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Desmatamento e crise climática podem prejudicar a diversidade de árvores da Amazônia — Estudo

  • Novas pesquisas constatam que, quando os impactos da mudança climática e do desmatamento são considerados em conjunto, até 58% da riqueza de espécies arbóreas da Amazônia pode ser perdida até 2050, dos quais, 49% apresentam algum grau de risco de extinção.

  • No cenário de desmatamento/mudança climática, metade da Amazônia (norte, centro e oeste) poderia ser reduzida para 53% da floresta original. A outra metade (leste, sul e sudeste, onde ocorre o agronegócio), pode ficar extremamente fragmentada, restando apenas 30% da floresta.

  • Os estudos raramente levam em consideração as mudanças climáticas e o desmatamento. Mas os resultados do novo estudo reforçam as constatações de outros cientistas que modelaram resultados mostrando que quando a Amazônia é 20 a 25% desmatada, poderia atravessar uma floresta tropical até o ponto de inflexão da conversão da savana, um desastre para a biodiversidade.

  • Os cientistas alertam que as políticas antiambientais de Jair Bolsonaro podem resultar em um cenário pessimista, com graves danos à floresta amazônica e a seus serviços ecológicos, incluindo a perda do sequestro de vastas quantidades de carbono armazenado, levando a uma intensificação das mudanças climáticas no cenário regional e global.

A floresta amazônica é uma fábrica de nuvens e tem uma enorme influência sobre as condições meteorológicas e o clima da América do Sul. Mas a combinação do desmatamento com as mudanças climáticas pode diminuir bastante a extensão e a diversidade da floresta tropical. Imagem cortesia de Hans ter Steege.

O impacto combinado do desmatamento contínuo e da mudança climática em expansão na floresta amazônica pode transformar radicalmente sua configuração até 2050, com o bioma dividido em dois blocos distintos: um ocupado por floresta tropical ainda significativa, mas muito seriamente diminuída, o outro dominado pelo agronegócio e pela floresta dispersa dentro de áreas conservadas.

Essa mudança, se ocorresse, poderia resultar em um declínio de até 58% da riqueza das espécies arbóreas da Amazônia, das quais, 49% teriam algum grau de risco de extinção (com as espécies de árvores se tornando vulneráveis, ameaçadas ou criticamente ameaçadas), de acordo com um novo estudo publicado no Nature Climate Change

Os autores do artigo, quatro pesquisadores do Brasil e da Holanda, determinaram que o desmatamento e a mudança climática precisavam ser examinados em conjunto, e não separadamente, como em geral é feito, a fim de determinar um cenário futuro realista.

Para surpresa dos pesquisadores, quando os efeitos foram combinados em seus modelos, o número de perdas de espécies arbóreas foi muito alto.

No cenário de desmatamento/mudança climática, metade da Amazônia (porções norte, central e oeste) seria reduzida para 53% da floresta original, embora ainda com áreas contínuas. A outra metade (porções leste, sul e sudeste, onde atualmente ocorrem as atividades do agronegócio) se tornaria extremamente fragmentada, restando apenas 30% da floresta; a vegetação remanescente seria encontrada principalmente em áreas protegidas e reservas indígenas.

Mapa mostrando as projeções de cobertura florestal para 2050. Apenas metade da floresta amazônica pode permanecer em 2050 no pior cenário combinado de desmatamento/clima. As áreas azuis mostram um bloco contínuo de floresta amazônica relativamente intacto, composto pelo noroeste e centro da Amazônia, o Escudo das Guianas e uma parte menor do sudoeste da Amazônia. As áreas vermelhas são um bloco florestal amazônico em grande parte degradado e fragmentado, composto pelas porções leste, sul e uma parte importante do sudoeste da Amazônia. As áreas amarelas claras indicam perda de floresta. Imagem de © Esri, DeLorme Publishing Company, Arcworld.

Dois cenários para 2050 foram destacados pelo estudo, um mais otimista — em que as metas de carbono do Acordo Climático de Paris são atingidas e a temperatura global aquece em menos de 2 graus Celsius — e outro mais pessimista com base nas recentes tendências em ascensão no desmatamento e emissões de CO2.

No cenário mais pessimista, as espécies arbóreas da Amazônia perderiam até 65% de sua área de distribuição espacial (onde vivem e se reproduzem) e até 58% de sua diversidade; 49% estariam ameaçadas de extinção, das quais, 22% estariam em perigo crítico, de acordo com os critérios de extinção de espécies ameaçadas da IUCN.

Mesmo o cenário mais otimista “não indica um futuro promissor”, disse à Mongabay Vitor Gomes, cientista ambiental da Universidade Federal do Pará e principal autor do estudo. Esse cenário prevê uma perda de riqueza de espécies arbóreas de até 43% e um declínio na área de distribuição dessas espécies de até 53%. Nesse cenário, 48% das espécies de árvores seriam ameaçadas, das quais, 11% seriam criticamente ameaçadas.

