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Brasil atinge recorde de consumo de agrotóxicos altamente perigosos, diz relatório

  • Relatório de ONGs constata que o Brasil é o maior comprador anual de pesticidas altamente perigosos (HHPs), designação técnica da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. Os HHPs contêm ingredientes ativos com toxicidade extremamente aguda e causam impactos negativos crônicos na saúde humana e no meio ambiente.

  • O estudo também divulgou que as elevadas vendas de HHPs não acontecem apenas no Brasil, mas também em outros países de baixa e média renda, enquanto as vendas em países de alta renda, especialmente na Europa Ocidental, são muito mais baixas. Essa tendência é detectada nos números de vendas dos membros corporativos da associação Croplife International: Bayer, BASF, Corteva, FMC e Syngenta.

  • Um representante da indústria de agrotóxicos argumenta que essa disparidade nas vendas entre países de alta e baixa renda se deve à diferença das “condições de cultivo” entre países e regiões. Ambientalistas, porém, afirmam que a disparidade deve-se a regulamentações de agrotóxicos muito mais fracas existentes nos países de baixa renda, em comparação com países de alta renda.

  • O uso de HHPs provavelmente continuará aumentando no Brasil. Em 2019 o governo Jair Bolsonaro aprovou 474 novos pesticidas — o número mais alto em 14 anos. As importações de pesticidas no Brasil também bateram um recorde histórico, quase 335 mil toneladas de agrotóxicos em 2019, um aumento de 16% em relação a 2018.

Abelhas mortas encontradas por apicultores na cidade de Santa Maria, Rio Grande do Sul. Foto: Sofia Perpétua/Unearthed.

O Brasil não é apenas o campeão mundial em consumo de agrotóxicos (mais de US$ 10 bilhões ao ano), mas também o maior comprador de pesticidas altamente perigosos (HHPs) — designação das Nações Unidas para agrotóxicos que contêm ingredientes ativos com toxicidade extremamente aguda, que persistem no meio ambiente e em organismos, e com efeitos negativos crônicos na saúde humana e no meio ambiente, mesmo sob níveis de exposição muito baixos.

Essa é a conclusão de uma investigação realizada pela Unearthed, organização jornalística independente financiada pelo Greenpeace UK, em parceria com a ONG suíça Public Eye.

A equipe do estudo cruzou dados referentes a US$ 23,3 bilhões em vendas de pesticidas para 43 países em 2018 (cerca de 40% do mercado global) com a lista de HHPs da Pesticide Action Network (PAN). O conjunto aprofundado de dados foi dividido por ingrediente ativo para determinar o valor e a porcentagem de cada venda referente aos pesticidas altamente perigosos.

A análise mostrou que 42,4% das vendas totais (US$ 9,9 bilhões) foram de HHPs. Desse grupo de pesticidas altamente perigosos, o Brasil respondeu por mais de um quinto (22,2%), com US$ 2,2 bilhões.

Além disso, os cinco principais fabricantes de pesticidas do mundo — Syngenta (Suíça), Bayer e BASF (ambos sediados na Alemanha) e Corteva e FMC (ambos nos Estados Unidos) — responderam por 80% de todas as vendas de agrotóxicos ao Brasil; 72% desse total foi de HHPs (US$ 1,6 bilhão). Essas empresas, junto com a Sumitomo Chemical, combinam sua influência política por meio da CropLife International, associação da indústria de agrotóxicos e grupo lobista com sede em Bruxelas.

Países pobres usam mais HHPs

A investigação Unearthed/Public Eye também descobriu que o alto uso de pesticidas potencialmente perigosos no Brasil é replicado em outros países de baixa e média renda. Enquanto os HHPs das cinco gigantes de agrotóxicos representaram, em média, 45% das vendas nos países mais pobres, essa participação caiu para apenas 27% nos países de alta renda.

Comparando países, os HPPs responderam por 49% do total das vendas no Brasil (US$ 3,3 bilhões), mesmo índice da Tailândia, enquanto a Índia ficou em primeiro lugar com 59%, e a Argentina e o Vietnã com 47% e 44% respectivamente. Esses números contrastam fortemente com os países de alta renda: apenas 12% dos pesticidas que a Alemanha comprou das empresas-membros da CropLife eram HPPs, enquanto a França e o Reino Unido compraram apenas 11%, e a Itália e o Canadá 23% cada. Os países de alta renda que subiram a média do consumo de HHPs desse grupo foram os Estados Unidos, com 36%, a Austrália e o Japão, com 46% e 52%.

“A Suíça, a Alemanha e os EUA, como países-sede dos principais fabricantes, precisam implementar regras mandatórias para garantir que [os produtores de agrotóxicos] respeitem os direitos humanos e o meio ambiente quando operam no exterior, e apoiar ações internacionais para eliminar progressivamente os pesticidas altamente perigosos em escala global”, diz Laurent Gaberell, especialista em pesticidas da Public Eye.

Curiosamente, vários HHPs vendidos no Brasil são proibidos para uso em seus países de origem. Um exemplo é o herbicida paraquat, banido na Suíça e em toda a Europa desde 2007. Ele é associado a casos de câncer, doença de Parkinson, fibrose pulmonar e mutações genéticas.

