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Grandes empresas podem estar comprando carne e couro de áreas de desmatamento ilegal, afirma pesquisa

A legal loophole in Brazil frequently allows cattle that have been raised on newly deforested land to not be recorded when bought by slaughterhouses. Image by Marizilda Cruppe /EVE / Greenpeace

  • Uma análise de dados comerciais revela que varejistas que compram carne e couro do Brasil através da China podem estar usando matéria-prima ligada ao desmatamento.

  • Uma pesquisa da ONG Global Canopy ligou empresas brasileiras e chinesas a grandes marcas, incluindo Adidas, Nike, Ikea, BMW, Daimler, General Motors e Volkswagen.

  • Dos 15 importadores da Europa e Estados Unidos incluídos nos dados, apenas três compraram produtos de empresas chinesas que haviam assumido compromissos de combate ao desmatamento.

Grandes varejistas e fabricantes que compram carne e couro do Brasil podem estar usando matéria-prima ligada ao desmatamento, sugere uma análise de dados comerciais feita pela ONG Global Canopy.

A Global Canopy analisou as políticas ambientais de 43 empresas envolvidas no comércio de carne e couro entre Brasil e China. E descobriu que marcas esportivas como Adidas e Nike e montadoras como BMW, General Motors e Volkswagen não conseguiram assegurar que o couro usado em seus produtos fosse livre de desmatamento.

Dos 15 importadores identificados, apenas três compraram produtos de fabricantes chineses que haviam assumido o compromisso de não compactuar com o desmatamento. Fábricas chinesas também adquiriram matéria-prima de empresas brasileiras que não firmaram acordos de sustentabilidade.

Segundo a pesquisa, nos casos em que compromissos com o desmatamento zero foram feitos por fornecedores brasileiros, suas políticas se aplicavam apenas à Amazônia e excluíam outras regiões de risco, como o Cerrado.

“É difícil saber por que algumas dessas empresas não possuem políticas ambientais – elas podem não estar cientes dos riscos ou podem não vê-las como prioritárias”, disse André Vasconcelos, pesquisador da Global Canopy e co-autor da análise.

Pesquisas anteriores da Global Canopy detectaram que empresas ligadas ao comércio de outras commodities, como o óleo de palma, eram mais propensas a reconhecer os riscos de desmatamento e a estabelecer políticas ambientais do que aquelas que comercializam derivados de bovinos.

“As cadeias de fornecimento de couro são complexas e muitos varejistas podem não saber onde a matéria-prima foi adquirida. Nossa pesquisa mostra que o couro produzido no Brasil é frequentemente exportado para a China, onde é transformado em produtos como sapatos ou assentos de carro, e depois re-exportado para outros países”, afirma Vasconcelos. “Algumas empresas podem nem estar cientes de que adquirem produtos possivelmente vinculados ao desmatamento. Outras empresas têm políticas claras para algumas áreas – mas não necessariamente estendidas ao fornecimento.”

Na indústria automobilística, Vasconcelos argumenta que o foco nas emissões de gases tóxicos, ao invés de na origem do couro, pode explicar a suposta falta de fiscalização. No entanto, na indústria de calçados, ele diz que a fonte da matéria-prima dos produtos deveria ser de “importância crucial”. Da mesma forma, para as empresas que fornecem carne bovina na China, a preocupação dos consumidores com a segurança dos alimentos “parece dominar a atenção com a sustentabilidade”.

Marcas em destaque

Marcas internacionais que compram couro do Brasil dizem estar criando produtos alternativos sempre que possível e afirmam estar cientes de sua responsabilidade de monitorar e melhorar os padrões de sustentabilidade em suas cadeias produtivas.

A Daimler AG, fabricante dos carros da Mercedes-Benz e uma das empresas identificadas na análise do Global Canopy como compradora da Adient PLC e da Lear Corporation – fabricantes chinesas que também vendem para Ford, General Motors, BMW e Volkswagen –, afirmou que é imperativo que os fornecedores “comuniquem e monitorem de forma vigorosa” as boas práticas em suas cadeias de suprimentos.

