando a 58 onças nos dois países (destas, 14 no Brasil), 90 em 2016 (22) e 105 em 2018 (28).

“A meta é chegar a 250 indivíduos no total, número que essa região poderia sustentar no seu estado atual,” diz Ronaldo Morato, coordenador do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap), órgão vinculado ao ICMBio.

A Argentina tem um número maior de onças-pintadas porque a área coberta pelo censo abarcou, além do Parque Nacional Iguazú, outros dois parques da província de Misiones e ainda 400 mil hectares de floresta. No Brasil, a amostragem se limitou ao Parque Nacional do Iguaçu, uma faixa verde 185 mil hectares cercada por lavouras.

Espécie-chave na regulação do ecossistema

“A onça-pintada sofre forte ameaça na Mata Atlântica como um todo por ser uma região altamente urbanizada, onde vivem mais de 140 milhões de pessoas, ou seja, dois terços da população brasileira. O que ajuda a espécie no caso da Serra do Mar, no mosaico de unidades de conservação [nos estados de São Paulo, Paraná e divisa com Rio de Janeiro], é que se trata de uma área muito montanhosa, de difícil acesso. Lá vivem um pouco menos de cem onças,” diz o chefe do Cenap.

Não é apenas na Mata Atlântica que o animal encontra-se em situação vulnerável — e nem somente no Brasil. “Por ser o grande remanescente florestal, a Amazônia é o bioma que garante a sobrevivência da onça em longo prazo. E no entanto, ela está ameaçada em todos os países amazônicos, a exemplo da Colômbia, onde áreas de floresta vêm sendo substituídas pelo plantio de palmeiras para a extração de óleo,” diz Morato.

“O mesmo ocorre na América Central, além do Cerrado e da Caatinga brasileiros. A conversão da floresta em pastagem aumenta o acesso do homem a essas fronteiras e, assim, cresce também a possibilidade da prática da caça.”

maior felino selvagem das Américas — cujas manchas por toda a extensão de seu corpo são únicas em cada animal — está presente em todos os biomas brasileiros com exceção do Pampa, onde está extinto. A onça-pintada é uma espécie chave na regulação do ecossistema, pois, como importante predador na cadeia alimentar, regula a população de herbívoros (queixadas, capivaras, antas, porcos do mato etc.), que se alimentam de plantas novas, que ainda estão crescendo, e irão substituir as mais antigas no futuro.

Mapa mostra as áreas de Mata Atlântica mais aptas para servir de habitat à onça-pintada. As áreas em laranja são inadequadas, enquanto as verdes são as mais propícias. A mancha em destaque é a região do Iguaçu, na fronteira entre Brasil e Argentina. Imagem: Paviolo, A., De Angelo, C., Ferraz, K. et al

Soja e milho favoreceram volta das onças

No Iguaçu, o aumento de onças-pintadas — o único caso no continente sul-americano — deve-se a um conjunto de fatores. Nos últimos anos, os governos do Brasil e da Argentina trabalharam em parceria para organizar e intensificar ações de fiscalização, o que resultou em flagrante de caçadores, apreensão de armas e desmonte de acampamentos. As pesquisas científicas feitas em campo também inibem a ação dos caçadores, pois sabem que a área também está sendo monitorada por armadilhas fotográficas camufladas.

Curiosamente, a gradual mudança de culturas no campo de 2007 para cá — antes o predomínio era de gado e ovelhas nas fazendas locais, substituídos devido à demanda global de soja e milho — contribuiu para diminuir o conflito entre fazendeiros e onças do entorno. Com a redução de seu habitat e da oferta de presas naturais na mata, o felino acabava recorrendo à predação de gado e animais domésticos. Os fazendeiros, por sua vez, matavam a onça em retaliação.

A caça (ilegal) não se dava apenas por esse motivo. “A região Sul tem uma tradição forte nessa prática, os fazendeiros saem para caçar porco e, se encontram uma onça, acabando matando-a muitas vezes,” diz o coordenador do Cenap.

Essa mentalidade, no entanto, vem mudando entre os 500 mil habitantes dos 14 municípios situados no entorno do Parque Nacional do Iguaçu, segundo Yara Barros, coordenadora-executiva do Projeto Onças do Iguaçu. A entidade, em cooperação com pesquisadores argentinos do Proyecto Yaguareté, monitora a população da espécie e realiza trabalhos de conservação na região.

“A sobrevivência da onça-pintada depende em grande parte da tolerância humana a esse animal. Nosso trabalho busca a coexistência entre os dois grupos por meio de uma mudança de percepção em relação aos felinos,” diz Barros.

Ao contrário do que acontece com leões, tigres e leopardos, os grandes carnívoros brasileiros não comem gente. Onças-pintadas tendem a evitar a presença do homem. A força de sua mordida, no entanto, é capaz de quebrar o crânio de uma anta. Foto: Gregoire Dubois

Fontes alternativas de renda coibem a matança

O trabalho se traduz em uma série de iniciativas criadas ao longo dos anos, como o “Papo de Onça”, na qual pesquisadores ensinam moradores locais a fazer o manejo correto do gado e de outros animais de criação para evitar a predação dos felinos. Ou o que fazer em caso de encontro com uma delas (a onça normalmente evita seres humanos).

“Também estamos avaliando como incentivar fontes alternativas de renda a produtores que perderam gado por predação. Muitos desses pecuaristas são donos de pequenas e médias propriedades. É uma forma de compensá-los e dissuadi-los a não matar a onça”, diz Barros.

“No município de São Miguel do Iguaçu, por exemplo, um fazendeiro teve um bezerro morto por uma onça-parda. Vimos que ele produzia um pouco de queijo e começamos a levar o produto para vendê-lo no parque, o que deu certo. Na última vez, levamos 40 unidades e as vendemos em cinco minutos. O produtor agora o chama de ‘queijo da onça’, e passou a comercializar também o ‘vinagre da onça’. Além disso, instalou uma cerca elétrica na fazenda que afasta animais de fora.

Outra ação é o “Onça na Escola”, que realiza palestras e peças de teatro para crianças em escolas públicas. Em 2019 foram feitos 20 eventos, que atingiram 1,5 mil pessoas em 12 municípios.

Uma maior aceitação em relação ao grande felino é confirmada por Morato, um dos principais especialistas do país na espécie. “Não só no parque do Iguaçu, mas projetos no Brasil inteiro, vêm aumentando a aproximação de agências do governo, pesquisadores, ONGs e comunidades rurais. Há fazendeiros que ainda não aceitam o trabalho de conservação da biodiversidade, mas vejo que as pessoas em geral estão mais amigáveis em relação à natureza. Tenho observado isso no corpo a corpo, quando nos aproximamos de produtores e trabalhadores rurais, em uma mudança que vem ocorrendo nos últimos anos.”


Em janeiro, uma armadilha fotográfica instalada no Parque Nacional do Iguaçu captou a imagem de uma onça (que recebeu o nome de Croissant) arranhando o tronco de uma árvore. Além de afiar as garras, arranhar também é uma forma de marcar território. Imagem: Projeto Onças do Iguaçu. 

Referência:

Paviolo, A., De Angelo, C., Ferraz, K. et al. A biodiversity hotspot losing its top predator: The challenge of jaguar conservation in the Atlantic Forest of South America. Sci Rep 6, 37147 (2016). https://doi.org/10.1038/srep37147

Imagem do banner: Foto de Gregoire Dubois.

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