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Retomada de operação da Vale em Mariana mostra caminho que pode se repetir em Brumadinho

O rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale a anglo-australiana BHP, causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais. Inicialmente, a mineradora havia afirmado que duas barragens haviam se rompido, de Fundão e Santarém. No dia 16 de novembro, a Samarco confirmou que apenas a barragem de Fundão se rompeu. Local: Distrito de Bento Rodrigues, Município de Mariana, Minas Gerais. Foto: Rogério Alves/TV Senado

  • A mineradora Vale está com obras em curso para retomar a produção em Mariana, onde em 2015 uma suas barragens resultou em um dos maiores crimes ambientais da história do Brasil. A autorização chegou em outubro de 2019 por 10 votos favoráveis, 1 abstenção e apenas 1 voto contrário no Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais (Copam/CMI).

  • Quatro anos depois do acidente em Mariana, a Vale conseguiu acelerar a avaliação de nove projetos de alto risco na mesma área. Favorecida pela Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri) do governo de Minas Gerais, a mineradora passou por cima dos trâmites usuais para esse tipo de projeto.

Enquanto o rompimento de barragem da Vale em Brumadinho completa um ano neste 25 de janeiro, a mineradora está com obras em curso para retomar a produção em Mariana. A autorização chegou em outubro de 2019 por 10 votos favoráveis, 1 abstenção e apenas 1 voto contrário no Conselho de Política Ambiental do Estado de Minas Gerais (Copam/CMI).

Mariana sofreu com o rompimento da barragem de Fundão em 5 de novembro de 2015, o que ainda é o maior crime ambiental da história do Brasil e um dos maiores do mundo. A barragem é de propriedade da Vale e da BHP: as maiores mineradoras do planeta, que são donas da Samarco.

Dezenove pessoas morreram e cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos contaminaram mais de 700 quilômetros de rios na bacia do Rio Doce até o oceano, atingindo o Complexo de Abrolhos, lar da maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul.

Mais de quatro anos depois do rompimento da barragem, todos os executivos envolvidos no caso seguem impunes e a Vale conseguiu acelerar a avaliação de 25 projetos de alto risco na Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri) de Minas Gerais, como revelou a Mongabay.

No total, são nove os projetos da Vale na região de Mariana escolhidos como prioritários. Passaram, portanto, por cima dos trâmites que os outros projetos normalmente enfrentam. A Suppri foi justamente a responsável pelo parecer técnico favorável à concessão da licença para a retomada da Vale/BHP em Mariana e embasou a decisão dos conselheiros do Copam.

A aprovação da licença contemplou todos os processos de licenciamento da Samarco que tramitavam na Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad).

A expansão da Mina de Alegria/Fábrica Nova, por exemplo, foi contemplada pela escolha em nada menos que cinco processos distintos da Suppri. Uma análise do Ministério Público de Minas Gerais feita logo após o rompimento, em 2015, mostrou que as pilhas de estéreis de Fábrica Nova, como são chamados os resíduos de mineração que não foram processados, praticamente encostavam na barragem de Fundão, aquela que rompeu.

Três projetos analisados pela Suppri referem-se justamente a este tipo de obra. Em março, a própria Vale interditou as estruturas da Mina de Alegria por não conseguir garantir a sua estabilidade.

Na divisa de Mariana com Catas Altas, está a Mina do Fazendão, no pé da Serra do Caraça, importante santuário ecológico. A mina, que tem risco 6, o mais alto possível, também consta no documento obtido pela reportagem e fica muito próxima a casas de moradores que sofrem com a poluição por ela gerada.

O rompimento da barragem de rejeitos da mineradora Samarco, cujos donos são a Vale a anglo-australiana BHP, causou uma enxurrada de lama que inundou várias casas no distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, em 2015. Foto: Rogério Alves/TV Senado

“A Vale é criminosamente negligente”, afirma ambientalista

“O fato de a Suppri, mais uma vez, apresentar no seu parecer uma argumentação burocrática absurda sobre as estruturas com rejeitos só prova que o sistema de gestão ambiental de Minas Gerais é que é o verdadeiro desastre. É totalmente inaceitável que a Samarco queira retomar suas atividades no complexo minerário sem eliminar completamente qualquer risco às pessoas e ao meio ambiente na bacia do Rio Doce. E a Vale, que sempre afirmou que suas barragens de rejeitos eram seguras e não iriam romper, já demonstrou que, além de incompetente na gestão dessas estruturas, é criminosamente negligente”, diz a ambientalista Maria Teresa Corujo.

Teca, como é conhecida, é representante do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc) – o único voto contrário na reunião que aprovou a retomada da Samarco em Mariana. O parecer de vistas do Fonasc aponta uma série de irregularidades no processo.

A barragem de rejeitos de Germano e diques associados têm quase 130 milhões de metros cúbicos de resíduos acumulados e está ao lado da barragem de Fundão, além de possuir 163 metros de altura. É uma das maiores barragens em Minas Gerais e no Brasil.

“Os relatórios sobre as barragens da Samarco são marcados por falhas de informações, a exemplo dos dados sobre volume de rejeitos registrados pelo Governo de Minas Gerais entre 2011 e 2014. Todas essas questões não foram tratadas no parecer da Suppri, o que é muito grave considerando o ocorrido em Mariana (2015) e Brumadinho (2019)”, afirma Teca.

