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Futuro de dados sobre desmatamento da Amazônia é incerto após demissão de chefe de pesquisa

  • O governo brasileiro e o mundo confiavam no INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais) para rastrear o desmatamento desde 1988, sem controvérsias. O programa de coleta de dados do INPE foi considerado uma das melhores operações desse tipo nos trópicos.

  • No entanto, depois que o INPE relatou um grande aumento na taxa de desmatamento da Amazônia brasileira em junho e julho de 2019, em comparação com os mesmos meses de 2018, o governo Bolsonaro respondeu agressivamente acusando a agência de manipular dados, de mentir e de estar em conspiração com ONGs internacionais.

  • Em 2 de agosto, o presidente demitiu Ricardo Magnus Osório Galvão, chefe do INPE, deixando oficiais dentro da instituição preocupados com o futuro do programa de monitoramento por satélite. O governo disse repetidamente que planeja desenvolver um sistema de rastreamento de desmatamento privatizado caro que substituiria o INPE.

  • A remoção de Galvão provocou protestos de cientistas, ONGs e promotores federais brasileiros preocupados com a ameaça à precisão futura do monitoramento do desmatamento na Amazônia. O governo Bolsonaro planeja anunciar uma substituição em breve.

Após um mês de intensificação das críticas do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro sobre dados que revelam um aumento no desmatamento na Amazônia brasileira nos últimos meses, o presidente brasileiro demitiu o chefe da agência governamental encarregada de rastrear a perda da floresta, levantando preocupações sobre o futuro de uma instituição reconhecida nacionalmente e internacionalmente por seu programa de imagem e monitoramento de satélite de ponta.

Em 2 de agosto, Bolsonaro demitiu o chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Ricardo Magnus Osório Galvão. O anúncio foi feito pelo próprio Galvão, após reunião com o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes.

“Diante da maneira que eu me manifestei com relação ao presidente criou um constrangimento que é insustentável. Então eu serei exonerado” afirmou Galvão a jornalistas em Brasília.

Legenda da foto: Físico Ricardo Magnus Osório Galvão, ex-chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Imagem cortesia de Giro720 CC BY-SA 4.0.

Em julho, o INPE emitiu um alerta identificando desmatamento e degradação totalizando cerca de 2.072 quilômetros quadrados em junho para a Amazônia Legal – uma designação federal que inclui todos ou parte de nove estados brasileiros – como detectado pelo DETER, o sistema de detecção em tempo real do instituto. O INPE observou que os alertas do DETER não devem ser usados como medidas exatas das taxas de desmatamento comparadas ano a ano; em vez disso, os números visam apoiar a vigilância e a aplicação.

No entanto, uma comparação mês a mês entre 2018-2019 mostra um aumento drástico no desmatamento. De acordo com o DETER, o desmatamento da Amazônia brasileira em junho de 2019 foi 88% maior do que no mesmo mês de 2018, enquanto o desmatamento na primeira quinzena de julho foi 68% superior 68% superior.

O INPE não está programado para publicar sua detalhada análise anual de desmatamento em 2019 (conduzida entre agosto e julho pelo sistema de monitoramento por satélite PRODES) até o final deste ano. O PRODES avalia o desmatamento anual usando imagens de satélite da NASA Landsat. Os dados coletados de agosto de 2017 a julho de 2018 detectaram um aumento no desmatamento de 7.536 quilômetros quadrados na Amazônia Legal, o que representou um aumento de 8,5% em relação a 2017, medido de agosto de 2016 a julho de 2017, quando uma área de 6.947 quilômetros quadrados foi limpa.

Especialistas recentemente contatados pela Mongabay endossaram a imagem de satélite de ponta do INPE usada para rastrear a perda de florestas e rejeitaram as acusações do governo Bolsonaro de manipulação de dados. O governo não ofereceu nenhuma evidência significativa para sustentar suas acusações de que os dados do INPE são imprecisos.

Além de duvidar da legitimidade dos dados do INPE, Bolsonaro também criticou o funcionamento do INPE, alegando que ele deveria ter sido notificado antes que as estatísticas mensais de desmatamento fossem divulgadas. Um dia antes da demissão de Galvão, Bolsonaro o acusou de trabalhar em conspiração com “uma ONG“. O governo acusou repetidamente organizações sem fins lucrativos internacionais que trabalham na Amazônia brasileira de influenciar indevidamente as políticas ambientais nacionais do Brasil – incluindo a participação de ONGs na implementação do Fundo Amazônia, há muito vista como uma iniciativa bastante bem-sucedida para conter o desmatamento na Amazônia.

