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Maior fundo de pensão da Noruega considera retirar investimentos no Brasil

  • O KLP, maior fundo de pensão da Noruega, com mais de US$ 80 bilhões em ativos, informou que pode retirar investimentos de comerciantes transnacionais de commodities que operam no Brasil, como Archer Daniels Midland (ADM), Bunge e Cargill, se negociarem com produtores que contribuem para o desmatamento. O KLP possui US$ 50 milhões em ações e empréstimos com as empresas.

  • O KLP também está entrando em contato com outros investidores para pressioná-los a usar suas influências financeiras de modo a conter o desmatamento da Amazônia por meio de cadeias de produção. Em 28 de agosto, o Nordea, maior grupo de gerenciamento de ativos da Escandinávia, anunciou uma quarentena temporária dos títulos do governo brasileiro em resposta aos incêndios na Amazônia deste ano.

  • As empresas de investimento internacional desempenham um papel fundamental na preservação ou no desmatamento da Amazônia. Um novo relatório constatou que a empresa de mega-investimentos BlackRock está entre as três principais acionistas das 25 maiores empresas de capital aberto com “risco de desmatamento”. Isso inclui empresas que trabalham no ramo de soja, carne bovina, óleo de palma, borracha, madeira, celulose e papel.

  • O processo de desmatamento da Amazônia é complexo. Mas geralmente segue as seguintes etapas: especuladores de terras invadem a Floresta Tropical, cortam e vendem a madeira mais valiosa e depois ateiam fogo no resto; eles podem vender a terra por um valor de 100 a 200 vezes maior a pecuaristas, que podem eventualmente vendê-la a produtores de soja.

Exploração madeireira ilegal da Amazônia na Terra Indígena Pirititi, em Roraima, maio de 2018. Foto: Felipe Werneck/Ibama.

Em meados de agosto, os governos da Noruega e da Alemanha suspenderam os pagamentos ao Fundo Amazônia, que financia iniciativas de conservação na Floresta Amazônica com o objetivo de frear o desmatamento. Pouco tempo depois, os maiores fundos de pensão da Noruega começaram a manifestar publicamente suas preocupações sobre o investimento em empresas que podem ser cúmplices no desmatamento. Com aproximadamente US$ 170 bilhões em ativos combinados, esses fundos têm poder e influência significativos.

“Estamos tentando criar diálogo e conscientização nessas empresas e naqueles que investem [nessas] empresas, como nós, financiadores”, diz Jeanette Bergan. Ela lidera a iniciativa de Investimentos Responsáveis do KLP, o maior fundo de pensão da Noruega, com mais de US$ 80 bilhões em ativos. Bergan diz que o KLP está buscando o diálogo com empresas que operam no Brasil, incluindo as gigantes transnacionais de comercialização de commodities CargillBunge e Archer Daniels Midland (ADM), com o objetivo de garantir que apliquem práticas sustentáveis à cadeia de produção. O fundo norueguês possui US$ 50 milhões em ações e empréstimos com essas empresas.

“É sempre muito difícil”, disse Bergan. “O comportamento responsável das empresas, ou mesmo o comportamento responsável de qualquer pessoa, é sempre um desafio quando existe um conflito entre desenvolvimento econômico e ética ou responsabilidade nos negócios.

As empresas de investimento internacional exercem grande influência no desmatamento global. Por exemplo, um relatório recente da Friends of the Earth EUA, da Amazon Watch e do instituto de pesquisa financeira holandês Profundo descobriu que a BlackRock, empresa global de gerenciamento de ativos, está entre as três principais acionistas das 25 maiores empresas de capital aberto com “risco de desmatamento” do mundo. Segundo o relatório, a BlackRock também consta entre as 10 maiores acionistas das 50 principais empresas potencialmente ligadas ao desmatamento. Empresas com “risco de desmatamento” são definidas como aquelas que atuam com commodities como soja, carne bovina, óleo de palma, borracha, madeira, celulose e papel.

Algumas empresas de investimento, no entanto, têm se esforçado para conter os danos ambientais. O Nordea, maior grupo de gerenciamento de ativos da Escandinávia, anunciou em 28 de agosto que estava colocando em quarentena os títulos do governo brasileiro, em resposta aos incêndios florestais que devastaram a Floresta Amazônica.

“Concluímos que esses riscos se materializaram de acordo com fontes confiáveis. A parte brasileira da Amazônia perdeu mais de 1.330 quilômetros quadrados de cobertura florestal desde que Bolsonaro assumiu o cargo em janeiro, um aumento de 39% sobre o mesmo período do ano passado, de acordo com a agência do governo [brasileiro] que acompanha o desmatamento”, disse Thede Rüst em uma declaração por e-mail.

