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Pesquisa de biomassa leva equipe a árvore de quase 90 metros na Amazônia

No região do Rio Jari, na Amazônia brasileira, angelins-vermelhos se erguem acima do resto do dossel da floresta. Foto: Eric Gorgens.

Uma combinação de curiosidade científica e sorte levou uma equipe de pesquisa na Amazônia brasileira a uma descoberta única: uma árvore alta o suficiente para entrar nos livros dos recordes.

Os pesquisadores encontraram um angelim-vermelho (Dinizia excelsa Ducke) numa área remota da divisa entre os estados do Pará e Amapá com 88,5 metros de altura – o equivalente a um prédio de 30 andares. É a maior árvore de dossel já encontrada na região, cujos exemplares têm em média 45 metros de altura.

A descoberta, publicada pela primeira vez em agosto na revista Frontiers in Ecology and the Environment, aconteceu enquanto o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) estava trabalhando em um mapa cujo objetivo era o de aperfeiçoar os métodos de estimativa da biomassa da Amazônia e das emissões de carbono devido à mudança de utilização do solo.

O mapeamento da biomassa fornece um meio para calcular e verificar quanto dióxido de carbono um país emite por causa de modificações no uso da terra. “Como signatário de acordos climáticos, o Brasil está comprometido a produzir relatórios de emissões e sequestro de carbono. Um mapa da biomassa [revela] quanto carbono está armazenado em determinada área, e quanto é emitido no caso de um incêndio ou de desmatamento, por exemplo”, diz Eric Bastos Gorgens, pesquisador da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) e membro da equipe do projeto de biomassa do Inpe.

O tronco do angelim-vermelho de 82 metros registrado durante a expedição. Este indivíduo teve o DNA coletado para estudos futuros. Foto: Tiago Capelle.

Financiado pelo Fundo Amazônia em 2015, o mapa – que será publicado nos próximos meses – é o maior projeto de coleta de dados da Amazônia brasileira depois do Radam, um programa de pesquisa lançado na década de 1970 que usava sensoriamento remoto para encontrar recursos naturais.

O projeto de levantamento da biomassa utiliza a tecnologia de ponta LiDAR (Light Detecting And Ranging), que também proporcionou a descoberta do angelim-vermelho de quase 90 metros de altura. O LiDAR utiliza um sensor de laser remoto que registra objetos em três dimensões e é capaz de obter dados extremamente detalhados, incluindo a estrutura e a altura da vegetação existente. O sensor de escaneamento a laser foi acoplado a um monomotor Cessna, que fez 832 voos sobre a região entre 2016 e 2018, cobrindo 375 hectares de floresta a cada coleta de dados.

“Quando processamos as mais de 800 amostras, descobrimos que o levantamento tinha identificado sete áreas com árvores acima de 80 metros, seis das quais estavam na região do Rio Jari. E um desses locais tinha ao menos sete árvores gigantes; a mais alta, com 88,5 metros de altura, estava na Floresta Estadual do Paru, uma unidade de conservação no Pará”, diz Gorgens.

As 30 pessoas da expedição Jari-Paru que partiram em busca dos angelins-vermelhos gigantes incluem pesquisadores de várias universidades e centros de pesquisa, ribeirinhos que serviram como guias, escaladores de árvores e uma equipe de TV. Foto: Eric Gorgens.

A caminho das árvores gigantes

Uma vez detectadas as árvores gigantes pelos voos do LiDAR, o professor da UFVJM organizou uma expedição ao local em agosto para vê-las mais de perto e tentar entender seu processo único de desenvolvimento, além de confirmar as espécies e as medidas.

Chegar até as árvores não foi uma tarefa fácil. Trinta pessoas fizeram a jornada pelo rio, incluindo pesquisadores de oito universidades e centros de pesquisa (entre eles a Universidade Federal de Alagoas, a Embrapa, a Universidade de Oxford e a Universidade de Cambridge, as duas últimas do Reino Unido), junto com especialistas em escalar árvores e bombeiros treinados em primeiros socorros. Todos guiados por ribeirinhos da comunidade de São Francisco do Iratapuru. Uma equipe de TV registrou a viagem.

