A China, sendo a maior parceira comercial do Brasil, tem grande poder de influenciar o agronegócio brasileiro e ajudar a frear as reduções drásticas nas políticas de proteção ambiental que estão sendo realizadas pelo governo Bolsonaro.
No entanto, quando o presidente Bolsonaro se encontrou com o secretário-geral da China, Xi Jinping na semana passada, o meio ambiente pareceu não ter lugar em nas conversas bilaterais, que se mantiveram concentradas em acordos comerciais.
Bolsonaro gerou preocupação internacional em países da União Europeia e entre investidores internacionais com suas políticas contrário ao meio ambiente. A Alemanha e a Noruega, especialmente, cortaram suas doações a programas de reflorestamento.
Alguns ambientalistas esperam que a China, que ultimamente vem se manifestando sobre práticas sustentáveis e mudanças climáticas, ajude a frear os excessos de Bolsonaro em suas políticas contra o meio ambiente. No entanto, outros analistas acreditam que a China irá manter seu foco no comércio brasileiro.
O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, viajou à China na semana passada para três dias de conversas com o secretário-geral chinês, Xi Jinping. No entanto, a crise ambiental brasileira — incluindo os incêndios de agosto na Amazônia e os planos de Bolsonaro de abrir reservas indígenas à mineração — aparentemente não fez parte da agenda.
O encontro bilateral entre Xi e Bolsonaro aconteceu no Grande Salão do Povo, em Pequim, em 25 de outubro, com foco em negócios e cooperação comercial. Os dois líderes assinaram um total de oito atos, incluindo um compromisso de aumentar as exportações de beef jerky, similar ao charque, do Brasil. Mas o meio ambiente parece ter sido ignorado, ampliando as preocupações sobre o compromisso da China com desenvolvimento verde e sobre crescentes ameaças à Amazônia. O aumento de exportações brasileiras para a China — especialmente carne, soja e outras commodities agrícolas e minerais — pode colocar a maior floresta tropical do mundo em perigo.
Houve apenas uma menção ao meio ambiente, e ela não agradou aos ambientalistas. A declaração foi dada no Fórum de Cooperação Brasil-China, em 25 de outubro, poucas horas antes do encontro de Bolsonaro com o líder chinês. Na ocasião, o presidente brasileiro agradeceu à China pelo apoio à crise na Amazônia.
“Quero agradecer as palavras do seu embaixador no Brasil, reconhecendo nossa soberania sobre a região amazônica”, disse Bolsonaro a uma sala cheia de empresários proeminentes.”Muito obrigado ao governo chinês. Para nós, não tem preço esse reconhecimento público e suas palavras sobre essa região tão importante”. Em 23 de agosto, o embaixador da China no Brasil, Qu Yuhui, afirmou que a crise na Amazônia foi “fabricada“. Autoridades chinesas não comentaram a declaração.
Antes da visita diplomática do Brasil na semana passada já pairavam expectativas em torno das ações ambientais chinesas, questionando-se se o país expandiria suas iniciativas verdes para além de suas fronteiras. O tema deve ganhar relevância nas próximas semanas, em face da cúpula do BRICS (que reúne cinco países emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) que deve ocorrer em Brasília no mês que vem.
Em recente artigo no New York Times, o jornalista Heriberto Araújo instou a China a usar sua influência para acabar com a destruição da Amazônia. Araújo, autor do livro China’s Silent Army, afirmou que o encontro de Bolsonaro com Xi representa uma “oportunidade perfeita para mostrar ao mundo que a China está realmente comprometida” com o combate ao aquecimento global. Bolsonaro, assim como seu herói Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, mostrou desprezo ao Acordo Climático de Paris, que tem o apoio da China.
Como maior parceira comercial do Brasil, a China está em posição privilegiada para influenciar o agronegócio brasileiro e ajudar a conter as reduções drásticas nas medidas de proteção ambiental que estão sendo realizadas pelo governo Bolsonaro. Em 2018, as exportações brasileiras para a China registraram recorde de 64 bilhões de dólares, um quarto das exportações totais do Brasil.
Os incêndios deste ano na Amazônia (ligados diretamente ao desmatamento e ampliados desde que Bolsonaro assumiu, em janeiro), além do aumento contínuo nas taxas de desmatamento até outubro de 2019, colocaram a comunidade internacional em alerta. As políticas brasileiras contrárias ao meio ambiente criaram tensões com a França e o G7, e fizeram soar alarmes entre investidores internacionais. A Noruega e a Alemanha cortaram milhões em fundos para programas brasileiros de proteção ambiental, incluindo o congelamento do Fundo Amazônia.
Segundo Oliver Stuenkel, especialista em Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas, é “sem sentido” esperar pressão da China sobre questões ambientais, dada sua política externa de longa data de não interferência. “A China tem este poder, mas também é claro que a China não irá usar este poder”, disse. “A China também poderia pressionar a Coreia do Norte e ter um grande impacto lá em termos de abusos de direitos humanos — mas ela não vai. A ideia de pressionar outros países não está alinhada com a abordagem chinesa”.
