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Nova iniciativa visa alavancar campanha rumo ao desmatamento zero

Campo de soja e floresta de transição na Amazônia. Foto de Rhett A. Butler para a Mongabay.

  • Ao longo da última década, houve um crescimento no número de empresas que se comprometeram com o desmatamento zero, mas muito poucas atingiram o objetivo de reduzi-lo em suas cadeias de fornecimento até 2020.

  • A iniciativa Accountability Framework é uma nova ferramenta lançada por um grupo de 14 organizações da sociedade civil para estimular empresas a cumprir metas ambientais.

  • Espera-se que a iniciativa seja especialmente importante em mercados como o europeu, onde a demanda por cultivo de soja, por exemplo, tem sido relacionada ao aumento do desmatamento em áreas como o Cerrado.

Em 2010, cerca de 400 empresas se reuniram no Fórum de Bens de Consumo (Consumer Goods Forum) e assumiram o compromisso de zerar o desmatamento líquido até 2020 na produção das quatro commodities responsáveis pela maior parte da derrubada de florestas tropicais: soja, óleo de palma, madeira e carne bovina.

Entretanto, quase uma década depois, mesmo após outras empresas terem firmado o mesmo compromisso, “os resultados são desanimadores”, diz Daan Wensing, diretor do programa global de territórios da IDH (Iniciativa para o Comércio Sustentável). Uma análise conduzida pela empresa Climate Focus para a Unidade de Sustentabilidade Internacional do Príncipe de Gales em 2018 concluiu que “não há provas de que o aumento do número de empresas do setor privado que assumiram esse compromisso tenha levado a reduções significativas do desmatamento”.

A desflorestação e a conversão de floresta nativa causadas pelas commodities agrícolas continuam aumentando e, à medida que o prazo estabelecido se aproxima, o objetivo de reduzir ou até mesmo eliminar o desmatamento das cadeias de fornecimento muito provavelmente não será atingido.

“Temos apenas um ano e meio até [o fim de] 2020”, contou Daan à Mongabay em uma entrevista. “Se quisermos realmente fazer progresso após essa data, os próximos passos devem ser tratados com muito mais urgência.”

Desmatamento ilegal na Terra Indígena Awá-Guajá, no Maranhão. As florestas são derrubadas por pessoas de fora para preparar a terra para a agropecuária. Foto: Mário Vilela/FUNAI.

“Ciclo de responsabilidade”

Um relatório recente elaborado pela organização Forest Trends concluiu que, das 865 empresas identificadas como “as maiores, as que causam mais impacto e/ou as que têm a maior probabilidade de firmar compromissos”, menos de 10% se comprometeu realmente em atingir o desmatamento zero na produção de pelo menos uma commodity. Apenas um terço das que firmaram esse compromisso relatou algum progresso.

Uma nova iniciativa lançada em 12 de junho em Utrecht, na Holanda, por uma coalizão formada por parceiros da sociedade civil focalizou no que chamaram de “ciclo de responsabilidade”, que, segundo eles, impediu mais de 500 empresas de obter progresso na eliminação do desmatamento em suas cadeias de fornecimento.

“A iniciativa Accountability Framework (AFi) é uma tentativa da comunidade ambientalista de proporcionar um parâmetro para que as empresas compreendam o que significa essa meta e como ela pode ser implantada”, diz David Cleary, diretor de agricultura global da The Nature Conservancy (TNC), uma das ONGs que ajudaram a criar a AFi. “As empresas precisam desses parâmetros para validar seus compromissos.”

A iniciativa estabelece “normas e orientações comuns para estabelecer, implementar e demonstrar o progresso dos compromissos éticos nas cadeias de fornecimento na agricultura e nas florestas”.

Voltada para empresas, a AFi foi criada para ajudar a garantir que os compromissos, as atividades, os sistemas de monitoramento e as práticas de divulgação corporativas estejam em linha com normas comuns e previamente acordadas.

“Quando você tem algumas das maiores organizações ambientais e de direitos humanos sentadas na mesma mesa chegando a um acordo sobre normas, não creio que ignorar seja uma opção para as empresas”, diz Vanessa Jiménez, advogada sênior do Forest Peoples Programme (FPP), que ajudou a liderar o segmento de recursos humanos da iniciativa.

Crianças do povo indígena Munduruku nadando no Rio Tapajós, na Amazônia. Ativistas dizem que a pressão cada vez maior da bancada ruralista, que domina o Congresso e o Poder Executivo, tem posto em risco o futuro de povos indígenas de todo o Brasil. Foto: Otávio Almeida/Greenpeace.