A ação do Nordea é temporária e reflete a decisão da empresa de avaliar se deve retomar a compra de títulos do governo brasileiro ou eliminá-los do portfólio da empresa.

O Fórum de Investimentos Sustentáveis e Responsáveis dos EUA recusou a solicitação da Mongabay para uma entrevista.

Bergan observa que o KLP já havia excluído empresas de seu portfólio antes. Por exemplo, não investe mais na Vale, gigante brasileira da mineração, devido à negligência dessa empresa em dois desastres de barragens de rejeitos, um dos quais, o de Brumadinho (MG), considerado o maior desastre ambiental da história do Brasil.

A Moratória da Soja, uma iniciativa bem-sucedida para diminuir o desmatamento da Amazônia decorrente do cultivo da leguminosa, fez com que empresas transnacionais de commodities e produtores de soja mudassem o foco da indústria para o Cerrado, que agora vê acelerado o ritmo de perda de sua vegetação nativa. Foto: Flávia Milhorance.

A Moratória da Soja, uma iniciativa bem-sucedida para diminuir o desmatamento da Amazônia decorrente do cultivo da leguminosa, fez com que empresas transnacionais de commodities e produtores de soja mudassem o foco da indústria para o Cerrado, que agora vê acelerado o ritmo de perda de sua vegetação nativa. Foto: Flávia Milhorance.

Desmatamento e soja na Amazônia

A tentativa de conter o desmatamento na Amazônia usando o gerenciamento de ativos como modo de criar uma cadeia de produção sustentável é uma estratégia de conservação cheia de complexidades.

“Se você compra soja cultivada na Amazônia, pode ter quase certeza de que ela é livre de desmatamento”, diz Lisa Rausch, pesquisadora da Universidade de Wisconsin-Madison. Rausch faz menção ao sucesso do acordo voluntário conhecido como Moratória da Soja, assinado em 2006 por empresas produtoras de commodities, ambientalistas, agricultores e o governo brasileiro. Sob a moratória, as empresas impedem o comércio da soja cultivada em áreas recém desmatadas.

A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) concorda, observando que a soja não é o principal fator de desmatamento na Amazônia. “De 2008 a 2018, a área de cultivo de soja passou de 1,7 milhões de hectares para 4,8 milhões de hectares, mas essa expansão no bioma amazônico ocorreu em 98% dos casos em áreas já desmatadas. A soja dos outros 2% das áreas está impedida de ser comercializada”, afirma um porta-voz da associação.

A Bunge, signatária da Moratória da Soja, diz que está acompanhando a situação no Brasil e que usa o monitoramento de satélite de terceiros para garantir que não está comprando soja de áreas desmatadas desde 2008, marco inicial da moratória. “Em termos globais, a Bunge investe constantemente no desenvolvimento de cadeias de valor que sejam rastreáveis, verificáveis e que contribuam para o crescimento agrícola sustentável onde quer que esteja presente”, afirmou a empresa por e-mail.

Entretanto, a relação entre o cultivo de soja e o desmatamento requer um olhar mais atento, dizem analistas. Pesquisas mostraram, por exemplo, que o acordo não abrange todos os produtores, nem tampouco evita que eles se mudem para o Cerrado. Pesquisas mostram que, após o início da moratória, uma grande parte da produção foi simplesmente deslocada para o bioma vizinho, onde o índice de desmatamento é o mais alto do Brasil e onde investimentos internacionais da gigante Harvard Management Company (HMC) e de outras empresas de gerenciamento de ativos estão supostamente ligados ao desmatamento.

É importante ressaltar que a Moratória da Soja possui várias lacunas que permitem que a Amazônia continue sendo desmatada. Uma das maiores brechas é que o acordo cobre apenas novas áreas abertas para a produção de soja. O derrubada da floresta para abrir áreas às pastagens não está incluída – e esta é a principal causa de desmatamento na Amazônia.

De fato, o processo de desmatamento da Amazônia normalmente se desenvolve desta forma: especuladores de terra e grileiros invadem a floresta, cortam ilegalmente as árvores mais valiosas e depois ateiam fogo no resto; em seguida, vendem a terra por um valor de 100 a 200 vezes maior a fazendeiros, que podem, por fim, vendê-la a produtores de soja.

O gado é frequentemente “lavado” no Brasil por meio de um processo pelo qual nasce e é criado em terras recém desmatadas e depois transferido para outras fazendas que não possuem histórico recente de desmatamento; essas fazendas “livres de desmatamento” podem, então, vender o gado aos matadouros. Foto: Henrique Manreza/The Nature Conservancy.