Em setembro de 2017, a Anvisa, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, proibiu o uso de paraquat no país, mas dois meses depois recuou dessa decisão, respondendo às pressões do lobby do agronegócio ruralista e da Syngenta. Após a proibição da Anvisa, a empresa suíça e a Câmara de Comércio Suíço-Brasileira patrocinaram uma viagem a ruralistas brasileiros à cidade de Stein, onde fica o laboratório de desenvolvimento de produtos da Syngenta.

Procurada pela Mongabay, a CropLife International, por meio do seu representante de comunicação, explicou da seguinte forma a grande disparidade no uso de HHPs entre países desenvolvidos e em desenvolvimento: “Nossos membros servem agricultores de todo o mundo, do Reino Unido à Uganda, do Brasil a Bangladesh, [e eles têm] diferentes culturas, pragas e climas. Nenhum dos países e suas condições de cultivo são os mesmos. Faz sentido, portanto, que os agrotóxicos usados para enfrentar esses desafios sejam frequentemente diferentes, o que significa que diferentes produtos estão disponíveis [no mercado]. Em outras palavras, diferentes produtos estarão disponíveis para agricultores europeus versus agricultores da África Oriental, que atualmente combatem infestações por gafanhotos.”

As ONGs ambientais, no entanto, têm uma visão muito diferente. Juman Kubba, consultor de políticas do Greenpeace do Reino Unido, respondeu à explicação da CropLife: “Não se engane. Se o mercado europeu estivesse aberto para [as empresas] venderem seus produtos cancerígenos e matadores de abelhas, elas o fariam. Longe de atender a diferentes necessidades em todo o mundo, a CropLife e seus membros buscam apenas explorar e lucrar com diferentes regras e regulamentos sobre pesticidas tóxicos. Esses produtos químicos perigosos não têm lugar em um sistema alimentar saudável ou em um ambiente saudável, e os governos devem proibi-los em todo o mundo. Os regulamentos sobre agrotóxicos, como regra, são muito mais fracos nos países em desenvolvimento do que nos países desenvolvidos.”


Vendas globais de agrotóxicos aumentam — exceto na Europa Ocidental

As vendas de pesticidas não mostram sinais de desaceleração, apesar da preocupação dos cientistas com o uso criado pelo chamado “apocalipse de insetos” em todo o planeta. As vendas globais de pesticidas aumentaram 6% em 2018, para US$ 57,5 bilhões, segundo o grupo de inteligência do setor Agrow Agribusiness.

Não por coincidência, as regiões com maior aumento nas vendas foram tipicamente as com menor regulamentação ambiental: a região da Ásia-Pacífico, que registrou uma taxa de crescimento de 7,2% (vendas de US$ 17,4 bilhões), e a América Latina, com um crescimento de 11,1% (US$ 14,1 bilhões).

Em contraste, a Europa Ocidental viu as vendas caírem 3%, para US$ 12 bilhões. “O mercado regional se dividiu entre uma Europa Oriental em forte crescimento e uma metade ocidental em declínio. As principais quedas [nas vendas de agrotóxicos] são estimadas na França, Alemanha e Reino Unido, onde o clima quente e seco na primavera e no verão reduziu a pressão de doenças e pragas e resultou em baixa demanda”, disse o relatório.

No Brasil, espera-se que as vendas de HHPs continuem em alta. Em 2019, o governo do presidente Jair Bolsonaro aprovou o registro de 474 novos pesticidas — o maior número em 14 anos. As importações de pesticidas para o Brasil também bateram recorde histórico, com quase 335 mil toneladas de pesticidas compradas em 2019, um aumento de 16% em relação a 2018.

Em julho passado, a Anvisa também mudou seu processo de autorização. O novo marco legal dos agrotóxicos agora considera apenas o risco de morte para classificar a toxicidade de um produto, e não mais outros danos físicos que possam ocorrer. Como resultado, muitos produtos que foram classificados como extremamente tóxicos no passado agora podem ser avaliados como moderadamente ou levemente tóxicos.

Parece provável que, sob o governo Bolsonaro, novos recordes do uso de pesticidas irão ocorrer. Uma portaria do Ministério da Agricultura publicada no mês passado determinou a autorização automática de agrotóxicos caso um produto não seja avaliado dentro de 60 dias após sua solicitação de registro — mecanismo que garante o aumento no número de aprovações de HHPs e de outros pesticidas de forma acelerada, enquanto a segurança é potencialmente colocada em maior risco.

A superexpansão brasileira do uso de agrotóxicos ocorre no momento em que os cidadãos do país estão cada vez mais alarmados com envenenamento por pesticidas, e enquanto crescem as evidências de danos a abelhas, antas e outros animais selvagens.

Imagem do banner: Protesto da ONG Greenpeace contra a fabricante de pesticidas Syngenta, um dos membros corporativos da associação comercial Croplife International. Crédito: Greenpeace Suíça em Visualhunt.com / CC BY-NC-ND.

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