“Se toda essa devastação de que vocês nos acusam de estar fazendo e ter feito no passado, a Amazônia já teria sido extinta, seria um grande deserto”, afirmou Bolsonaro em uma entrevista coletiva no dia 1 de agosto, quando ele descartou os números do INPE. “A questão do Inpe, eu tenho a convicção que os dados são mentirosos… No nosso sentimento, isso não condiz com a realidade. Até parece que ele [Galvão] está a serviço de alguma ONG, que é muito comum.”

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, conversa com jornalistas em Brasília em julho de 2019. Imagem de Carolina Antunes / Presidência do Brasil via Flickr Commons (CC BY 2.0).

Futuro preocupante

A remoção de Galvão provocou protestos de cientistas, ONGs, promotores federais e funcionários do INPE. “Bolsonaro sabe que seu governo é o principal responsável pelo atual cenário de destruição da Amazônia. A exoneração do diretor do Inpe é apenas um ato de vingança contra quem mostra a verdade,” afirmou Márcio Astrini, coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil, em comunicado.

“O novo governo vem implementando no país um projeto antiambiental, que sucateia a capacidade do Estado de combater o desmatamento e favorece quem pratica o crime florestal. E agora, na hora de encarar as consequências de suas decisões, tenta esconder a verdade de maneira vergonhosa e culpando terceiros”, adicionou Astrini.

O gabinete de Bolsonaro não comentou a exoneração de Galvão. Em vez disso, encaminhou uma declaração do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações que confirmou a demissão, agradeceu a Galvão por seu trabalho e afirmou que a escolha de um novo chefe será feita com base no “mérito necessário [necessário para] a posição.”

Dois funcionários do INPE que conversaram com Mongabay sob condição de anonimato expressaram “sérias preocupações” não apenas sobre quem será o próximo chefe da instituição, mas também sobre o futuro do sistema de monitoramento de décadas do INPE.

“Estou muito preocupado com o futuro. Eu me preocupo muito em garantir que os sistemas continuem funcionando como estão, com transparência … espero que o governo não pare nosso trabalho “, disse o funcionário do INPE ao Mongabay.

“A exoneração de Galvão foi chocante para nós. É assustador ter um presidente que desacredita uma instituição científica que tem seu trabalho reconhecido em todo o mundo, simplesmente devido a seus interesses políticos … É um desrespeito completo às pessoas dedicadas à ciência, educação e cultura. Estamos sendo repreendidos. Os cientistas estão assustados”, disse um segundo funcionário do INPE.

Segundo este funcionário, os ataques do governo contra o INPE parecem uma estratégia para desacreditar a instituição, a fim de pavimentar o caminho para estabelecer um sistema privado para monitorar o desmatamento do país. Em março, o jornal Folha de S.Paulo informou que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, estava preparando um sistema privado alternativo ao usado pelo INPE, a um custo de pelo menos US $ 8,5 milhões, usando imagens de satélite fornecidas pela Planet, empresa sediada nos EUA. Segundo o jornal, atualmente o INPE paga cerca de US $ 150.000 anualmente pelas imagens de satélite da NASA Landsat, usadas para avaliar as taxas anuais de desmatamento do PRODES, enquanto os alertas do DETER usam imagens dos satélites CBERS, sino-brasileiros, que são gratuitos.

Em um comunicado enviado à Mongabay em 8 de agosto, o Planet afirmou que não foi contratado “como um empreiteiro alternativo exclusivo do INPE por US $ 8,5 milhões”, acrescentando que a empresa não possui contrato com a administração do governo brasileiro. “Como um provedor de dados não exclusivo, nossos dados contribuíram para as avaliações do INPE via MapBiomas e é provável que nossos dados tenham e serão usados em quaisquer avaliações futuras também. Novamente, como somos um provedor de dados não exclusivo, não estamos contribuindo com análise para nenhuma entidade”, afirmou Planet.

A remoção e o substituto de Galvão ainda não foram publicados no Diário Oficial da União. Em entrevista à Rádio Eldorado em 5 de agosto, Pontes disse que o novo chefe do INPE será anunciado em 6 de agosto. Segundo o ministro, um oficial da Força Aérea e um pesquisador de doutorado com experiência em desmatamento estão no topo da lista.

Legenda da imagem da faixa: Desmatamento na Amazônia Brasileira no estado de Rondônia. Esta imagem de satélite de 2016 mostra a fumaça de incêndios que normalmente são usados para limpar a floresta tropical em preparação para pastagem e agricultura. Imagem cortesia de Planet Labs, Inc CC BY-SA 4.0.

Artigo original: https://news.mongabay.com/2019/08/future-of-amazon-deforestation-data-in-doubt-as-research-head-sacked/

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