China e Hong Kong representaram 44% de todas as exportações de carne bovina brasileira em 2018. Dados da Trase, uma iniciativa de transparência nas cadeias de produção, mostram que 42% de toda a soja brasileira foram exportados para a China entre 2013 e 2017. Carne bovina e soja são os principais impulsionadores do desmatamento da Amazônia. As exportações de soja do Brasil para a China podem, no entanto, cair este ano, conforme países asiáticos lidam com uma peste suína africana que pode afetar até 200 milhões de porcos. Animais chineses são largamente alimentados com a soja brasileira.
Autoridades chinesas já haviam minimizado anteriormente a contribuição do país para o desmatamento da Amazônia. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Geng Shuang, havia sugerido que não há correlação entre os incêndios na Amazônia em agosto e as importações chinesas de carne brasileira.
No entanto, de acordo com Toby Gardner, diretor da Trase e especialista em sustentabilidade, dados indicam que as correlações são “robustas”. Qualquer afirmação contrária, ele diz, é “categoricamente falsa”.
Uma pesquisa da Trase mostra que as exportações chinesas são responsáveis por ao menos 22.700 hectares de desmatamento no Brasil, concentrados na região de Matopiba (que inclui partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), responsável por 8% da soja vendida à China. Segundo o estudo, essas exportações representam uma estimativa de 81% de risco de desmatamento.
Apesar do silêncio de Xi, alguns ambientalistas acreditam que as pressões do mercado na China irão criar cadeias de produção mais sustentáveis. Nos últimos anos, a China firmou compromissos no sentido de se tornar uma nação mais verde e mais sustentável. “A China precisa assumir a liderança na cooperação internacional para mitigar as mudanças climáticas, de modo a garantir a sobrevivência da humanidade”, disse Xi durante discurso em 2017 em um congresso do Partido Comunista chinês.
Peggy Liu, proeminente ativista ambiental chinesa, alertou que, se as políticas ambientais brasileiras não melhorarem, empresas chinesas podem fazer mudanças em suas cadeias de produção. “Se o Brasil piorar, a China irá buscar cadeias de produção em outros países e deverá se tornar mais autossuficiente”, ela diz.
Gardner, da Trase, acredita que há esperança nas iniciativas por parte de empresas chinesas — muitas delas comandadas pelo governo. O outro lado do silêncio ambiental de Xi, ele diz, é a sensibilidade das empresas chinesas a danos na reputação e na segurança em longo prazo. “Bolsonaro não deveria considerar o silêncio de Xi como um sinal de que os mercados chineses não irão responsabilizar o agronegócio brasileiro”, disse. “Eles apostam muito em suas imagens”.
Segundo Gardner, a COFCO, maior comerciante de alimentos da China e maior importadora de soja brasileira, mostrou mais interesse em garantir uma cadeia de produção eco-friendly do que contrapartes de commodities nos Estados Unidos. “Fizemos alguns trabalhos com a COFCO e concluímos que eles são bem comprometidos com uma compreensão detalhada de sua cadeia de produção. A Cargill, por outro lado, faz muito barulho e não faz nada”, ele afirma.
Jun Lyu, presidente da COFCO, fez declarações ambiciosas sobre o meio ambiente no Fórum Econômico Mundial em Davos, em janeiro. “Podemos alimentar o mundo de maneira sustentável, mas precisamos agir agora”, disse.
Stuenkel, da FGV, no entanto, continua cético. Empresas chinesas não irão arriscar relações comerciais com outras nações tão cedo, ele diz, dado que precisam alimentar mais de um bilhão de pessoas. “A China depende do Brasil porque não é autossuficiente em sua cadeia alimentar. Ela depende — e sempre irá depender — do Brasil. Muitos jovens chineses estão prestando atenção à matriz ambiental de produtos, mas isso ainda está no início”.
Bolsonaro, que durante sua campanha foi um crítico da grande influência da China no Brasil, mudou de modo significativo sua posição desde que assumiu o cargo. O presidente agora parece ter respondido à pergunta recentemente feita pelo South China Morning Post: “Crítico da China ou construtor de pontes?”. Ao que tudo indica, ambos os países parecem dispostos a construir pontes para melhorar as relações comerciais – ainda que precisem se calar diante das agressões ao meio ambiente.
Legenda da imagem do banner: O presidente Jair Bolsonaro e o secretário-geral da China, Xi Jinping, durante visita do líder brasileiro a Pequim. Foto: Agência Brasil.
Reportagem original: https://news-mongabay-com.mongabay.com/2019/10/as-bolsonaro-meets-with-xi-china-silent-on-brazil-environmental-crisis/