Cerca de 400 mil mulheres, conhecidas como quebradeiras de coco, vivem com suas famílias na zona de transição entre o Cerrado e a Amazônia. Seu sustento provém da coleta do fruto do babaçu, palmeira nativa da qual extraem óleo, leite e carvão. Muitas dessas mulheres vivem nos limites da região de Matopiba, tida como “a última fronteira agrícola do mundo”, onde o cultivo de soja se expandiu em quase 300% nas últimas duas décadas, na maior parte em detrimento da vegetação nativa. Nos últimos anos, a agroindústria agiu rapidamente, privatizando e cercando as terras de uso comum, convertendo os babaçuais em fazendas de gado e plantações de soja e eucalipto, além de dificultar o acesso das quebradeiras às palmeiras das quais extraem seu sustento e sua identidade sociocultural. As mulheres também dizem que têm sido cada vez mais expostas a ameaças, intimidações e violência física e sexual por agricultores e outros trabalhadores do agronegócio. Mas estão determinadas a defender seus palmeirais e a resistir ao cerco das terras de uso comum a qualquer custo. O acesso aos babaçuais é vital para a sobrevivência de 400 mil mulheres no Norte e no Nordeste do país. A chegada do agronegócio, contudo, tem representado forte ameaça à manutenção dessa atividade. Foto: Yndara Vasques / MIQCB. Sarah Sax e Maurício Angelo, repórteres da Mongabay, estiveram recentemente no Cerrado para documentar os impactos do agronegócio na região e no modo de vida das populações tradicionais. Esta é primeira reportagem de uma série sobre o que viram ali. Todo mês de setembro, há meio século, Maria Antônia Trindade Mendes dá início à temporada de coleta do babaçu. Ela amarra um cesto feita com a palha do babaçu na cintura e sai com um grupo de mulheres do Quilombo de São Caetano de Matinha, no Maranhão, onde vivem 200 pessoas, aos palmeirais que cercam sua comunidade. Lá, onde a borda norte do Cerrado se funde à Floresta Amazônica, elas passam o dia enchendo os cestos com os frutos do babaçu – cocos marrons em formato oval, do tamanho de um punho. Depois, Maria Antônia pega cada coco que colheu e, com a graça de alguém que vem repetindo o mesmo movimento milhares de vezes nas últimas cinco décadas, quebra o fruto ao meio para dele extrair meia dúzia de amêndoas. Estas serão vendidas para uma cooperativa que separa o óleo para uso na cozinha ou em cosméticos. A coleta do babaçu dura seis meses, de setembro a fevereiro, e o dinheiro ganho deverá sustentar uma família por um ano inteiro. Mas este ano, em agosto, Maria Antônia, ao invés de se preparar para a coleta do babaçu, foi a Brasília participar pela primeira vez da “Marcha das Margaridas” – a maior manifestação organizada por trabalhadoras rurais na América Latina, que acontece a cada 3 ou 4 anos. Lá, em meio à poeira, gritos e clamores, os chapéus característicos das quebradeiras de coco, feitos de palha de babaçu, podiam ser vistos entrando e saindo do pavilhão de exposições, bem como transitando pelo acampamento temporário que abrigou as cerca de 100 mil mulheres que vieram de outras partes do Brasil. Maria Antônia foi às ruas este ano para protestar contra ameaças a si mesma, a seu sustento e a seu modo de vida tradicional – especialmente contra o aumento da violência direcionada às quebradeiras de coco e a crescente privatização das terras de uso comum onde crescem os babaçuais. “Antes, a gente vivia solto, trabalhava e fazia o que queria.”, diz ela. “Agora não. Eles estão tirando tudo. Só quem tem direito é boi e agronegócio.”