De 6 a 27 de outubro, bispos católicos de nove países, líderes indígenas e ativistas ambientais estarão reunidos no Vaticano para desenvolver uma estratégia unificada de preservação da floresta amazônica e proteção dos povos indígenas da região.
O evento é um desdobramento da encíclica Laudato Si: Sobre o Cuidado da Casa Comum, publicada pelo papa Francisco em 2015, em que critica os excessos do capitalismo, o agronegócio e a sociedade de consumo – para o papa, os principais responsáveis pela mudança climática, pelo desmatamento e por colocar culturas indígenas em perigo.
O encontro do Vaticano para discutir a Amazônia é visto pelo presidente Jair Bolsonaro como uma ameaça direta à soberania nacional. Em abril, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, afirmou que “este sínodo é preocupante e queremos neutralizá-lo”.
Em teleconferência realizada na semana passada, algumas das figuras participantes do sínodo adotaram um tom mais positivo, dizendo que as “pessoas estão com medo de mudar seus próprios interesses. Mas a mudança precisa vir e a hora é agora”.
Tocado pelo sofrimento e pela opressão de povos indígenas durante visita à Amazônia peruana em janeiro de 2018, o papa Francisco convocou o primeiro encontro da Igreja Católica dedicado a um bioma.
O Sínodo para a Amazônia, que terá três semanas de duração, começou em 6 de outubro no Vaticano e está reunindo bispos católicos, líderes indígenas e ativistas ambientais de nove países da América do Sul inseridos na região amazônica.
O evento, que tem o objetivo de discutir temas ligados a direitos humanos, proteção ambiental e mudanças climáticas, não poderia ocorrer em momento mais apropriado: incêndios florestais imensamente destrutivos na porção brasileira da floresta em agosto; a devastação resultante da mineração ilegal de ouro na selva peruana; e instabilidade pós-guerra civil na Colômbia abrindo espaços para o desmatamento massivo e a exploração internacional são algumas das ocorrências mais graves que vem acometendo a maior floresta do planeta.
Enquanto isso, povos indígenas estão profundamente preocupados com a crescente perda de seus direitos, culturas e terras ancestrais na Amazônia, ao mesmo tempo em que temem por suas vidas, conforme aumenta a violência contra ativistas e líderes comunitários na região. Isto é particularmente alarmante no Brasil, onde os indígenas enfrentam um presidente hostil a suas causas e políticas governamentais que pretendem abrir reservas à mineração e ao agronegócio.
O governo de Bolsonaro, por temer o poder de influência do sínodo e vendo o encontro como um ataque à soberania nacional, reagiu com antagonismo, à exemplo da fala do general Augusto Heleno sobre “neutralizar” o sínodo.
Outros adotam um tom mais positivo. “O sínodo está se tornando um grande evento, um ponto de virada não só para a Igreja Católica, mas para todos os interessados no futuro do planeta, e certamente no futuro das pessoas que vivem aqui”, disse Mauricio López a jornalistas na teleconferência pré-sínodo que ocorreu em 2 de outubro. López lidera a REPAM no Equador, a Rede Eclesiástica Pan-Amazônica.
Com o catolicismo sendo de longe a religião dominante nos seis maiores países da Amazônia, participantes do sínodo reivindicaram, na ocasião, que a Igreja e suas lideranças assumam um papel maior e mais agressivo na construção do apoio à justiça social e à mitigação dos efeitos climáticos. Ao mesmo tempo, pressionaram líderes nacionais a lutarem contra o desmatamento e a protegerem direitos indígenas.
Um passo além da Laudato Si
O espírito e a determinação dos participantes o sínodo reforçaram os ideais do papa Francisco publicados em 2015 em sua polêmica encíclica Laudato Si: Sobre o Cuidado da Casa. Nela, o sumo pontífice critica os excessos do capitalismo, o agronegócio e a sociedade de consumo – para ele, os principais responsáveis pela mudança climática, pelo desmatamento e por colocar culturas indígenas em perigo.
Na ocasião dos encontros em Paris para discutir as mudanças climáticas, também em 2015, o papa reforçou que o ambientalismo deveria ser um imperativo moral e global para todos, não apenas católicos. A Igreja desempenhou um forte papel de ativismo na época.
Mas a real influência de Francisco tem sido difícil de ser mensurada. A Laudato Si foi elogiada por ambientalistas e adotada por ativistas de diversas religiões. No entanto, alguns líderes católicos, especialmente nos Estados Unidos, viram o papa e sua encíclica como progressistas demais, além de uma ameaça a seus paroquianos mais conservadores, que não veem a mudança climática como prioridade.
No Brasil, alguns bispos católicos e líderes protestantes se manifestaram contra as políticas anti-ambientais de Bolsonaro. Mas os aliados evangélicos do presidente ficaram em silêncio ou rebateram as críticas.
