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Violência contra indígenas dispara no Brasil

  • Relatório anual do Conselho Indigenista Missionário registra um aumento significativo nos casos de violência contra os povos indígenas brasileiros. Os dados computados vão do número de homicídios aos episódios de apropriação ilegal de terras e recursos naturais.

  • Segundo o relatório, 135 indígenas foram assassinados em 2018 – um aumento de 23% em relação ao ano anterior. A esse número, somam-se ainda as mortes decorrentes da omissão do Estado, como os casos de suicídio (101 indígenas) e de mortalidade infantil (519 crianças).

  • Dados preliminares de 2019 apontam que, nos primeiros nove meses de governo Bolsonaro, já foram registrados 160 casos de invasão de terras, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio em 153 territórios indígenas – o dobro de áreas em relação ao ano passado.

No mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro fazia seu discurso anti-indígena na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançava o relatório anual Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil. Os dados coletados são de 2018, mas já constam informações preliminares de 2019, e elas são alarmantes.

Nos primeiros nove meses do governo Bolsonaro, já foram registrados 160 casos de invasão de terras, exploração ilegal de recursos naturais e danos ao patrimônio em 153 territórios indígenas. Um aumento significativo em relação a 2018 tanto em número quanto em abrangência: segundo o relatório do Cimi, foram registradas 111 ocorrências desse tipo em 76 terras indígenas. O ano ainda não terminou e o soma de áreas que sofreram agressões já é o dobro.

O relatório não antecipa dados de homicídios relativos a 2019, mas registra o assassinato de 135 indígenas em 2018. Em 2017, foram 110 – um crescimento de quase 23%. O estado de Roraima figura como o mais violento, com 62 homicídios, seguido do Mato Grosso do Sul, com 38 casos. Somando dados fornecidos pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) e por secretarias estaduais de saúde, o Cimi computou mortes violentas de indígenas em 12 estados brasileiros.

“Isso é resultado da política de genocídio iniciada no governo Temer, com o esvaziamento de órgãos de assistência e proteção, como Incra e Funai, enfatizando a ideia de que os territórios indígenas devem ser explorados”, avalia o missionário Roberto Liebgott, coordenador do Cimi na Regional Sul, um dos responsáveis pela elaboração do relatório. Segundo ele, a afirmação de Bolsonaro, ainda candidato, de que “não demarcaria mais nem um centímetro de terra”, foi “o botão que autorizou um Estado criminoso, permitindo que seu patrimônio fosse saqueado em benefício dos setores que o elegeram”.

Não bastassem os assassinatos, o relatório do Cimi destaca ainda outros casos de mortes por omissão do poder público, como os suicídios e a mortalidade infantil. Entre os primeiros, é notório o fato de que, em 2018, 101 indígenas tiraram a própria vida no Brasil. Só no Mato Grosso do Sul foram 44 casos.  “A situação ali é claramente reflexo de um modelo que não deu certo. Longe de suas terras originárias, confinados em reservas superpovoadas ou à beira de grandes rodovias, pela extrema vulnerabilidade, falta de afinidade e perspectivas, muitos optam por tirar a própria vida, especialmente por enforcamento”, explica Liebgott.

O índice de mortalidade infantil também assusta: no ano passado, segundo dados coletados pela Sesai, 591 crianças indígenas entre 0 e 5 anos morreram em decorrência de um Estado omisso. Cerca de 40% (219 crianças) viviam no estado do Amazonas, o índice mais alto do país. De acordo com a Sesai, as mortes na infância estão diretamente vinculadas à falta de assistência médica, que se faz ainda mais necessária nas áreas de extrema precariedade onde vivem muitos indígenas. É comum em muitas aldeias a ausência de saneamento básico e, inclusive, de acesso à água potável.

Indígenas Guarani Kaiowá na comunidade Guapo’y Guasu, na Terra Indígena Dourados Amambai Peguá (Mato Grosso do Sul). Foto: Tiago Miotto/Cimi

De volta ao passado

Em suas 156 páginas, o relatório do Cimi detalha ainda outras formas de violência empregadas contra os povos indígenas, que incluem o desmatamento, o garimpo de ouro e diamantes, a contaminação de rios, a caça e a pesca ilegais, a abertura de rotas para o tráfico de drogas e ainda a emprego sistemático de queimadas em áreas florestais. “Antes, os invasores tiravam a madeira e iam embora. Agora eles tiram a madeira e tacam fogo, destroem tudo. Só sobram as cinzas. O Estado, que deveria proteger, dá o aval para depredar, apoiado pelas bancadas ruralistas e evangélicas”, acusa Liebgott.

Nessa questão, chama atenção o aumento da prática ilegal do loteamento das terras indígenas, especialmente na região Norte. As Terras Indígenas Arariboia (Maranhão), Karipuna e Uru Eu Wau Wau (ambas em Rondônia), são alguns exemplos de territórios ancestrais que vêm sendo divididos por grileiros com o interesse criminoso de vendê-los. Outro grave caso de violação aos direitos originários dos povos indígenas é o caso da Terra Indígena Munduruku (Pará), na qual estima-se que já foram instalados mais de 500 garimpos.

“Estamos vivendo o pior cenário desde a redemocratização do Brasil. A perspectiva agora é a de volta ao passado, ao fim dos anos 1970, quando os grandes projetos em territórios indígenas – construção de estradas, hidrelétricas e mineração – foram muito danosos para a vida de nações”, ilustra o missionário.

O relatório confirma: “Os povos indígenas, ao reivindicarem a demarcação de seus territórios, tornaram-se, no decorrer dos últimos anos, alvos a serem combatidos”. Isso não só tem sido reforçado em discursos de autoridades contrárias à demarcação de terras indígenas, entre eles os de Bolsonaro, como tem ainda impulsionado invasões recorrentes a essas áreas tradicionalmente ocupadas. O Cimi, no documento, nos lembra que, das 1.290 terras indígenas reivindicadas no Brasil, 821 (63% do total) ainda têm alguma pendência para a finalização do processo de demarcação. Dessas, 528 não tiveram qualquer providência tomada pelo Estado.

“Se nos ativermos a Bolsonaro, perderemos a esperança”, argumenta Liebgott. “É preciso lembrar que ele não é o governo, ele não pode tudo. Bolsonaro faz parte de um governo imbecil, fascista, hipócrita e mentiroso, que inventa dados e deturpa a realidade. Mas os direitos adquiridos têm de ser mantidos. É fundamental que os organismos internacionais peçam providências ao governo brasileiro para que essa barbárie deixe de ocorrer e que os responsáveis sejam punidos.”

Para Dom Roque Paloschi, presidente do Cimi e arcebispo de Porto Velho (RO), “as violências contra os povos indígenas tornaram-se chagas institucionalizadas” no Brasil. Em seu texto de apresentação do relatório, é ele quem pinta o cenário mais sombrio para o futuro dessas nações: “Se esse ciclo predatório de dimensões globais não for contido, as matas serão devastadas, as terras serão loteadas e entregues à indiscriminada exploração. E depois das cercas instaladas, aos povos indígenas que lá ainda estão restará, como no Sul, somente as margens das fazendas e as beiras das estradas; ou terão que abandonar seus modos de vida tradicionais e se converterem em trabalhadores braçais, a serviço da acumulação de capital”.

Legenda da foto do banner: Indígenas Guarani Kaiowá na comunidade Guapo’y Guasu, na Terra Indígena Dourados Amambai Peguá (Mato Grosso do Sul). Foto: Tiago Miotto/Cimi

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