Presença do governo brasileiro na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP25), em Madri, é marcada pela defesa do agronegócio e pelo silêncio sobre as agressões ambientais à Amazônia e a violência contra indígenas. Pela primeira vez, o governo não montou um estande oficial do Brasil no evento nem concedeu credenciamento à sociedade civil.
O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, disse na COP que o Brasil está comprometido “em combater as mudanças climáticas”, mas em suas declarações tem evitado falar sobre os últimos dados do desmatamento na Amazônia. Suas falas têm se concentrado em enaltecer o uso de tecnologia para abrir caminho à monetização de serviços ambientais.
Nas ruas e em eventos paralelos, representantes indígenas brasileiros têm mostrado a face mais combativa do país, chamando a atenção mundial para as violações dos direitos humanos. Na Marcha pelo Clima, que reuniu 500 mil pessoas em Madri, Sônia Guajajara declarou: “Bolsonaro não é apenas um problema do Brasil. A Amazônia está queimando e seus defensores e nossos modos de vida estão sendo assassinados”.
MADRI, Espanha – Antes candidato a país-sede da atual edição da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP25), o Brasil de Jair Bolsonaro não só retirou oficialmente a candidatura ao evento como ainda registrou, em 2019, um pico das queimadas na Amazônia e um aumento de 30% no desmatamento da região.
Foi com essa imagem que o país chegou a Madri, cidade que sedia o evento desde o início de dezembro. Imagem que, nesta terça-feira (10), o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em plenária, tentou amenizar: “O Brasil está fortemente comprometido em combater as mudanças climáticas, para o benefício de todo o planeta”, declarou, destacando iniciativas de governos anteriores, como a adoção do Código Florestal e o investimento em biocombustíveis.
Não houve, no entanto, nenhuma menção aos dados alarmantes de perda da Floresta Amazônica durante a gestão Bolsonaro. Em sua fala, o ministro também ignorou os apelos dos povos da floresta, cujas vozes têm sido ouvidas nas ruas de Madri e em eventos paralelos dentro da COP. Eles denunciam, além do desmatamento, o aumento do número de assassinatos e ameaças aos povos indígenas, como fruto do crescimento de conflitos de terra na região amazônica.
“Gostaria de falar do Brasil como um país da proteção à vida. Mas estamos convivendo com omissão e medo de ouvir a população indígena”, declarou, em um evento organizado pela sociedade civil, a deputada federal indígena Joênia Wapichana.
Na prática, o que se tem visto em Madri são dois rostos diferentes do mesmo país, divididos pela diferença de participação nas decisões políticas. De um lado, o grito dos povos tradicionais, na tentativa de influenciar os debates; de outro, a caneta que assinará possíveis novos acordos saídos desta COP enquanto se omite sobre as agressões cometidas contra floresta e as comunidades que dela dependem.
Foco no agronegócio, silêncio sobre os indígenas
Essa tem sido, até agora, a tônica da presença governamental no Brasil durante todo o evento. Em sua primeira aparição pública na COP25, em um encontro organizado por ambientalistas na segunda-feira (9), Ricardo Salles já havia causado constrangimento ao não comentar as menções sobre o assassinato dos indígenas Raimundo e Firmino Guajajara, no último dia 7, sábado, às margens da rodovia BR-226, entre as aldeias Boa Vista e El Betel, no Maranhão.
Além disso, recusou-se a dar as mãos a outras pessoas presentes quando foi proposto um minuto de silêncio em honra aos Guajajara assassinados. A homenagem foi feita a pedido de Caetano Scannavino, coordenador do Saúde e Alegria, ONG que foi alvo de apreensão pela Polícia Civil em Alter do Chão durante operação que culminou com a prisão de brigadistas no combate aos incêndios.
Nesse mesmo encontro, pegando carona no foco das principais negociações da COP25 – a discussão de mecanismos para um mercado de carbono –, o ministro reforçou aquela que tem sido a principal estratégia do governo brasileiro no evento: dar prioridade à eficiência e à tecnologia, quando aplicadas ao agronegócio. “Melhores tecnologias, melhores condições, isso é um dos fatores que desencoraja abertura de novas áreas. E também, algo que está conectado diretamente com a nossa posição aqui, a monetização de serviços ambientais”, declarou.
Também presentes no evento, representantes do agronegócio circulavam pela área usando bottons com os dizeres “Produtor Rural – O grande parceiro ambiental”. Junto a eles, a ilustração de uma floresta junto a uma lavoura agrícola.
500 mil marcham pelo clima em Madri
Foi nas ruas, porém, que o Brasil mostrou sua face mais combativa. Em particular na Marcha pelo Clima, que levou meio milhão de pessoas às ruas de Madri na última sexta-feira (6), sob o tema da justiça climática. O protesto foi organizado em parceria com a Cúpula Social pelo Clima, que ocorre em paralelo à COP25, na Universidade Complutense de Madrid. A jovem ativista Greta Thunberg e o ator Javier Bardem foram algumas figuras de destaque na Marcha – mas também os povos indígenas.
Entre eles estava Sônia Guajajara, representante da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, que disse ao final da marcha, de cima do palanque: “Bolsonaro não é apenas um problema do Brasil. A Amazônia está queimando e seus defensores e nossos modos de vida estão sendo assassinados”.
A líder indígena também comentou a fala de Salles em outra entrevista na COP: “Somos obrigados a ouvir do ministro que temos que cuidar das pessoas, enquanto o assassinato de indígenas e invasões nas nossas terras aumentam e o Brasil se coloca contra a inclusão de Direitos Humanos no Artigo 6”, disse, em referência ao artigo que regulamenta o mercado de carbono sob o Acordo de Paris, o principal foco das negociações nesta COP.
Em declaração à Mongabay, o presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo de Oliveira, comentou: “Lamentamos a postura retrógrada do governo brasileiro, na contramão da proteção do nosso futuro e do planeta e colocando os povos indígenas como atraso no progresso. A política do governo vai contra a constituição federal e os tratados dos quais o Brasil é signatário.”
Dados preliminares levantados pelo Cimi apontam que, nos primeiros nove meses de governo Bolsonaro, já foram registrados 160 casos de invasão de terras indígenas – o dobro de áreas em relação ao ano passado.
Para uma das coordenadoras da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Tabea Casique Coronado, o Brasil tem enorme responsabilidade na proteção de territórios amazônicos e na COP. “Mas o governo não dialoga com as populações tradicionais latino-americanas”, disse ela em Madri.
Imagem do banner: A líder indígena Sônia Guajajara em conferência de imprensa na COP25. Foto: Camila Nobrega.