Heike Rombach, porta-voz da Daimler, disse que seus clientes também podem ficar sem couro optar por alternativas sintéticas, produzidas com microfibras a partir de poliéster reciclado e poliuretano. De acordo com a Global Canopy, a Lear Corporation não possui uma política de combate ao desmatamento. Por sua vez, a empresa chinesa também adquire couro da brasileira Vancouros Indústria e Comércio de Couros Ltda, outra sem uma política clara de desmatamento zero.

O Grupo Volkswagen afirmou em comunicado que não pode tecer comentários a respeito de fornecedores específicos, mas que cada fornecedor deve cumprir o código de conduta da empresa e passar por um processo de avaliação que pode incluir averiguações no local. Embora a empresa admita que não possui “rastreabilidade completa para toda a cadeia de suprimentos de couro”, disse que os fornecedores são encorajados a produzir “de forma responsável”.

“O fato é que a situação da sustentabilidade na cadeia do couro é, em alguns casos, insatisfatória e, portanto, todos os atores envolvidos precisam continuar sendo responsáveis ​​por trazer melhorias”, declarou Günther Scherlis, porta-voz da Volkswagen. “Nós mesmos reconhecemos essa responsabilidade e aumentaremos nosso compromisso e nossas atividades nesse sentido nos próximos meses.”

Ele acrescentou que, além de avaliar diretamente os contratados, a empresa estava pilotando um esquema de rastreabilidade de couro usando a tecnologia de blockchain.

Em resposta à pesquisa da Global Canopy, a BMW também afirmou que impunha padrões rígidos de sustentabilidade aos fornecedores de couro, embora observasse que outros materiais, como cobalto, cobre e borracha, tinham prioridade. “Para nossos provedores de couro, definimos requisitos suplementares que reforçam a importância da eficiência de recursos nos curtumes, das condições de trabalho na indústria de costura e do bem-estar dos animais do campo ao abate”, afirmou a montadora em comunicado.

A BMW acrescentou que conduzia auditorias anuais de fornecedores de couro e estava desenvolvendo ferramentas para monitorar a cadeia de suprimentos, além de “pedir total transparência para cadeias específicas em caso de suspeita de transgressão”.

Além das empresas automotivas e de calçados, a Global Canopy identificou várias marcas de móveis como potencialmente expostas ao desmatamento em suas cadeias de fornecimento, entre elas Ikea, Macy’s, DFS e Ashley. Segundo os dados da ONG, elas compram couro da empresa chinesa HTL International Holdings, um dos maiores importadores do país asiático, que obtém material de pelo menos duas empresas brasileiras sem compromisso com o desmatamento.

Em comunicado à Mongabay, a DFS, segunda maior empresa de mobiliário do Reino Unido, disse que trabalhou ativamente com os fornecedores “para garantir que os materiais atendam a padrões de certificação confiáveis” e que contratou uma auditoria independente para implantar um processo de verificação em sua cadeia de fornecimento de couro.

Vasconcelos, da Global Canopy, diz que a criação de uma política de desmatamento zero pode ser um passo importante para assegurar cadeias de suprimentos sustentáveis, pois mostra que as empresas estão cientes dos riscos. “Mas é importante deixar claro que há uma diferença entre criar uma política e implantá-la”, acrescentou. “Vimos no passado como algumas multinacionais com políticas de desmatamento zero continuam a obter gado de áreas embargadas devido à desflorestação ilegal, por exemplo. As empresas precisam garantir que tenham sistemas confiáveis para implantar suas políticas, caso queiram fazer diferença no mercado.”

 

Artigo original: https://news.mongabay.com/2019/08/companies-sourcing-beef-leather-from-china-exposed-to-brazil-deforestation-risk-researchers-say/

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