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Pressão para legalizar terra desmatada na Amazônia derruba chefe do INCRA

  • O presidente Jair Bolsonaro demitiu o general João Carlos de Jesus Corrêa do cargo de chefe do INCRA, posição que o militar ocupava desde fevereiro deste ano.

  • Críticos afirmam que a ação é consequência da pressão do poderoso lobby do setor ruralista pela regularização fundiária de terras desmatadas ilegalmente na Amazônia , o que pode desencadear mais desmatamento na região.

  • De acordo com relatos da mídia, Corrêa foi demitido por ser contra o plano do governo Bolsonaro de facilitar o processo de regularização de cerca de 750 mil títulos fundiários até o final do ano.

O presidente Jair Bolsonaro demitiu o chefe do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) em uma decisão que críticos atribuem à pressão do setor ruralista para impulsionar a legalização de terras desmatadas na Amazônia, o que pode aumentar o desmatamento na região por criar incentivos para grilagem de áreas florestais.

No dia 1ode outubro, o general João Carlos de Jesus Corrêa foi demitido da presidência do INCRA, órgão que comandava desde fevereiro deste ano. Embora o governo não tenha confirmado imediatamente a decisão, Corrêa disse à revista Veja: “Saio com a consciência tranquila de ter feito um trabalho excelente com a minha equipe”.

General João Carlos de Jesus Corrêa, que foi demitido do cargo de chefe do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Foto de Elza Fiúza/Agência Brasil

O economista José Líbio de Moraes Matos — que de acordo com reportagemteve envolvimento com o massacre de Eldorado dos Carajás, no qual 19 trabalhadores sem-terra foram mortos em 1996 — foi nomeado chefe interinodo INCRA no dia 2 de outubro.

A decisão sobre a demissão de Corrêa foi tomada depois de uma reunião de uma hora de duração na tarde de 30 de setembro, organizado por Bolsonaro junto a figuras importantes do agronegócio em seu governo, incluindo a ministra da Agricultura, Tereza Cristina Dias, e Luiz Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, de acordo com reportagens.

“Há uma preocupação enorme de que esses processos vão legalizar ocupações irregulares,” disse Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Políticas e Direitos Socioambientais do Instituto Socioambiental. “A dinâmica é de grilagem, de desmatamento para ocupar essas áreas, e depois, a regularização”.

O INCRA, criado em 1970 para promover a reforma agrária e registrar propriedades rurais, incentivou a colonização da Amazônia durante a ditadura militar, e mais recentemente redistribui e concede títulos de propriedades rurais para assentamentos sem-terra e agricultores. Como reivindicações de títulos na Amazônia são frequentemente para terras desmatadas, há dúvidas se a medida irá legalizar terras desmatadas ou até mesmo encorajar a grilagem de terras.

Cerca de 800 mil propriedades rurais não possuem títulos definitivos no país, de acordo com estimativas do governo. A demissão de Corrêa irá impulsionar o governo a cumprir sua meta de emitir 750 mil títulos fundiários neste ano de forma mais fácil por meio de uma medida provisória, de acordo com a Reuters. Este ano, menos de 2 mil títulos fundiários foram regularizados, bem abaixo do objetivo do governo, segundo a reportagem. Corrêa e Nabhan estavam em conflito há meses a respeito do assunto. Em sua entrevista à revista Veja, Corrêa levantou indícios de seu atrito com Nabhan: “Não quero comentar. Não vai ajudar em nada. Não podemos ser destrutivos”.

Nabhan, que também comanda a associação de grandes fazendeiros União Democrática Ruralista, busca a aprovação de uma medida provisória que irá permitir que agricultores autodeclarem seus títulos fundiários, tornando o processo automático. “Para que criar dificuldade se nós temos condições de, hoje, com a tecnologia que existe por georreferenciamento, fazer autodeclarável?”, disse à Reuters.

Para Antônio Galvan, aliado de Garcia e vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja), a demissão de Corrêa é um “mal necessário” para cumprir a ambiciosa meta de Bolsonaro de um programa de regulação fundiária de ritmo acelerado. “Se não tiver uma equipe competente e dedicada, não vai atingir o objetivo do Presidente da República de, nesses quatro anos, de fazer acima de 600 mil títulos expedidos,” disse Galvan à Mongabay. “Isso era um pedido das bases aqui do interior, do produtor rural e, principalmente, dos assentados.” De acordo com Galvan, o objetivo é chegar a 750 mil títulos aprovados, sendo 600 mil o patamar mínimo estabelecido.

Segundo Ramos, a medida provisória facilita a legalização de terras irregulares e pode afetar áreas indígenas e quilombolas não demarcadas.“Isso facilitaria a regularização de áreas irregularmente ocupadas, inclusive em cima de territórios demandados por comunidades tradicionais mas que ainda não tenham providência administrativa de reconhecimento,” disse.

O INCRA é responsável pela demarcação e emissão de títulos para quilombos, áreas para onde africanos escravizados escapavam. Embora a Constituição brasileira de 1988 garanta o direito de propriedade a descendentes de escravos que viviam em quilombos, a maior parte deles não tem títulos formais para provar a posse da terra.

Ministra da Agricultura, Tereza Cristina Dias, e presidente Jair Bolsonaro em cerimônia em Brasília. Foto de Valter Campanato/Agência Brasil

A demissão de Corrêa é o desdobramento mais recente de uma onda de medidas controversas do governo Bolsonaro para enfraquecer regulações ambientais para impulsionar atividades econômicas na Amazônia, incluindo agronegócio e mineração.

Em agosto, Bolsonaro demitiu o diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais(INPE) após negar dados que mostravam um aumento acentuado do desmatamento na Amazônia. Agentes de órgãos ambientais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e do Instituto Chico Mendes (ICMBio), que protege unidades de conservação no país, também enfrentam demissões rotineiras e intimidaçõesdesde que Bolsonaro assumiu a presidência.

Legenda da foto do Banner: Extração ilegal de madeira na terra indígena Pirititi, na Amazônia. Foto de Felipe Werneck/IBAMA

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