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Plantando palmeiras: arara-azul está ajudando a regenerar a vegetação no Brasil

  • Pesquisa mostra como a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) e a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) ajudam a espalhar as sementes de 18 espécies de plantas no Brasil.

  • Esses psitacídeos dispersam os frutos a uma distância de até 1.620 metros. Segundo o estudo, 98% das sementes espalhadas eram provenientes de seis espécies de palmeiras.

  • Foram registrados mais de 1.700 eventos de dispersão para as duas espécies de arara. Destes, 1.590 foram registrados por observação direta e 132 por meio de armadilhas fotográficas.

  • Os resultados do estudo desafiam a visão predominante de que a dispersão de frutos de espécies grandes foi comprometida após a extinção da megafauna na América do Sul durante o Pleistoceno.

A arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus) é a maior espécie entre as araras. Sua congênere, a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) é fenotipicamente semelhante, mas um pouco menor. Esses pássaros têm o bico mais fortes entre os psitacídeos e são capazes de quebrar facilmente os grandes frutos de diferentes palmeiras.

Um estudo científico, publicado em janeiro na revista MPDI, revelou o papel que ambas as araras têm na dispersão de sementes de 18 espécies de plantas, das quais 98% correspondem a seis espécies de palmeiras grandes. O trabalho de campo consistiu em doze expedições realizadas na Caatinga e no Cerrado e no Pantanal do Brasil e da Bolívia.

O artigo, assinado por oito pesquisadores de cinco instituições, registrou um total de 1.722 eventos de dispersão. Nesses registros, os frutos foram movimentados pelas araras a uma distância variável de até 1.620 metros. Inclusive, ambas as espécies de aves levaram frutos que haviam sido regurgitados anteriormente pelo gado para seus ninhos, registrando um caso incomum de dispersão terciária.

Segundo a pesquisa, esse mutualismo planta-animal tem sido até agora muito inesperado. Diferentemente de outras espécies de araras, que apenas consomem a polpa e descartam as sementes das palmeiras, as Anodorhynchus são capazes de quebrar a dura casca que cobre os frutos de diferentes palmeiras para consumir as sementes que dominam sua dieta.

Antes, essas araras eram consideradas exclusivamente como antagonistas das plantas. No entanto, o estudo afirma que esse papel de aparente predador de sementes pode, em última análise, representar uma relação mutualista entre as plantas e essas aves. Isso acontece quando “uma proporção funcionalmente relevante das sementes é recrutada com sucesso nos eventos de dispersão das araras, como mostramos”, afirma o artigo.

Armadilhas fotográficas do estudo registram araras-azuis colhendo frutos de palmeiras. Foto: Estação Biológica Doñana, CSIC.

Frutos da megafauna

Para obter os resultados, os pesquisadores afirmam que se basearam em observações diretas de araras-azuis e araras-azuis-de-leares forrageando e espalhando os frutos, as quais foram complementadas por registros fotográficos. Foi assim que conseguiram obter em detalhes as taxas de dispersão dos frutos de diferentes espécies de palmeiras, como Acrocomia totai (coco-de-espinho ou macaúba) e Attalea phalerata (ouricuri) no Pantanal boliviano, e Attalea barreirensis (catolé ou coco-de-caroço-só) e Attalea eichleri (babaçu) no Cerrado.

No caso do Pantanal boliviano, os dados foram obtidos por meio de observações diretas realizadas na Área Natural de Manejo Integrado de San Matías (ANMI), uma das áreas protegidas do país, que também abriga a arara-azul.

Já no Cerrado brasileiro foi preciso usar câmeras infravermelho, uma vez que as espécies de palmeira Attalea barreirensis e Attalea eichleri estão quase no nível do solo, o que dificultava as observações de forrageio à distância.

Essas câmeras foram escondidas próximas ao chão, a cerca de 3 a 5 metros das palmeiras. Ativadas pelo movimento, elas permitiram a captura de várias imagens instantâneas (tiradas a cada 5 segundos) das araras pegando e espalhando os frutos.

Araras-azuis-de-lear na Caatinga. Foto: Steve Brooks (www.wildparrotsupclose.com)

O artigo também discute o papel-chave que ambas as espécies ameaçadas de arara têm na dispersão de sementes grandes, um papel que até agora havia sido amplamente atribuído à extinta megafauna que habitava a América do Sul durante o Pleistoceno.

Segundo Fernando Hiraldo, do Departamento de Biologia da Conservação da Estação Biológica de Doñana (Espanha), e um dos autores da publicação, este trabalho demonstra claramente que as duas espécies de Anodorhynchus espalham frutos enormes, que são considerados próprios da megafauna.

”E elas fazem isso por grandes distâncias, algo muito importante para a saúde genética da planta dispersada”, destaca Hiraldo. “É impressionante como conseguem transportar mais de um desses grandes frutos por grandes distâncias, seja na boca ou em suas garras”.

Além disso, o pesquisador aponta que o estudo mostra o sucesso dessa dispersão, algo que foi observado nas inúmeras germinações das plantas espalhadas sob árvores onde araras-azuis e araras-azuis-de-leares levavam os frutos.

As descobertas dos cientistas também indicam que a diminuição das populações dessas araras bem como a redução da área de seus habitats poderiam comprometer ainda mais a dispersão de grandes palmeiras.
A publicação enfatiza a necessidade de planos de recuperação para ambas as espécies, não apenas para alcançar sua conservação mas também para restaurar suas funções ecológicas nos ecossistemas ameaçados em que habitam.

Conservação e ameaças

José Antonio Díaz, diretor da Fundação de Conservação Loros Bolívia (CLB), e um dos autores do artigo, aponta que o “declínio dessas populações de araras acabaria afetando o habitat, sua estrutura e capacidade de regeneração”.

Internacionalmente, a arara-azul e a arara-azul-de-lear são classificadas como Vulnerável (VU) e em Perigo de Extinção (EN), respectivamente, de acordo com a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). Isso porque não apenas suas populações diminuíram drasticamente nas últimas décadas, mas também sua área de distribuição. No caso da arara-azul, há uma população estimada em 6.500 indivíduos, restrita às regiões do Pantanal, Cerrado e Amazônia, com um fluxo genético provavelmente baixo ou mesmo nulo entre elas.

No caso da arara-azul-de-lear, seu raio de distribuição potencial sofreu uma diminuição de 845 mil km² na Caatinga para uma população estimada em 1.200 indivíduos, concentrada em poucos locais de reprodução, em um raio de cerca de 50 km.

O estudo também indica que o Pantanal e o Cerrado estão sofrendo uma rápida perda de cobertura vegetal devido ao desmatamento, para dar lugar à agricultura e à pecuária.

No caso da Caatinga, o bioma foi degradado devido ao excesso de pasto para gado, o que está afetando a regeneração da palmeira de licuri (S. coronata), considerada o principal recurso alimentar da arara-azul-de-lear. Por isso, as ações de conservação dessa arara se concentram na regeneração e preservação das palmeiras de licuri.

O uso de armadilhas fotográficas ajudou a calcular a taxa de dispersão dos frutos das diferentes espécies de palmeiras pelas Anodorhynchus. Foto: Estação Biológica Doñana, CSIC.

Imagem do banner: Araras-azuis alimentando-se de frutos de palmeira no Pantanal brasileiro. Foto: Eduardo Franco Berton

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