“O estudo deve ser visto como um grande aviso”, disse Ima Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi e coautora do estudo. “Isso mostra que, se o desmatamento é atualmente a maior causa de perda de habitat na Amazônia, nos próximos trinta anos provavelmente será superado pela mudança climática, que opera em todo o bioma e pode reduzir sozinha a diversidade de espécies em até 37%”.

“Não estava tão claro para nós o quanto o clima poderia afetar a floresta no futuro”, acrescentou Gomes. “O desmatamento não é mais a única grande ameaça à Pan-Amazônia”, uma designação de bioma que inclui partes de nove países sul-americanos.

Excluindo os impactos das mudanças climáticas, o desmatamento sozinho poderia causar perdas de diversidade de espécies da Amazônia de 19% (no melhor cenário) ou 36% (no pior), enquanto as mudanças climáticas poderiam causar reduções de 31% a 37%, respectivamente.

Rio Negro, na Amazônia. O novo estudo não oferece conclusões sobre como um declínio drástico na cobertura florestal pode impactar os rios e aquíferos da Amazônia, embora outros estudos apontem para um aumento severo da seca que reduziria drasticamente a água disponível para os ecossistemas e o agronegócio. Imagem cortesia de Hans ter Steege.

Não há tempo para migração

Os pesquisadores analisaram a área de distribuição atual de 6.394 espécies de árvores com dados disponíveis entre as 10.071 espécies conhecidas da Amazônia. Eles então compararam esses dados com os dados históricos (1950-2000) e com os dados projetados de desmatamento (até 2050), juntamente com os cenários climáticos atuais e futuros, conforme determinado pelo IPCC das Nações Unidas (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima das Nações Unidas).

Deste total de dados de espécies, eles eliminaram espécies raras com registros insuficientes disponíveis para produzir modelos de distribuição e espécies sem modelos estatisticamente significativos, deixando um total de 4.935 espécies.

O mapeamento dos locais onde as espécies podem ser encontradas hoje é importante para obter limites de temperatura e precipitação nos quais elas estão aparentemente em melhor situação.

“As árvores encontrarão condições menos favoráveis [à medida que a mudança climática aumenta] para continuar existindo e se propagando”, explicou Gomes. “Por serem estáticas, demoram a migrar para novas áreas por meio de dispersores e polinizadores [como vento, água e animais]”. O estudo fornece como referência o Holoceno, um período geológico iniciado cerca de 11.600 anos atrás, quando as mudanças climáticas fizeram com que as comunidades arbóreas da Amazônia expandissem sua distribuição para o sul.

“Foram necessários 3.000 anos para avançar quase 100 quilômetros. A mudança climática induzida pelo homem está acontecendo agora, e as árvores não poderão se mover em 30 anos ou mais, a mais de 300 quilômetros, a distância a que os climas mais adequados podem estar em relação às atuais áreas de distribuição [em 2050]. Sem mencionar que as áreas desmatadas [causadas pelo agronegócio e demais desenvolvimentos humanos] tornam ainda mais difícil o avanço das árvores depois que a barreira é criada”, afirmou Gomes.

Espécies de árvores encontradas na metade inferior da Amazônia — como a Protium altissimum (Aubl.) Marchand, a segundo mais abundante no bioma, por exemplo — pode enfrentar uma séria ameaça de extinção, pois a espécie sofre perdas de até 50% de sua área de distribuição adequada. Enquanto a Eperua falcata Aubl., comum no Escudo das Guianas, pode perder até 63% de sua área de distribuição adequada.

Floresta tropical perto de Manaus, capital do estado do Amazonas. No cenário de desmatamento/mudança climática, metade da Amazônia poderia ser reduzida para 53% da floresta original, enquanto a outra metade (onde ocorre o agronegócio), poderia ficar extremamente fragmentada, restando apenas 30% da floresta. Imagem cortesia de Hans ter Steege.

Concordância com estudos anteriores

Carlos Nobre, um respeitado climatologista brasileiro e pesquisador sênior da Universidade de São Paulo, juntamente com Thomas Lovejoy, um ecologista americano da Universidade George Mason, estimaram que o desmatamento e a mudança climática combinados podem fazer com que grande parte do bioma Amazônia passe por uma conversão de floresta tropical em savana quando cerca de 20 a 25% do bioma for desmatado.