Com a Licença de Operação Corretiva (LOC) garantida, a Samarco está construindo uma planta de filtragem que vai separar a parte líquida da sólida dos rejeitos. As obras devem terminar até o fim de 2020. Em nota, a Samarco afirmou que “este passo importante demonstra o compromisso da empresa em reiniciar suas operações de forma segura e sustentável”.

O receio de que a experiência ruim de reparação de Mariana se repita no caso de Brumadinho acendeu o alerta da Força Tarefa do Ministério Público e da Defensoria Pública, que cuidam desde 2015 do primeiro caso logo após o rompimento da segunda barragem, em 2019.

“Toda a experiência adquirida por parte dos atores da tragédia de Mariana deve ser utilizada em prol das vítimas de Brumadinho. E que não se repitam os entraves ocasionados, muitas das vezes, por uma atuação negligente por parte das empresas responsáveis, chegando próximo à omissão, em relação ao atendimento dos pleitos mais imediatos das vítimas, bem como à necessidade de reparação ambiental”, afirmam os promotores, em nota.

Após o rompimento da barragem da Vale em Mariana, dezenove pessoas morreram e cerca de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos tóxicos contaminaram mais de 700 quilômetros de rios na bacia do Rio Doce. Foto: Rogério Alves/TV Senado

Risco máximo, trâmite mínimo

Quase todos os projetos da Vale escolhidos pela Suppri enfrentam problemas graves: a barragem de Maravilhas III, em Nova Lima, foi interditada pela justiça em outubro passado por falta de plano de ação emergencial. O dique é 3 vezes maior do que a barragem de Fundão. Ainda em Nova Lima, o Complexo de Vargem Grande, com várias barragens e diques em processo de desativação, selecionado pela Suppri, também foi interditado em 2019.

A licença de operação para um novo alteamento da barragem de Itabiruçu, em Itabira, berço da Vale, foi outro projeto escolhido como prioritário em 2017. A barragem já é a quinta maior de Minas, com 130,9 milhões de metros cúbicos de rejeito. Os problemas, crônicos, já levaram a Vale a interromper o processo de expansão da barragem e interditar a disposição de rejeitos em outubro de 2019.

Aprovada pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) em novembro de 2018, a licença para o projeto da Cava da Divisa, entre Barão de Cocais e São Gonçalo do Rio Abaixo, também consta como prioritária. A expectativa era que as obras começassem em janeiro de 2019, expandindo a exploração da mina em pelo menos mais 20 anos.

Durante todo o ano passado, porém, a cidade viveu o risco de colapso iminente da barragem Sul Superior da mina de Gongo Soco, da Vale, que tem 5 milhões de metros cúbicos de rejeito e viu moradores serem expulsos sumariamente de suas casas pela mineradora.

Quatro anos após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana (MG), todos os executivos envolvidos no caso continuam impunes. Foto:

Suppri diz que capacidade técnica não pode ser questionada

Sobre o fato de a mineração responder por mais de 60% dos projetos privados analisados pela superintendência, a Suppri disse à reportagem que, entre os critérios analisados, estão o valor do investimento e a geração de empregos. Em tabela enviada, a mineração responderia por 52,1% do investimento e 70,2% da participação relativa no emprego entre os projetos aprovados.

Sobre os parâmetros de transparência, participação popular, interesse público, análise, exigências ambientais para o licenciamento e demais condicionantes, a Suppri diz que
“é obrigada a seguir os mesmos critérios e parâmetros técnicos e jurídicos a que se submetem as demais Superintendências Regionais de Meio Ambiente”.

Endereçando o projeto da Mina de Brucutu/Expansão Cava da Divisa, em São Gonçalo do Rio Abaixo/Barão de Cocais, a Suppri disse que “cabe esclarecer que a Expansão da Cava da Divisa teve sua definição de prioridade decidida em momento anterior ao registro de qualquer problema de instabilidade na Mina de Brucutu, cuja barragem Sul Superior possui Declaração de Estabilidade pelo Auditor Independente”.

Por fim, a superintendência garante que “a equipe da Suppri é formada por profissionais de ampla formação técnica e jurídica, experientes em processos de regularização, e não vemos possibilidade de questionamentos acerca da capacidade de análise técnica por tal equipe”.

Sobre os riscos prévios informados sobre a barragem de Brumadinho, a Vale disse que “reitera que a Barragem I da Mina do Córrego do Feijão era considerada uma estrutura segura por todos os geotécnicos da Vale e pelas empresas externas responsáveis por auditá-la. Nos últimos quatro anos, a Barragem I teve seis laudos de estabilidade positivos emitidos por quatro empresas auditoras externas distintas. Em nenhuma das diversas inspeções regulares realizadas foi detectada qualquer anomalia que apontasse para um risco iminente de rompimento da barragem”.

A mineradora garantiu ainda que “reafirma o compromisso de descomissionar suas nove barragens construídas pelo método de alteamento a montante no Brasil e está empenhada em desenvolver novas tecnologias que reduzam a utilização de barragens”.

Leia mais: Governo de Minas favoreceu 25 projetos de alto risco da Vale. Brumadinho é apenas um deles

Esta reportagem foi desenvolvida pela Transparência Internacional – Brasil e pela Organized Crime and Corruption Reporting Project (OCCRP). Ambas as organizações não-governamentais sem fins lucrativos têm entre seus pilares de atuação o apoio ao fortalecimento do espaço de atuação da sociedade civil no controle social da corrupção no mundo, com destaque para as contribuições que o jornalismo investigativo e independente traz a essa pauta. A Mongabay mantém total independência editorial em relação às matérias produzidas por essa parceria.

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