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Estudo: Brasil precisa rever a aplicação de leis anti-desmatamento

  • Uma pesquisa recente revela que falhas no rastreamento de infrações e na aplicação de leis e regulamentações ambientais estimulam e apoiam o aumento dos níveis de desmatamento na Amazônia brasileira e no Cerrado.

  • Os pesquisadores estudaram as falhas de três iniciativas: o TAC da Carne, impedindo a venda de gado criado em áreas de desmatamento ilegal; a Moratória da Soja, restringindo a comercialização de soja cultivada em áreas desmatadas; e o DOF, que permite a extração de madeira apenas em áreas regulamentadas.

  • O estudo constatou que os produtores de madeira, soja e gado muitas vezes subvertem as leis ambientais do Brasil, “lavando” madeira de corte, carne bovina e soja para ocultar o desmatamento ilegal. Essas práticas estão sendo amplamente difundidas pela fraca fiscalização do governo Jair Bolsonaro.

  • Para resolver o problema, os cientistas recomendam o fechamento de brechas na legislação por meio do fortalecimento das agências ambientais brasileiras, o avanço nas tecnologias de monitoramento, a maior integração de políticas e sistemas e a pressão do mercado sobre os produtores.

Madeira extraída ilegalmente dentro de uma reserva indígena em Roraima é confiscada. Operações policiais como esta tornaram-se algo raro durante o governo de Jair Bolsonaro. Foto: Ibama

Os mecanismos brasileiros de controle do desmatamento e a legislação ambiental do país — antes considerados sofisticados e bem sucedidos — precisam de uma atualização “urgente”, já que produtores de soja, pecuaristas e comerciantes de madeira encontraram formas de contornar essas regulamentações facilmente. O alerta foi feito por especialistas em um estudo lançado recentemente.

O atual sistema jurídico e a fiscalização — já enfraquecidos inicialmente no governo de Michel Temer e agora ainda mais com Jair Bolsonaro — estão no centro do problema. De acordo com as conclusões do artigo publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation, o país oferece várias oportunidades para que crimes ambientais passem despercebidos ou impunes.

“A prioridade é não só manter o que existe, mas também aperfeiçoar essas medidas,  considerando o surgimento de medidas novas e melhores”, afirma Philip Fearnside, professor e pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e um dos seis autores do estudo.

No documento, os cientistas destacam as limitações de três principais iniciativas ambientais brasileiras e listam medidas que poderiam ajudar o país a reverter a tendência de crescimento do desmatamento observada desde 2012 tanto no Cerrado quanto na Amazônia.

Entre as recomendações, estão o fortalecimento das agências ambientais brasileiras, o aprimoramento das tecnologias de monitoramento, a melhor integração das políticas ambientais e a pressão do mercado sobre os produtores, além de outras medidas.

Criação de gado no Pará. Com mais de 200 milhões de animais, o Brasil facilita a “lavagem de gado” com seu fraco monitoramento e fiscalização. Foto: Acmoraes/Visualhunt/CC BY

O TAC da Carne e a “lavagem de gado”

Em 2009, frigoríficos, criadores de gado e o governo brasileiro assinaram um acordo voluntário conhecido como TAC da Carne. O objetivo era impedir a venda de gado produzido em áreas embargadas devido ao desmatamento ilegal.

Desde então, no entanto, os produtores aprenderam a contornar o acordo, “lavando” seu gado. O animal nasce e engorda em fazendas infratoras, mas depois é transferido para propriedades onde não ocorreu desmatamento. Os intermediários, então, vendem para frigoríficos, que apenas rastreiam a localização final da venda. Este mecanismo foi descoberto por uma investigação do Ministério Público Federal.

Apesar das infrações frequentes, até hoje não houve qualquer punição para frigoríficos ou produtores. O governo também não fez nenhum esforço para acabar com essa brecha, exigindo uma fiscalização mais eficiente. O resultado é um acordo fraco e que não consegue conter o avanço do desmatamento, como demonstra o estudo.

Uma solução viável, segundo Fearnside, seria rastrear o gado desde a sua origem até o matadouro. “Na Inglaterra, desde a crise da vaca louca, eles começaram a seguir os bois individualmente”, observa o especialista. “Cada animal tem um número que rastreia todas as fazendas por onde o gado esteve. Isso também é possível de ser feito no Brasil”.

A integração de diferentes sistemas de fiscalização é uma outra solução proposta pelos autores. O governo federal, por exemplo, poderia vincular seu sistema do Guia de Trânsito Animal (GTA) — um controle sanitário exigido para todos os animais transportados — ao seu Cadastro Ambiental Rural (CAR), que identifica todas as propriedades rurais e sua localização nas áreas onde a preservação da floresta é obrigatória. A união desses dois sistemas permitiria monitorar o cumprimento da legislação ambiental e dos acordos do setor pecuário.

Um agente do Ibama mede o volume de madeira e confirma sua identificação em uma serraria suspeita de receber toras ilegais de ipê no Pará. A fraude ocorre em toda a cadeia de fornecimento de madeira, de acordo com especialistas. Foto: Marizilda Cruppe/Greenpeace

Fraudes na autorização para o corte de madeira

Assim como os criadores de gado, os produtores de madeira “lavam” com frequência árvores cortadas na Amazônia e em outras regiões para ocultar o desmatamento ilegal.

O crime geralmente ocorre quando eles fraudam uma licença obrigatória, conhecida como DOF, destinada a rastrear e controlar a origem e o transporte de produtos e subprodutos florestais nativos. Comerciantes ilegais ocultam o corte ilegal de madeira comprando documentos forjados no mercado negro e DOFs de locais onde o governo autorizou a extração, aponta o relatório.

