O Brasil tem lidado com diversos problemas ambientais e políticos em anos recentes. Por exemplo, três desastres associados à mineração causaram a morte de mais de 250 pessoas e um grande dano para a biodiversidade. Além disso, a expansão irrestrita do agronegócio tem levado à altas taxas de desmatamento, um padrão que deve aumentar em um futuro próximo.
Neste comentário, os autores analisam os aspectos políticos das crises ambientais no Brasil e argumentam que cientistas têm um importante papel a desempenhar na transformação do país.
Os autores propõem dez ações que podem ajudar cientistas brasileiros a participar de modo mais eficiente de assuntos políticos.
Este texto é um comentário de opinião. As visões expressadas são as dos autores.
O Brasil é o país mais biodiverso do mundo, abrigando de 10 a 18% da biota total do planeta. Esta biodiversidade, no entanto, está declinando rapidamente devido à degradação de habitat, superexploração, poluição e políticas de conservação ineficazes. Apenas em junho de 2019, 920,4 quilômetros quadrados de floresta Amazônica foram desmatados, representando um aumento de 88% comparado com o mesmo período em 2018.
Apesar de estratégicas de conservação aparentemente eficazes estarem em andamento, questões políticas e baixo engajamento do público têm inibido a eficiência dessas estratégias. Além disso, os últimos anos no Brasil foram marcados por turbulências política e econômica, assim como constantes escândalos de corrupção em todos os âmbitos da administração pública do país. Esse cenário tem levado a diversas consequências negativas para a população e a natureza, incluindo três desastres associados à mineração e aumento da taxa de desmatamento.
Nesse contexto, cientistas têm um papel importante a exercer na transformação do país e deveriam ter voz ativa em assuntos políticos. Nós usamos dois dos maiores problemas ambientais no Brasil, a indústria mineradora e o agronegócio, para argumentar por uma maior participação política por parte dos cientistas. Nós também propomos dez maneiras pelas quais cientistas poderiam promover mudanças na crise político-ambiental brasileira.
Crises político-ambientais no Brasil
Em novembro de 2015, a barragem de mineração Fundão (Samarco S.A.), localizada no município de Mariana (Minas Gerais), colapsou, causando a morte de 19 pessoas e deixando comunidades inteiras sem teto. Cerca de 62 milhões de metros cúbicos de minério de ferro destruíram as vilas de Bento Rodrigues e Paracatu Baixo, e a lama tóxica poluiu pelo menos três rios, afetando ecossistemas do solo, de florestas ripárias e marinhos.
A tragédia de Mariana deveria servir como aprendizado e prevenir desastres ambientais semelhantes no futuro. No entanto, em fevereiro de 2018, um vazamento de rejeitos de uma barragem de bauxita no estado do Pará (Hydro Alunorte) causou contaminação da água, afetando milhares de pessoas na região da cidade de Barcarena, com níveis de ferro, arsênio e alumínio chegando de duas a dez vezes acima dos níveis considerados seguros pela Secretaria de Meio Ambiente.
Além disso, em janeiro de 2019, a ruptura da barragem de rejeitos Córrego do Feijão (Vale S.A.) atingiu o município de Brumadinho, causando a morte de mais de 250 pessoas. Cerca de 12 milhões de metros cúbicos de lama foram derramados no Rio Paraopeba, deslocando pelo menos 933.263 pessoas que viviam na região. A extensão do impacto do desastre de Brumadinho ainda está sendo avaliada, mas dados recentes usando ferramentas de geoprocessamento estimam que a lama de rejeitos cobriu 297,28 hectares de terras e riachos.
Além dos problemas ambientais envolvendo a indústria mineradora, a expansão irrestrita do agronegócio é uma grande preocupação no Brasil. Apesar de ser bem estabelecido que o desmatamento na Amazônia está altamente associado ao agronegócio, Jair Bolsonaro, presidente do Brasil eleito em outubro de 2018, tem deixado claro seu apoio à agenda do agronegócio. De fato, Bolsonaro nomeou Ricardo Salles, um defensor da mineração e desenvolvimento econômico na Floresta Amazônica, como seu Ministro do Meio Ambiente, e Tereza Cristina, a líder do lobby do agronegócio no Congresso durante os últimos anos, como sua Ministra da Agricultura.
Durante os primeiros 11 meses de Salles como Ministro, pelo menos duas crises ambientais atingiram o país: o aumento no número de queimadas na floresta amazônica de junho a agosto, provavelmente resultado de permissividade política, e o derramamento de óleo de agosto a novembro no litoral nordeste do Brasil. Além disso, durante os primeiros 200 dias de Cristina como Ministra, 290 pesticidas foram permitidos no Brasil. O uso destes pesticidas pode ter efeitos sérios não somente na saúde humana e biodiversidade, já que eles são altamente tóxicos e causam contaminação do solo e de alimentos, mas também na economia brasileira, visto que cerca de 30% deles são proibidos na União Europeia, a segunda maior parceira comercial do Brasil.