Nobre comentou o novo estudo: “Os resultados são bastante credíveis como projeções do efeito sinérgico das mudanças climáticas devido ao aquecimento global e ao desmatamento na distribuição de espécies na Amazônia. Em nossos estudos, vimos a floresta tropical como um bioma, não espécie por espécie, como em seu estudo, e analisamos os riscos de mudanças no tipo de vegetação — ou seja, a floresta sendo substituída por uma savana”.

No entanto, “os resultados desses dois tipos de análise são semelhantes: impactos mais elevados no sul e leste da Amazônia, enquanto a floresta permaneceria no oeste”, disse Nobre. “O estudo reforça enfaticamente nossas projeções e recomendações para um modelo de desenvolvimento com zero desmatamento ou, melhor ainda, a restauração de grandes áreas desmatadas” na Amazônia.

Paulo Brando, ecologista do Woods Hole Research Center, em Massachusetts, nos EUA, observou que “a divisão da Amazônia no meio não é necessariamente uma surpresa. Estudos anteriores, como de Duffy et al. 2015, mostraram que o leste da Amazônia poderia ser mais seco e quente com as mudanças climáticas, enquanto o oeste seria mais chuvoso. Dito isto, os resultados são de imensa importância para a conservação da floresta tropical.

“Com a redução do desmatamento, o Brasil poderia evitar a perda de áreas de ocupação de centenas de espécies. Sem um esforço global para estabilizar o clima, no entanto, algumas espécies ainda seriam ameaçadas. Assim, reduzir o desmatamento ajudaria não apenas a estabilizar o clima, mas também a evitar a perda de habitat”, concluiu Brando.

A Amazônia equatoriana. Novas pesquisas apontam para um drástico declínio na diversidade de espécies arbóreas da Amazônia se o aumento do desmatamento e o agravamento das mudanças climáticas não forem controlados. Mas a atual situação política, especialmente no Brasil, onde o presidente de extrema direita Jair Bolsonaro chegou ao poder este ano, parece improvável que promova iniciativas de proteções florestais ou climáticas mais intensas. Imagem cortesia de Hans ter Steege.

Áreas (des)protegidas

A nova pesquisa também destaca o papel fundamental da rede atualmente existente de áreas protegidas e terras indígenas na Amazônia. Essas áreas podem ajudar a amortecer a perda de diversidade de espécies contra impactos futuros.

“Embora [as árvores dentro de áreas protegidas] não sejam totalmente imunes às mudanças climáticas, nossos modelos mostram que as florestas fora das áreas protegidas podem perder até um terço a mais de espécies”, comentou Gomes. “É por isso que a preservação [das áreas conservadas] e a criação de corredores entre elas são tão necessárias, permitindo a dispersão biológica e a migração dos animais. Caso contrário, restarão apenas manchas de floresta na Amazônia”.

Vieira, do Museu Paraense (vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações), disse que não é difícil imaginar o cenário de estudo mais pessimista se tornando realidade, dado o problema que as nações do mundo estão tendo para alcançar suas metas de redução de carbono expressas no Acordo de Paris de 2015, bem como a dificuldade que o Brasil teve no controle do desmatamento, primeiro na administração Temer e agora sob o governo de Bolsonaro.

Em junho de 2019, o desmatamento na Amazônia brasileira aumentou 88% em comparação com o mesmo mês de 2018 e, embora esse resultado seja preliminar, muitos analistas temem que 2019 possa mostrar um aumento anual significativo no desmatamento.

No entanto, o país não está respondendo ao conter o desmatamento, mas suas políticas parecem incentivar o contrário. Em maio, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, propôs uma reavaliação de todas as 334 unidades federais de conservação, com o objetivo de reduzir o tamanho de algumas e abolir outras. Mais recentemente, ele declarou, sem oferecer nenhuma evidência científica, que o Brasil já atingiu “zero de desmatamento relativo”, ou seja, o desmatamento na Amazônia representa, segundo ele, “0,002% do bioma”. Mais tarde, ele disse que o número correto é 0,16%.

Vieira respondeu: “Existe um cenário político desfavorável ao meio ambiente no país, com cortes orçamentários nas áreas ambiental e científica, redução de operações de controle e fiscalização ambiental, retrocessos na legislação ambiental, congelamento de demarcações de terras indígenas e ameaça de abertura [de reservas indígenas] para atividades de mineração.

“Para salvar a Amazônia da destruição, as iniciativas devem considerar uma visão integrada da região, políticas públicas de longo prazo, respeito à legislação ambiental, bem como aos territórios e povos indígenas, e deve haver forte pressão econômica para restringir a venda de produtos de áreas desmatadas e áreas protegidas da Amazônia”, concluiu Vieira.

Citação:

Gomes, V. H. F., Vieira, I. C. G., Salomão, R.P., & ter Steege, H. (2019). Amazonian tree species threatened by deforestation and climate change. Nature Climate Change, 9(7), 547-553.

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