O esquema fraudulento também pode ocorrer quando comerciantes superestimam nos registros oficiais os volumes de madeira de alto valor encontradas nas áreas onde o corte é legal. Esses produtores, então, realizam a extração em áreas proibidas e marcam as árvores da mesma espécie com a licença de outra área.

A impunidade estimula os criminosos tanto na indústria madeireira quanto na pecuária, reforça Ricardo Abad, especialista em sensoriamento remoto do Instituto Socioambiental (ISA). “O problema”, ele observa, “é que não há um sistema de fiscalização e punição efetiva para os produtores em situação irregular. As multas não são pagas, o sistema é burocrático e as pessoas são corrompidas ao longo do caminho.”

Novos campos de soja cercados por florestas no Cerrado brasileiro. Foto: Jim Wickens/Ecostorm/Mighty Earth

Desviando da Moratória da Soja

A terceira iniciativa ambiental sujeita à “lavagem” e à fraude, observa o estudo, é a Moratória da Soja na Amazônia, um acordo voluntário entre produtores, grandes empresas de commodities, ONGs e o governo. Segundo o mecanismo, os principais comerciantes de soja concordaram em não comprar soja cultivada em áreas que sofreram desmatamento após julho de 2008.

No entanto, a lavagem da soja é realizada da mesma maneira que a lavagem de gado: por meio do rastreamento fraudulento, que permite que a soja produzida em áreas embargadas seja listada como sendo produzida em áreas “regularizadas” e livres de desmatamento recente. Outra forma é pelo uso de laranjas, geralmente pessoas pobres que emprestam seus nomes e fingem possuir títulos de terra para ocultar a propriedade real de grandes proprietários, de acordo com a pesquisa.

Graças a esses esquemas, afirmam os pesquisadores, uma empresa de commodities que faz uma compra de soja pode não conhecer a verdadeira fonte dos grãos. De fato, como muitos produtores possuem várias fazendas, a soja produzida em uma área embargada pode ser facilmente transferida de uma plantação embargada para uma com status regularizado, antes da venda para a empresa compradora.

Carne à venda em São Paulo. O gado não é rastreado desde a sua origem no Brasil. Desta forma, o desmatamento pode ser facilmente escondido ao longo da cadeia de produção. Foto: wallyg/Visualhunt.com/CC BY-NC-ND.

O papel do consumidor 

Ricardo Abad, um especialista que dedicou os últimos 10 anos de sua carreira ao estudo das cadeias de produção no Brasil, diz que a melhor abordagem para a fiscalização ambiental é a pressão do mercado para que a indústria se torne mais sustentável.

Ele afirma que as empresas multinacionais, especialmente as da União Europeia, estão alterando suas exigências na cadeia de produção e incluido quesitos sociais e ambientais. De acordo com ele, isso é essencial para garantir que as promessas feitas sob acordos como o TAC da Carne e a Moratória da Soja, por exemplo, sejam mantidas.

Segundo o estudo, oito anos após a criação do TAC da Carne, 63 frigoríficos — responsáveis ​​pelo processamento de aproximadamente 70% do gado produzido na Amazônia — aderiram ao acordo, com alguns resultados positivos. No entanto, ainda não existe uma pressão real do mercado para que as empresas não signatárias participem do TAC, com muitos importadores, incluindo o mercado chinês, cada vez mais importante, não exigindo nenhum tipo de monitoramento e aplicação das leis sobre a origem do gado e sua conexão com o desmatamento.

Para Abad, não é apenas uma questão de ter ferramentas para coibir os crimes, mas de usá-las para impedir que o consumiidor final acesse esses produtos. Ele acredita que “grandes varejistas, como Walmart e Carrefour, e traders também são responsáveis [pelo desmatamento em suas cadeias de produção] e precisam ser responsabilizados”. E isso pode ser feito a partir da conscientização do consumidor.

Trator prepara terra recém desmatada no Cerrado. Embora as multas por desmatamento ilegal sejam muitas vezes aplicadas, elas raramente são pagas, devido à negligência do governo. Foto: Jim Wickens/Ecostorm/Mighty Earth.

Desafios políticos à frente

Segundo Carlos Souza, pesquisador associado do Imazon, organização sem fins lucrativos que monitora o desmatamento da Amazônia de forma independente, já existe tecnologia disponível para monitorar e identificar infrações ambientais. O problema, diz ele, consiste no fracasso do governo em fazer valer as leis e punir os criminosos.

As últimas taxas de desmatamento registradas na Amazônia brasileira, afirma Souza, devem servir como um alerta para desencadear ações para interromper a degradação e destruição da floresta. Ele, no entanto, acrescenta: “temos um desafio ainda maior neste governo”, uma referência à administração do presidente Jair Bolsonaro.

Apesar disso, Souza espera ver melhorias nos atuais acordos ambientais do Brasil. “A gente enquanto sociedade espera que esses TACs passem para a versão 2.0 para frear o desmatamento”, conclui.

Sem esse aperfeiçoamento, os pesquisadores concordam que a escalada do desmatamento e a perda de todos os tipos de habitat continuarão nos principais biomas brasileiros, transformando o país em uma colcha de retalhos cada vez mais fragmentada de plantações de soja e pastagens de gado.

Floresta amazônica destruída pelas queimadas, o principal vetor de transformação da mata em pastagens. Foto: bbcworldservice/Visualhunt.com/CC BY-NC.


Legenda da imagem do
banner: Uma operação do Ibama contra desmatadores ilegais dentro de uma aldeia indígena Munduruku durante a administração anterior. O presidente Bolsonaro enfraqueceu ainda mais a capacidade da agência em aplicar as leis. Foto: Ibama.

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