Além dos problemas ambientais, o Brasil passou por uma das eleições mais conturbadas de sua história democrática em 2018. Com a eleição do político de extrema-direita Jair Bolsonaro para a Presidência, juntamente com centenas de deputados conservadores, houve um aumento significativo do poder de lobby do agronegócio no Congresso brasileiro. Propostas para facilitar que empresas convertam florestas nativas em pastos e plantações, assim como a flexibilização de procedimentos legais para instalações de barragens de mineração são exemplos da postura assumida pelo governo brasileiro.
Ademais, o desmantelamento de agências de regulação ambientais parece ser um padrão no governo atual, como evidenciado pelas afirmações infundadas do Presidente da República em mídias sociais de que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tem procedimentos suspeitos, assim como pela demissão do diretor do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), Dr. Ricardo Galvão, após o instituto liberar dados demonstrando o severo aumento nas taxas de desmatamento na Amazônia.
O papel da comunidade científica na sociedade
Em sistemas democráticos, cidadãos elegem seus representantes e podem pressionar o governo a fim de melhorar regulamentações ambientais. Um amplo diálogo na sociedade parece ser necessário no Brasil e, como parte deste diálogo, nós propomos que cientistas devam agir como mediadores entre os diferentes stakeholders envolvidos em questões ambientais. Propomos, portanto, dez ações que cientistas podem tomar a fim de aumentar sua participação no cenário político brasileiro:
1. Engajar-se em organizações políticas, como partidos, assembleias legislativas, ONGs e outras formas de representação social, a fim de que a ausência histórica de engajamento de cientistas em políticas ambientais possa ser retificada;
2. Criar uma Comunidade Científica com objetivo de encorajar e apoiar cientistas a ocuparem cargos políticos, assim como selecionar candidatos com experiência científica e sem histórico de corrupção para concorrer a cargos públicos;
3. Contribuir para o desenvolvimento de políticas ambientais defendidas pela Comunidade Científica;
4. Criar e manter metodologias robustas, independentes e transparentes para medir a efetividade e o sucesso das políticas ambientais brasileiras;
5. Monitorar como membros do Congresso apoiados pela Comunidade Científica votam propostas de políticas ambientais. Isto pode ser feito através de análises da importância, viabilidade e confiabilidade científica destas propostas;
6. Monitorar o compliance a políticas ambientais por empresas em níveis regionais e nacional;
7. Criar plataformas online que integrem ativamente o público e os legisladores apoiados pela Comunidade Científica;
8. Apoiar a inclusão de disciplinas focadas em ciências políticas, legislação ambiental e sociologia em currículos de ciências biológicas e físicas nas universidades brasileiras;
9. Criar espaços nos quais cientistas de diferentes áreas possam discutir questões políticas atuais e apresentar soluções com base científica. Pesquisadores de institutos nacionais de renome podem contribuir nesses debates e estimular a participação de cientistas em decisões políticas;
10. Conectar-se com o público. Este ponto é especialmente importante, pois a maioria dos cientistas concorda que divulgação científica é um esforço válido, mas a participação permanece escassa. Acreditamos que é papel dos cientistas explicar como a ciência afeta a sociedade através de uma boa comunicação com o público, o que pode gerar uma sociedade mais informada e propensa a exercer pressões sobre aqueles que desrespeitam a Legislação Ambiental. O uso de comunicação científica através de mídias sociais pode ser um meio útil para atingir essa meta, assim como a colaboração com escolas privadas e públicas para desenvolver projetos científicos com professores, alunos e pais.
Hoje, cientistas brasileiros têm a oportunidade de fazer a diferença ao participar mais efetivamente da política nacional, seja candidatando-se para cargos públicos, informando a população ou assegurando que a legislação atual seja respeitada pelo Poder Executivo. De fato, o engajamento de cientistas brasileiros poderia gerar maior proteção ambiental e evitar ou mitigar desastres ambientais. Neste sentido, um diálogo respeitoso entre a comunidade científica brasileira, a sociedade e os tomadores de decisão pode representar o melhor caminho para assegurar o futuro do meio ambiente brasileiro.
Ananda R. Pereira Martins é uma doutoranda brasileira na McGill University (Canadá) e Smithsonian Tropical Research Institute (Panamá). Desenvolve pesquisas focadas na evolução de padrões de coloração de asas de borboletas na Floresta Amazônica e posta atualizações sobre seus projetos em mídias sociais (Instagram e Twitter @followingbates). Tem desenvolvido pesquisas na Amazônia brasileira desde 2007 e possui background em Evolução, Ecologia e Sistemática de Lepidoptera.
Lucas Pereira Martins é um ecólogo brasileiro atualmente realizando doutorado na University of Canterbury (Nova Zelândia), onde trabalha com os efeitos de mudanças ambientais em redes ecológicas e traços das espécies. O seu background inclui Ecologia de Comunidades e Macroecologia.
Leila Figueiredo tem background em Ecologia de Aves Marinhas e Etnobiologia. Ela se interessou em políticas ambientais e sustentabilidade durante sua pesquisa de mestrado em uma área de proteção marinha, e atualmente é doutoranda na Lincoln University (Nova Zelânida), onde trabalha com o papel das corporações no desenvolvimento de políticas ambientais.
Citações
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