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Incêndios na Amazônia podem derreter geleiras nos Andes

  • A Floresta Amazônica sempre foi historicamente úmida demais para queimar em grande escala, mas isso vem se alterando à medida que as mudanças climáticas e o desmatamento tornam o bioma cada vez mais quente e seco.

  • Um novo estudo descobriu que o impacto do fogo (especificamente em 2007 e 2010, anos de grandes incêndios) resultou em depósitos de carbono negro que escurecem as neves das geleiras da Cordilheira dos Andes. A absorção – em vez da reflexão – da radiação solar aumenta o derretimento do gelo.

  • O derretimento depende da quantidade de fuligem da Amazônia que atinge a superfície das geleiras, o que por sua vez depende de quanta fuligem é produzida e também das condições atmosféricas, tais como a direção do vento. O derretimento causado pelo carbono negro não é contabilizado nos atuais modelos climáticos, o que significa que esses modelos podem estar subestimando o efeito no futuro.

  • O derretimento causado pelo carbono negro deve resultar, em curto prazo, num aumento do fluxo d’água das geleiras andinas, provavelmente causando inundações. Quando as geleiras derreterem, pode faltar água nos Andes, embora não exista uma estimativa de quando isso poderá ocorrer.

A Geleira Zongo, analisada no estudo, fica no topo da montanha Huanya Potosí, na Bolívia. Foto de Domínio Público.

Incêndios na Amazônia podem estar contribuindo para o aumento do derretimento das geleiras das montanhas andinas, de acordo com um estudo publicado na revista Scientific Reports.

Colunas de fumaça se desprendem dos incêndios na floresta e viajam com o vento, carregando aerossóis como o carbono negro, que se depositam na superfície das geleiras nas montanhas, escurecendo a neve. Como resultado, o albedo da neve – a quantidade de luz e radiação refletida pela superfície – é reduzido. Com menos luz do sol refletida, o equilíbrio de energia das geleiras é afetado e elas derretem mais rápido.

“O que descobrimos em nosso estudo foi que, nas geleiras dos Andes Tropicais, a principal fonte de carbono negro é a queima de biomassa na Amazônia. E o conteúdo de carbono negro na neve devido aos incêndios na Amazônia é suficiente para causar derretimento”, diz o principal autor do estudo, Newton de Magalhães Neto, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

O fenômeno pode ser relativamente novo, já que a Floresta Amazônica sempre foi úmida demais para queimar de forma significativa; as mudanças climáticas, aliadas ao desmatamento, fizeram com que ela ficasse

A equipe de pesquisa usou dados de incêndios, precipitação, derretimento das geleiras e o movimento das colunas de fumaça do sudoeste da Amazônia para elaborar um modelo matemático dos efeitos sobre as geleiras, especificamente da Geleira Zongo, na Bolívia. A pesquisa se concentrou no depósito de carbono negro em 2007 e 2010, anos em que os incêndios foram maiores do que os níveis devastadores de 2019.

De acordo com o modelo, tanto o carbono negro quanto a poeira em baixas concentrações (10 partes por milhão) sobre a superfície da neve podem aumentar o derretimento anual na geleira em 3% a 4% separadamente ou em 6% a 8% quando combinados. Níveis mais altos de poeira (100 partes por milhão) podem aumentar o derretimento anual das geleiras em 12% a 14% quando associados ao carbono negro.

“Para nós, não foi uma grande surpresa. Já sabíamos que na Groenlândia o derretimento superficial ocorre não só devido ao aquecimento provocado pelos gases de efeito estufa mas também ao depósito de carbono negro na superfície. A Groenlândia recebe grandes quantidades de carbono negro originário de combustíveis fósseis por conta da industrialização da América do Norte e da Europa, da queima da Floresta Boreal do Canada e do uso de carvão na Rússia; e o carbono negro tem um papel fundamental no processo de derretimento da superfície das geleiras.”

Para estabelecer a mesma ligação nos Trópicos, contudo, os pesquisadores tiveram de provar que a fumaça do sudoeste da Amazônia podia atingir a altitude das geleiras tropicais andinas. A equipe fez isso usando o Calipso (um satélite que usa a tecnologia Lidar, infravermelho e análises de imagem das nuvens), para verificar se a coluna de fumaça continha a mesma composição de aerossol tanto acima da Bacia Amazônica quanto das montanhas andinas.

O satélite Calipso, cuja sigla em inglês significa Cloud-Aerosol Lidar and Infrared Pathfinder Satellite Observation, combina um instrumento Lidar ativo com o infravermelho passivo e imagens visíveis para analisar a estrutura vertical e as propriedades de nuvens rarefeitas e aerossóis. Vídeo: Centro de Pesquisa Langley da NASA.

O desmatamento está aumentando, o que alerta para mais incêndios no futuro. No entanto, as emissões causadas pelo fogo não são a única coisa que contribui para os níveis de carbono negro nas montanhas. A facilidade com a qual o carbono negro pode viajar da Amazônia para os Andes, de acordo com Magalhães Neto, também é algo a ser considerado. Mudanças na atmosfera podem significar um transporte mais eficiente de poeira e carbono para a superfície das geleiras.

“É difícil prever o que os incêndios deste ano [2019] significaram para o derretimento sem aplicar os modelos e medir o carbono negro nas geleiras. O mais importante é ter em mente que esse impacto existe.”

Um estudo de outras geleiras andinas tropicais descobriu que quase metade da área glacial desapareceu desde 1975, sendo que mais de 80% das áreas extintas estavam abaixo dos 5 mil metros. Os modelos atuais que preveem a resposta das geleiras andinas às mudanças climáticas não incluem as contribuições do carbono negro e da poeira para o derretimento.

“Sabemos que a causa mais importante para o derretimento das geleiras dos Andes são as mudanças climáticas (principalmente o aquecimento da atmosfera devido aos gases de efeito estufa). Os incêndios na Amazônia agem como uma força extra que agrava a situação”, diz Magalhães Neto. “Uma política que reduza as emissões de gases de efeito estufa e impeça o desmatamento e os incêndios seria a forma mais eficaz de mitigar o derretimento das geleiras.”

Comunidades e ecossistemas abaixo das geleiras dependem do derretimento das mesmas como uma fonte de água doce, especialmente durante as estações secas e períodos de estiagem. O aumento do derretimento das geleiras pode romper o equilíbrio hidrológico e ter implicações desastrosas para os recursos de água doce em regiões já afetadas pela insegurança hídrica.

“Primeiro, espera-se um aumento inicial da água proveniente das geleiras como resultado do maior derretimento, no entanto, esse derretimento atingirá um ponto em que o volume de água começará a diminuir”, diz Magalhães Neto. “[Isso] resultará num deficit hídrico para o ecossistema, o que pode levar a uma redução futura na agricultura, na água potável e na geração de energia para as pessoas que vivem nas regiões áridas do oeste andino e resultar numa crise hídrica.”

Imagem do banner: Incêndios florestais fora de controle no município de Colniza, Mato Grosso, em agosto de 2019. Foto: Victor Moriyama / Greenpeace.

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