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Noruega congela repasse ao Fundo Amazônia; acordo comercial UE/Brasil em risco?

  • Dia 15 de agosto, a Noruega anunciou um congelamento de US$ 33,2 milhões em doações ao Fundo Amazônia previstas para projetos destinados a conter o desmatamento na Amazônia brasileira. O Fundo Amazônia para REDD+ foi lançado em 2008 e esperava-se que continuasse indefinidamente.

  • No entanto, as políticas antiambientais do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, colocaram o futuro do Fundo em sérias dúvidas. O congelamento da Noruega veio como resultado direto da ação unilateral do governo Bolsonaro de alterar drasticamente as regras de administração do fundo, mesmo quando as taxas mensais de desmatamento disparavam no Brasil.

  • Bolsonaro parece não se importar com a perda do financiamento. No entanto, alguns analistas alertam que a decisão da Noruega poderia levar à recusa da União Europeia em ratificar o recém-concluído acordo do bloco comercial UE/Mercosul para a América Latina. A economia conturbada do Brasil precisa muito do pacto para ser ativada.

  • Outros críticos de Bolsonaro levantaram a perspectiva de que o congelamento do Fundo Amazônia possa ser o primeiro passo para um boicote global ao consumidor de commodities brasileiras. Enquanto isso, os governos estaduais no Brasil estão se esforçando para acelerar e aceitar o financiamento de redução de desmatamento de doadores internacionais.

Caminhões carregados com árvores colhidas ilegalmente dentro de uma reserva indígena. A retórica e as políticas do governo Bolsonaro são cada vez mais vistas como colocando em risco os prósperos ecossistemas amazônicos com a expansão do agronegócio e da mineração. Foto de Sue Branford/Mongabay.

Ola Elvestrun, ministro do Meio Ambiente da Noruega, anunciou na quinta-feira, dia 16 de agosto, que está congelando suas contribuições para o Fundo Amazônia e não transferirá mais 300 milhões de coroas norueguesas (US$ 33,2 milhões) para o Brasil. Em um comunicado à imprensa, a embaixada da Noruega no Brasil declarou: “Dadas as circunstâncias atuais, a Noruega não possui a base legal ou técnica para fazer sua contribuição anual ao Fundo Amazônia”.

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro reagiu com sarcasmo à decisão da Noruega, que era amplamente esperada. Após um evento oficial, ele comentou: “A Noruega não é o país que mata baleias no Polo Norte? Também não produz petróleo? Ela não tem base para nos dizer o que fazer. Deveria dar o dinheiro à Angela Merkel [a chanceler alemã] para reflorestar a Alemanha”.

De acordo com seu site, o Fundo Amazônia é um mecanismo de “REDD+ [Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação] criado para angariar doações para investimentos não reembolsáveis em esforços para prevenir, monitorar e combater o desmatamento, além de promover a preservação e o uso sustentável na Amazônia brasileira”. A maior parte do financiamento é proveniente da Noruega e da Alemanha.

A transferência anual de fundos de doadores de países desenvolvidos para o Fundo Amazônia depende de um relatório do comitê técnico do Fundo. Esse comitê se reúne depois que o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que reúne dados oficiais do desmatamento na Amazônia, publica seu relatório anual com os números definitivos para o desmatamento no ano anterior.

Mas este ano, o comitê técnico do Fundo Amazônia, juntamente com o seu comitê diretor, COFA, foram abolidos pelo governo Bolsonaro em 11 de abril, como parte de uma ação abrangente para dissolver cerca de 600 órgãos, a maioria dos quais com envolvimento de ONGs. O governo Bolsonaro vê o trabalho das ONGs no Brasil como uma conspiração para minar a soberania brasileira.

O governo brasileiro exigiu mudanças de longo alcance na maneira como o Fundo é administrado, conforme documentado em um artigo anterior. Como resultado, o comitê técnico do Fundo Amazônia não pôde se reunir; a Noruega diz que, portanto, não pode continuar fazendo doações sem um relatório favorável do comitê.

Silos de soja da Archer Daniels Midland, no Mato Grosso, ao longo da rodovia BR-163, onde a floresta amazônica foi amplamente substituída pela soja destinada à UE, Reino Unido, China e outros mercados internacionais. Foto de Thaís Borges.

Um futuro incerto

O Fundo Amazônia foi anunciado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em 2007, em Bali, durante um período em que os ambientalistas ficaram alarmados com a taxa crescente de desmatamento na Amazônia brasileira. Foi criado como uma forma de incentivar o Brasil a continuar reduzindo a taxa de conversão de florestas em pastagens e áreas de cultivo.