Das promessas à ação

Inicialmente, a dificuldade de rastreamento das commodities foi vista como uma barreira para a implementação dos compromissos de desmatamento zero. Hoje, porém, existem diversas plataformas para agricultores, consumidores, investidores e outras organizações que monitoram o desmatamento causado pela produção desses bens. Uma dessas plataformas é a Trase, uma ferramenta online de rastreamento de cadeias de fornecimento desenvolvida pelo Instituto Ambiental de Estocolmo e pela organização Global Canopy, assim como a plataforma Global Forest Watch Pro, que foi anunciada em junho e já é usada por mais de 80 empresas e organizações produtoras de commodities para monitorar e rastrear seus compromissos ambientais.

A confusão acerca de definições e normas, além da falta de responsabilidade, são apontadas como as principais razões pelas quais os compromissos com o desmatamento zero não foram bem-sucedidos. Um dos obstáculos que muitas empresas enfrentam é encontrar uma definição exata sobre o que é uma floresta, por exemplo, e o que pode ser considerado desmatamento. “Criar uma linguagem em comum, com a qual as empresas se identifiquem, vai fazer com que a sustentabilidade se torne mais acessível para elas”, diz Daan. E acrescenta: “Creio que a AFi vai ser útil de diversas maneiras”.

Mais do que somente estabelecer normas ambientais, a AFi também reúne organizações de direitos humanos como a FPP, focadas em desenvolver um conjunto de diretrizes éticas que vão além dos sistemas de certificação tradicionais, geralmente concentrados apenas em florestas e vegetação nativa.

“Desmatamento zero ou conversão zero é […] extremamente importante, especialmente para a mudança climática”, diz Vanessa Jiménez. “Mas isso tem que acontecer com respeito aos direitos humanos reconhecidos internacionalmente. Sabemos que algumas das populações mais vulneráveis [nesses territórios] são os trabalhadores e os povos indígenas.”

A inclusão dos direitos humanos na AFi é importante especialmente em países como o Brasil, onde o novo governo está tentando acabar com as proteções legais aos povos indígenas.

Cultivo industrial de soja no Cerrado. Foto: Otto Ramos/Greenpeace.

Desmatamento zero para a Europa

A AFi também será fundamental na Europa, onde o debate sobre o desmatamento causado pela produção de commodities agrícolas vem se intensificando. A Europa é um importante mercado consumidor de bens como soja e óleo de palma, sabidamente dois dos maiores agentes causadores do desmatamento em florestas tropicais.

Um relatório recém-publicado pela IDH analisou as importações europeias das maiores commodities agrícolas ligadas ao desmatamento. A conclusão foi a de que, enquanto três quartos do óleo de palma importado pela Europa para consumo foram produzidos de forma responsável, menos de um quarto da soja foi produzido da mesma maneira.

“A soja é um produto incorporado, a gente não vê”, diz Daan. “São poucos os consumidores que têm consciência disso. A produção responsável de soja excede em muito a demanda.”

Uma grande porcentagem da soja que a Europa importa vem da Amazônia e do Cerrado, duas das regiões onde o desmatamento está mais ativo no mundo. Em 2015, sete países europeus (Dinamarca, França, Alemanha, Itália, Holanda e Noruega e Reino Unido) assinaram a Declaração de Amsterdã, comprometendo-se a garantir o desmatamento zero e o cultivo sustentável de commodities agrícolas em suas cadeias de fornecimento até 2020. Porém, em 2017, de acordo com uma análise feita pela agência Forest500, 15% das importações de soja feitas por esses sete países vieram da região conhecida como MATOPIBA (área de Cerrado que abrange partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). A cifra, embora pequena, corresponde a 82% do risco de desmatamento promovido pela Europa.

Convém lembrar que muitas das empresas que atuam no Cerrado firmaram compromissos com o desmatamento zero e práticas sustentáveis, mas continuam estimulando a desflorestação.

“O foco não é fazer com que mais empresas assumam o compromisso [com o desmatamento zero]”, diz David, “e sim fazer com que as empresas já comprometidas comecem a implementar suas políticas”.

Banner: área desmatada para produção de soja na Amazônia e no Chaco boliviano. Fotos: Rhett A. Butler/Mongabay.

Reportagem original: news.mongabay.com/2019/07/new-initiative-aims-to-jump-start-stalled-drive-toward-zero-deforestation/

 

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