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Políticas em favor do desmatamento podem ser desastrosas para ruralistas (comentário)

  • O presidente Jair Bolsonaro afirma ser um defensor dos agropecuaristas, mas suas políticas na Amazônia podem resultar desastrosas para eles no longo prazo, argumenta o fundador da Mongabay, Rhett A. Butler.

  • Embora o desmatamento em larga escala na maior floresta tropical da Terra possa oferecer oportunidades de curto prazo para grande produtores rurais expandirem suas propriedades, especialistas sustentam que isso pressupõe riscos em longo prazo, dado o papel que as chuvas da Amazônia desempenham na manutenção do agronegócio.

  • Nota: este comentário foi originalmente escrito em 27 de agosto de 2019. Pequenas modificações foram feitas a título de atualização em relação ao momento da postagem.

  • Este post é um comentário. As opiniões expressas são do autor, não necessariamente da Mongabay.

O presidente Jair Bolsonaro afirma ser um defensor dos agropecuaristas, mas suas políticas na Amazônia podem resultar desastrosas para eles no longo prazo.

No mês passado, uma mudança nos padrões de vento e a chegada de uma frente fria ao litoral brasileiro resultou no escurecimento do céu de São Paulo, provocado pela fumaça dos incêndios na Amazônia. O fato chamou a atenção mundial para uma questão à qual muitas pessoas estão alheias, pondo em evidência o aumento expressivo do desmatamento a na região amazônica registrado nos primeiros meses de governo Bolsonaro.

Alertas mensais de desmatamento na Amazônia brasileira. Última atualização em 08/09/2019

Bolsonaro reagiu a esse evento atribuindo às ONGs a responsabilidade pelos incêndios (alegação da qual ele posteriormente voltou atrás), afirmando que os incêndios eram um fato normal e que não havia nada com que se preocupar (antes de mobilizar 44 mil soldados para combater os incêndios). Na ocasião, o presidente trouxe à tona uma velha teoria conspiratória de que os ambientalistas querem tomar o controle da Amazônia no Brasil. E voltou a argumentar, como vem fazendo, que a Amazônia é uma questão de soberania nacional e que os estrangeiros não têm o direito de opinar sobre como o Brasil deve lidar com o bioma.

Um dos principais grupos eleitores de Bolsonaro é a bancada política composta de agricultores e pecuaristas conhecidos como ruralistas. Como, historicamente, esse grupo é um forte crítico das legislações ambientais sobre o uso da terra determinadas pelo governo federal, mostrou-se um grande entusiasta das promessas feitas por Bolsonaro de pôr em prática ações como liberar a conversão irrestrita de terras na Amazônia à agropecuária, anistiar criminosos ambientais penalizados com multas, enfraquecer a aplicação de leis ambientais e retirar a demarcação de áreas protegias e terra indígenas. E, desde que assumiu o cargo, Bolsonaro tem se empenhado em cumprir essas promessas.

Porém, embora o desmatamento em larga escala na maior floresta tropical da Terra possa oferecer oportunidades de curto prazo para agropecuaristas expandirem suas propriedades, especialistas sustentam que isso pressupõe riscos em longo prazo, dado o papel que as chuvas da Amazônia desempenham na manutenção do agronegócio.

Ao atuar como uma bomba d’água gigante que aspira a umidade do Atlântico e a faz mover-se por grandes distâncias antes de cair na forma de chuvas, a Amazônia é responsável por abastecer o coração agrícola da América do Sul – bem como suas cidades e usinas hidrelétricas – com precipitações. Agricultores, pecuaristas, operadores de redes de energia e políticos consideram assegurada essa contribuição da umidade amazônica – mas não deveriam, de acordo com os especialistas que estudaram a relação entre perda de vegetação e aumento da temperatura na Amazônia.

Vista aérea de áreas queimadas no município de Nova Bandeirantes, Mato Grosso. (Foto: Victor Moriyama / Greenpeace)

Segundo essa pesquisa, a Amazônia pode estar chegando a um ponto crítico, em que a floresta tropical, geradora de umidade, pode se transformar em um ecossistema mais seco, semelhante a uma savana. Isso poderia deslocar a área de precipitações para o norte, privando a parte meridional da América do Sul das chuvas das quais depende. O cenário já foi antecipado pelas secas catastróficas de 2005, 2010 e 2014-2017, que afetaram o fornecimento de água e a geração de energia em grandes áreas do continente. Agora, imagine essas condições ampliadas devido à perda da função hídrica do bioma. Os políticos forçados a escolher entre abastecer os agricultores com água ou os cidadãos com energia e água potável terão uma decisão difícil pela frente.

O problema é que não sabemos exatamente onde está o ponto de inflexão. Alguns estabelecem um patamar de 20 a 25% de perda de área florestal no sul da Amazônia, outros sustentam que uma perda entre 25% e 50% da Amazônia como um todo já traria efeitos sobre o padrão de chuvas no Sul e no Sudeste do país. O Brasil já perdeu cerca de 20% da floresta amazônica dentro de seu território, portanto a margem de segurança diminui a cada ano.

Campo de soja e floresta de transição na Amazônia. Foto de Rhett A. Butler para a Mongabay.

Dado o perigo de comprometer a segurança hídrica, alimentar e energética do Brasil, o discurso de Bolsonaro sobre a conservação da floresta ser uma ameaça à soberania nacional é vazio. De fato, uma Amazônia saudável e produtiva é a base para uma economia brasileira saudável e produtiva.

Dito isto, agricultores e pecuaristas que já estão operando na Amazônia precisam de incentivos reais para manter a cobertura florestal para além do que é exigido no código florestal. Esses incentivos podem ser na forma de melhor acesso ao mercado, subsídios para manter a floresta em pé ou recuperá-la, ou, ainda, assistência no aumento da produção em terras já desmatadas. Em longo prazo, essas intervenções serão de maior ajuda aos agricultores do que a retórica e as ações de políticos que prejudicam os processos naturais que tornam possíveis a agricultura e a pecuária.

Os críticos de Bolsonaro também seriam ouvidos com mais atenção se ajustassem seu discurso, falando sobre como a Amazônia ajuda a fortalecer a soberania nacional, ao invés de “internacionalizar” a floresta. Ao fazê-lo, podem encontrar oportunidades para estabelecer um diálogo sensato com agropecuaristas. A segurança econômica do Brasil parece um bom lugar para começar.

Imagem do banner: área de transição de floresta recém desmatada perto da fronteira entre Brasil e Bolívia. Foto de Rhett Butler em 2019. 

 

 

 

 

 

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