Agências governamentais, como o IBAMA, a agência ambiental do Brasil, e ONGs compartilharam doações do Fundo Amazônia. O IBAMA usou o dinheiro principalmente para fazer cumprir as leis de desmatamento, enquanto as ONGs supervisionaram projetos para apoiar comunidades e meios de subsistência sustentáveis na Amazônia.

Houve alguma controvérsia sobre a questão, se o Fundo realmente alcançou seus objetivos: nos três anos anteriores ao acordo, a taxa de desmatamento caiu drasticamente, mas, depois que o dinheiro do Fundo começou a ser usado na Amazônia, a taxa permaneceu razoavelmente estacionária até 2014, quando começou a subir novamente. Mas, em geral, os doadores internacionais ficaram satisfeitos com o desempenho do Fundo e, até que o governo Bolsonaro assumisse o cargo, esperava-se que o programa continuasse indefinidamente.

A Noruega foi o principal doador (94%) para o Fundo Amazônia, seguido pela Alemanha (5%) e pela petrolífera estatal brasileira Petrobrás (1%). Nos últimos 11 anos, os noruegueses deram, de longe, a maior contribuição: R$ 3,2 bilhões (US$ 855 milhões), do total de R$ 3,4 bilhões (US$ 903 milhões).

Até agora, o Fundo aprovou 103 projetos, com a dispersão de R$ 1,8 bilhão (US$ 478 milhões). Esses projetos não serão afetados pelo congelamento de recursos da Noruega porque os doadores já forneceram o financiamento e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é contratualmente obrigado a desembolsar o dinheiro até o final dos projetos. Mas existem outros 54 projetos, atualmente em análise, cujo futuro é muito menos seguro.

Um dos projetos deixados pela dissolução dos comitês do Fundo é o Projeto Frutificar, que deve ser um projeto de três anos, com um orçamento de R$ 29 milhões (US$ 7,3 milhões), para a produção de açaí e cacau por 1.000 pequenos agricultores nos estados do Amapá e Pará. O projeto foi elaborado pela ONG brasileira IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia).

Paulo Moutinho, pesquisador do IPAM, contou ao Jornal Globo: “Nosso programa estava pronto para começar quando o governo [brasileiro] pediu mudanças na operação do Fundo. Agora, está parado no BNDES. Sem os recursos da Noruega, não sabemos o que vai acontecer com ele”.

A Noruega não é a única nação europeia a reconsiderar a forma como financia projetos ambientais no Brasil. A Alemanha possui muitos projetos ambientais no país latino-americano, além de sua pequena contribuição para o Fundo Amazônia, e está profundamente preocupada com a maneira como a taxa de desmatamento tem aumentado este ano.

O ministério alemão do meio ambiente disse à Mongabay que sua ministra, Svenja Schulze, decidiu suspender o apoio financeiro a projetos de florestas e biodiversidade no Brasil, com 35 milhões de euros (US$ 39 milhões) para vários projetos agora congelados.

O ministério explicou o motivo: “A política do governo brasileiro na Amazônia suscita dúvidas se uma redução consistente nas taxas de desmatamento ainda está sendo realizada. Somente quando a clareza for restaurada, a colaboração do projeto pode ser continuada”.

Minas de bauxita em Paragominas, Brasil. O governo Bolsonaro está exigindo novas leis que permitam a mineração em larga escala nas reservas indígenas do Brasil. Foto de Hydro/Halvor Molland encontrada no flickr..

Fundos alternativos para a Amazônia

Embora certamente ocorra uma interrupção no curto prazo como resultado da paralisia do Fundo Amazônia, os governadores dos estados amazônicos do Brasil, que dependem de financiamento internacional para seus projetos ambientais, já estão se esforçando para criar canais alternativos.

Em comunicado divulgado em 15 de agosto, Helder Barbalho, governador do Pará, estado com o maior número de projetos financiados pelo Fundo, disse que fará todo o possível para manter e aumentar sua parceria estadual com a Noruega.

Barbalho havia anunciado anteriormente que seu estado receberia 12,5 milhões de euros (US$ 11,1 milhões) para administrar centros de monitoramento de desmatamento em cinco regiões do Pará. Barbalho disse: “Os sistemas estaduais de monitoramento acusam uma elevação acentuada do desmatamento em território paraense como também na Amazônia. O financiamento cabe àqueles que desejem ajudar [o governo do Pará a reduzir o desmatamento] e colaborar, sem que isto possa sendo interpretado como uma intervenção internacional”.