Embora os princípios da Laudato Si tenham sido tecidos no calor das discussões do Acordo Climático de Paris, a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento em florestas tropicais aumentaram desde 2015, contribuindo para a elevação da temperatura global, o derretimento de calotas polares, o crescimento do nível do mar, incêndios florestais e extremos climáticos — o que levou ao relatório de outubro de 2018 do Painel Intergovernamental das Nações unidas sobre a Mudança Climática, que alerta que nos resta pouco mais de uma década para agir de forma decisiva. Isso inclui a adoção de transições “rápidas e extensas” na agricultura, energia, indústrias, construções, transportes e cidades para evitar uma mudança climática catastrófica.
Desafiando tradições católicas
Os bispos presentes na teleconferência prometeram apresentar perspectivas e proridades no sínodo que podem contrariar opiniões de lideranças católicas da região amazônica, sobretudo as que raramente olham além de suas tradições de fé e prioridades sociais. Confira a seguir algumas de suas declarações.
Peter Hughes, padre irlandês, passou 50 anos como missionário na América Latina, em maior parte no Peru. Ele tem sido uma voz importante sobre a necessidade de iniciativas da Igreja para proteger a biodiversidade amazônica e os povos indígenas que vivem na região.
“Esses sinais de alarme são um aviso para todos nós, um recado sobre a grande onda de destruição que está acontecendo”, disse Hughes. “Nestes dias em que (a jovem ativista sueca) Greta Thunberg e o movimento jovem têm causado um grande impacto na opinião mundial, nós, adultos, precisamos responder à altura”.
Paulo Moutinho, cientista sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), estudou as causas do desmatamento e seus impactos na biodiversidade da região por duas décadas. Sua pesquisa contribuiu para políticas como a Iniciativa REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), da ONU, que tem o objetivo de compensar países monetariamente por manterem florestas tropicais intactas.
“O que estamos vendo no Brasil (sob o governo Bolsonaro) é mais que uma tragédia ambiental; é uma tragédia de saúde humana”, disse Moutinho. “Brasileiros sabem como reduzir o desmatamento a zero. Nós quase fizemos isso entre 2005 e 2012, quando a derrubada de florestas foi reduzida em 80%. No mesmo período, a produção de alimentos na região dobrou. Então não é necessário continuar destruindo a Amazônia para expandir a produção de alimentos. O Sínodo para a Amazônia pode trazer esperança e nos lembrar que isso é possível”.
Victoria Tauli-Corpuz, relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos de povos indígenas, investigou violações de direitos humanos ao redor do mundo. Como ativista indígena, ela lutou contra ameaças ambientais, incluindo barragens e extração de madeira nas Filipinas.
“O papa já deixou claro que ele entende que povos indígenas e comunidades locais estão melhor equipadas para cuidar destas florestas e terras tradicionais; e precisam ser protagonistas no esforço global contra a mudança climática”, disse Tauli-Corpuz. “Cuidamos de algumas das terras mais arborizadas e biodiversas da Terra. E, recentemente, relatórios pioneiros consolidaram o crescente corpo de evidências científicas de que somos os melhores guardiões dessas terras”.
José Gregorio Díaz Mirabel é coordenador do Cocia (Coordenadoria das Organizações Indígenas da Bacia Amazônia) na Venezuela. Seu grupo representa 4 milhões de indígenas e 4.500 comunidades de nove países presentes no sínodo: Brasil, Colômbia, Peru, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Suriname e Guiana Francesa.
“Queremos que o papa, com sua espiritualidade, bravura e sabedoria, além de seu grande chamado à ação, faça o mundo reagir”, disse Gregorio. “E, ainda mais importante, denuncie os responsáveis pelo que está acontecendo em terras indígenas… empresas que continuam vendo o mundo natural como um acordo comercial a ser explorado e destruído”.
Mauricio López, da REPAM, no Equador, também é ex-presidente mundial da Comunidade de Vida Cristã, ligada aos jesuítas em escala global. Por conta de uma escassez de clérigos, especialmente na Amazônia, López pediu a autorização para que padres se casem e para que mulheres tenham maior autoridade religiosa — propostas que o papa Francisco recebeu com certa resistência, embora ele pareça estar suavizando sua posição.
“Se quisermos alcançar a possibilidade de mudança, haverá um grande ponto de virada”, disse. “É por isso que este esforço está recebendo muita resistência (de alguns líderes católicos). Pessoas estão com medo porque terão que mudar seus próprios interesses. Mas a mudança precisa acontecer e a hora é agora”.
Justin Catanoso é colaborador regular do Mongabay e professor de jornalismo na Wake Forest University, na Carolina do Norte, EUA.
Legenda do banner: papa Francisco. Foto: Igreja Católica/VisualHunt.com CC BY-NC-SA