O gado é frequentemente “lavado” no Brasil por meio de um processo pelo qual nasce e é criado em terras recém desmatadas e depois transferido para outras fazendas que não possuem histórico recente de desmatamento; essas fazendas “livres de desmatamento” podem, então, vender o gado aos matadouros. Foto: Henrique Manreza/The Nature Conservancy.

A necessidade urgente de regulamentar a pecuária

Para Lisa Rausch, isso significa que os acordos referentes à pecuária devem ser tão rigorosos e monitorados com tanta atenção quanto os que regem a soja.

Ela identifica duas brechas na cadeia de produção que permitem a entrada de muitos animais não regulamentados e o aumento do desmatamento.

“Quase todo o gado da cadeia de produção da Amazônia passa por várias fazendas antes de chegar aos matadouros e ninguém está monitorando os fornecedores indiretos”, explica Rausch. O resultado é que os produtores que não cumprem os regulamentos de desmatamento podem vender o gado a outros produtores, sem ser penalizados pelas infrações.

Segundo Rausch, uma maneira de monitorar isso de maneira mais eficaz seria por meio dos registros de trânsito dos animas do ponto de origem ao matadouro mantidos pelo Ministério da Agricultura. Embora esses registros estivessem disponíveis on-line em governos anteriores, argumenta Rausch, isso não ocorre mais sob o governo Bolsonaro, o que torna praticamente impossível verificar se a cadeia de produção da pecuária está cumprindo a regulamentação ambiental.

A Embrapa recusou o pedido de entrevista da Mongabay.

Desmatamento ilegal na Floresta Nacional do Jamanxim, no Pará. Foto: Ibama.

Desafios do monitoramento da cadeia de produção

A aplicação da moratória do desmatamento não é tarefa simples em uma área tão vasta quanto a Amazônia. Em maio deste ano, por exemplo, o ProPublica revelou como alguns programas de compensação de carbono, que se concentram no plantio de árvores para contrabalançar as emissões de carbono em outros lugares, não cumprem sua promessa. Mas a professora Rachael Garrett, do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, apontou em um e-mail que esse relatório se concentrava em um tipo muito restrito de programa, que examinava apenas projetos específicos. Garrett diz que ela e outros pesquisadores acreditam “que os investimentos e políticas focadas em territórios inteiros (ou seja, jurisdições) são mais eficazes do que as iniciativas focadas em projetos”.

Garrett propõe uma abordagem mais ampla para limitar o desmatamento. “Pessoalmente, acredito que as abordagens de conservação mais bem-sucedidas seriam aquelas que associam o pagamento por serviços ao ecossistema com a exclusão da cadeia de produção e o aumento de recursos [como linhas de crédito] para a adoção de boas práticas agrícolas”, afirma Garrett. “Isso pode parecer uma ideia utópica, mas se olharmos para a região de Paragominas, no estado do Pará, poderíamos argumentar que isso já aconteceu com bastante sucesso. Lá você tinha uma abordagem territorial, o Programa Municípios Verdes, para reduzir o desmatamento, bem como programas em andamento para intensificação da pecuária por parte da Empresa Brasileira de Pesquisa Agrícola (Embrapa), que mais tarde foi reforçada pelos compromissos do setor privado com o desmatamento zero (Acordo da Pecuária do G4 e a Moratória da Soja)”. Garrett também aponta que os programas de conservação mais bem-sucedidos incluíram agricultores desde o início do estágio de desenvolvimento de um projeto.

Na Noruega, Bergan diz que a abertura, a preocupação e as iniciativas do KLP para promover a responsabilidade corporativa na Amazônia se enquadram no compromisso da empresa com a transparência. “Estamos preocupados com uma possível degradação ambiental no futuro”, ela diz. Como resultado, o fundo está assumindo uma posição mais firme, mesmo que seja difícil encontrar um equilíbrio entre ética e lucro. “Diferença de opinião é o que constrói a sociedade; é o que a fortalece”, afirma Bergan.

 

Legenda da imagem do banner: Um agente do Ibama entre as devastações causadas por uma operação ilegal de exploração madeireira na Terra Indígena Pirititi, em Roraima, em 2018, antes de Jair Bolsonaro desmantelar os poderes de execução da agência. Foto: Ibama.

Matéria original: https://news.mongabay.com/2019/09/giant-norway-pension-fund-weighs-brazil-divestment-over-amazon-deforestation/

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