O estado do Amazonas tem parcerias de financiamento com a Alemanha e está negociando acordos com a França. “Estou conversando com outros países que têm interesse, principalmente os europeus, em investir em projetos na Amazônia”, disse o governador do Amazonas, Wilson Miranda Lima. “E é importante olhar a Amazônia não só do ponto de vista da preservação, mas também é importante olhar e esse é mais importante, é o cidadão que tá na Amazônia. Não tem como você preservar a Amazônia com pobreza”.

Assinatura do acordo comercial UE/Mercosul da América Latina no início deste ano. O pacto ainda precisa ser ratificado. Imagem cortesia do Conselho de Assuntos Hemisféricos (Coha).

Dificuldades internacionais iminentes

A aparente relutância do governo Bolsonaro em tomar medidas eficazes para conter o desmatamento pode, a longo prazo, levar a um problema muito mais sério do que a paralisia do Fundo Amazônia.

Em junho, a União Europeia e o Mercosul, o bloco comercial sul-americano, chegaram a um acordo para criar o maior bloco comercial do mundo. Se tudo correr como planejado, o pacto representaria um quarto da economia mundial, envolvendo 780 milhões de pessoas, e eliminaria as tarifas de importação de 90% dos bens comercializados entre os dois blocos. O governo brasileiro previu que o acordo levará a um aumento de quase US$ 100 bilhões nas exportações brasileiras, principalmente produtos agrícolas, até 2035.

Mas o grande aumento deste ano no desmatamento da Amazônia está levando alguns países europeus a pensar duas vezes em ratificar o acordo. Em entrevista à Mongabay, o ministério alemão do meio ambiente deixou muito claro que a Alemanha está muito preocupada com os eventos na Amazônia: “Estamos profundamente preocupados, dado o ritmo de destruição no Brasil… A Floresta Amazônica é vital para a circulação atmosférica e considerada um dos pontos críticos do sistema climático”.

O ministério afirmou que, para que o acordo comercial prossiga, o Brasil deve cumprir seu compromisso sob o Acordo Climático de Paris de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo do nível de 2005 até 2030. O ministério alemão do meio ambiente disse: para que o acordo comercial prossiga, “é necessário que o Brasil esteja implementando efetivamente seus objetivos de mudança climática adotados sob o Acordo de Paris. É precisamente esse compromisso que é expressamente confirmado no texto do Acordo de Livre Comércio UE-Mercosul”.

Blairo Maggi, ministro da Agricultura do Brasil sob o governo Temer, e um dos principais acionistas da Amaggi, a maior empresa de comércio de mercadorias de propriedade do Brasil, falou muito pouco em público desde que Bolsonaro chegou ao poder; ele esteve “em um retiro voluntário”, como diz. Mas Maggi está tão preocupado com o dano que as observações e as políticas de improviso de Bolsonaro esteja causando às relações internacionais que ele decidiu falar no início desta semana.

O ex-ministro da Agricultura do Brasil, Blairo Maggi, quebrou um silêncio autoimposto de criticar o governo Bolsonaro, dizendo que sua retórica e políticas poderiam ameaçar o comércio internacional de commodities no Brasil. Crédito da foto: Senado Federal via Visualhunt/CC BY.

Maggi, um ruralista que apoia intensamente o agronegócio contou ao jornal Valor Econômico, que, mesmo que a União Europeia não chegue a um acordo que demorou 20 anos para negociar, poderia haver longos atrasos. “Essas confusões ambientais poderiam criar uma situação para a UE dizer que o Brasil não estaria cumprindo as regras”. Maggi especulou. “A França não quer o acordo. Talvez isso seja aproveitado para não se chegar ao acordo. Ou pode demorar mais tempo para o Parlamento Europeu ratificar o acordo — três, cinco anos”.

Esse atraso pode ter graves repercussões para a economia brasileira em dificuldades, que depende fortemente de seu comércio de commodities com a UE. Os analistas dizem que os receios de Bolsonaro sobre esse resultado podem ser uma das razões de sua reunião em outubro, recém-anunciada recém-anunciada.

Maggi está preocupado com outra consequência potencial ainda mais alarmante do fracasso de Bolsonaro em impedir o desmatamento ilegal — o Brasil pode ser atingido por um boicote por seus clientes estrangeiros. “Não tem essa que o mundo precisa do Brasil… Somos apenas um ‘player’ e, pior: substituível”. Maggi alerta: “Como exportador que sou, lhe digo: as coisas estão apertando cada vez mais. Há anos o Brasil vinha defendendo preservação com produção… mas com esse discurso [do governo Bolsonaro], voltamos à estaca zero… Podemos sim ter fechamento de mercado”.

Artigo original: https://news.mongabay.com/2019/08/norway-freezes-support-for-amazon-fund-eu-brazil-trade-deal-at-risk/

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