“A região do Jari é remota e de difícil acesso. Tivemos de viajar 200 quilômetros rio acima, onde naufrágios são comuns porque há muitas correntezas fortes e rochas”, revelou Gorgens. “Não conseguiríamos fazer isso sem a ajuda da população ribeirinha, que tem experiência em navegar ali.”

Ainda assim, a logística se mostrou penosa. Apenas barcos de madeira são capazes de suportar as rochas, e várias vezes a equipe teve de descarregar as quatro embarcações, retirá-las do rio e transportá-las por terra nos trechos de corredeiras. Em duas ocasiões, o grupo levou quase um dia inteiro puxando os barcos por muitas horas em meio à vegetação da Amazônia.

O Rio Jari, que divide os estados do Amapá e Pará, é lento e perigoso de navegar. Ao longo da viagem, a equipe teve de passar por inúmeras corredeiras e cachoeiras, arrastando os barcos pela margem do rio ou pela floresta. Foto: Eric Gorgens.

Mas isso não foi suficiente para chegar ao local. Do rio, eles “caminharam quase três dias na floresta até chegar ao primeiro grande aglomerado de árvores gigantes”, diz Gorgens. Foi então que os pesquisadores confirmaram a espécie: angelim-vermelho.

Contudo, a extrema dificuldade para alcançar as primeiras árvores impediu a equipe de chegar ao conjunto mais distante, onde o angelim-vermelho de 88,5 metros estava localizado. Em comparação, a árvore é apenas um pouco menor do que a estátua da Liberdade, que tem 93 metros de altura, incluindo o pedestal.

“Fizemos várias tentativas de chegar à árvore mais alta, mas o terreno acidentado tornou a caminhada perigosa e lenta. Nós também precisávamos escalar algumas das árvores gigantes para confirmar suas medidas, coletar material botânico e fazer o caminho de volta”, explicou o cientista. “Então preferimos nos concentrar no primeiro grupo e retornar dentro do prazo da viagem.” Gorgens planeja uma segunda expedição para chegar ao angelim mais alto.

O perfil da árvore de 88,5 metros comparado às árvores vizinhas. A imagem foi criada usando um sensor a laser instalado numa aeronave. Foto: Eric Gorgens.

Compreendendo o ecossistema

No primeiro aglomerado de árvores, os pesquisadores contaram 15 angelins-vermelhos gigantes, o maior com 82 metros de altura e 2,5 metros de diâmetro. Todos cresciam no topo de um morro, o que contrasta com o padrão de crescimento de árvores mais altas nas florestas tropicais, normalmente encontradas em áreas mais baixas.

“O maior desafio para uma árvore grande é continuar em pé durante rajadas de vento e tempestades. Outro fator que limita o crescimento é fazer a água chegar até a copa; quanto mais alta a árvore, maior a resistência hidráulica [nas folhas]. Queremos entender por que aquela região é tão especial e abriga árvores de tamanhos tão singulares”, diz Gorgens.

Jean Ometto, chefe do Centro de Ciência do Sistema Terrestre do Inpe (CCST) e coordenador do projeto de mapeamento da biomassa da Amazônia, ressalta a importância da descoberta: “O santuário de angelins gigantes é ecologicamente notável, e é igualmente vital em termos de fisiologia. Queremos entender como aquela espécie cresceu tanto em comparação com outras da região”.

Para Gorgens, a descoberta é a prova do quão pouco sabemos sobre a Floresta Amazônica e de como preservá-la. “Cada um dos angelins-vermelhos gigantes, desconhecidos até recentemente, é capaz de armazenar até 40 toneladas de carbono. Então a questão é: como vamos manejar essas áreas onde uma única árvore armazena a mesma quantidade de carbono que um hectare de floresta? Quando pensamos em mudanças no solo, o impacto da pegada de carbono de um angelim gigante é imenso.” Outra grande verdade é que a perda de um desses gigantes armazenadores de carbono, junto com outras grandes árvores da Amazônia, poderia afetar significativamente a quantidade de carbono na atmosfera da Terra e as mudanças climáticas.

Legenda da imagem do banner: Escalando um angelim gigante. Foto: Tiago Capelle.

A subida no angelim-vermelho gigante permitiu a coleta de folhas, a confirmação da espécie e uma medição precisa da altura. A escalada foi feita usando equipamentos e técnicas que não danificam a árvore. Foto: Eric Gorgens.

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