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Especialistas negam suposta manipulação de dados de satélite sobre desmatamento da Amazônia

  • O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) emite relatórios anuais sobre o desmatamento da Amazônia por meio de seu sistema de monitoramento por satélite PRODES (que se baseia nas imagens do satélite da NASA Landsat), enquanto que o sistema DETER emite alertas mensais sobre desmatamento/degradação (que se baseia em satélites sino-brasileiros).

  • Embora especialistas considerem que os sistemas de monitoramento do INPE estejam entre os melhores das regiões tropicais, ministros da administração Bolsonaro insinuaram que os dados de desmatamento podem ter sido manipulados. Especialistas negaram essa alegação e constatam que as descobertas do INPE estão bem alinhadas com as compiladas pelas ONGs Imazon, ISA e Global Forest Watch (GFW).

  • Todos os dados compilados de várias fontes, até então, mostram uma ascensão no desmatamento desde a vitória eleitoral de Jair Bolsonaro. No entanto, estatísticas precisas e definitivas exigem comparações anuais, não mensais, e não estarão disponíveis até o final de 2019.

  • Em março, o ministro no meio ambiente anunciou um novo sistema de rastreamento de desmatamento privado, porém de alto custo. Em junho, a plataforma de acesso aberto MapBiomas  uma rede de ONGs, universidades e empresas de tecnologia, junto com o Google  lançou um sistema para compilar dados do INPE, ISA, Imazon e GFW para produzir dados definitivos sobre o desmatamento.

Imagem de satélite do padrão de desmatamento comum em forma de espinha de peixe criado quando uma estrada principal, mais estradas vicinais, penetram na Amazônia, fornecendo acesso à floresta para extração de madeira, abertura de pastos e áreas agrícolas. Cortesia de imagem da NASA.

Um aumento nos índices de desmatamento da Amazônia brasileira, junto com alertas de desmatamento durante o primeiro semestre de 2019, incitou alguns ministros a desafiar a precisão de um sistema de monitoramento usado há décadas pelo governo, sem controvérsia, para monitorar a perda florestal.

Especialistas procurados para comentar sobre essa questão disseram à Mongabay que as acusações não têm fundamento e defenderam a tecnologia de produção de imagem por satélite de ponta do país usada para monitorar o desmatamento, cujos resultados são confirmados por sistemas de monitoramento independentes de âmbito nacional e internacional.

O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE) emitiu um alerta em julho, especificando o desmatamento e a degradação que totalizou 2.072 km2 (800 milhas quadradas) em junho para a Amazônia Legal, conforme detectado pelo DETER, o sistema de detecção em tempo real do instituto. As áreas desmatadas correspondem a 44% do total, ou cerca de 911 km2 (352 milhas quadradas).

Quando os números foram liberados, o INPE observou que alertas mensais do DETER não servem para serem usados como medidas exatas dos índices de desmatamento comparados anualmente, mas sim para fins estatísticos que suportam a vigilância e o reforço, pois fornecem informações sobre áreas que estão sofrendo desmatamento e que precisam ter prioridade de proteção em tempo real. Essas estatísticas “não devem ser entendidas como um índice de desmatamento mensal”, informou o INPE em um boletim informativo, acrescentando que os dados oficiais das áreas de desmatamento são compiladas pelo PRODES, cujo sistema de monitoramento faz comparações anuais do desmatamento desde 1988.

No final de junho, o INPE informou que o índice consolidado de desmatamento anual detectado pelo PRODES para 2018, medido de agosto de 2017 a julho de 2018, totalizou 7.536 km2 (2.910 milhas quadradas) na Amazônia Legal, uma denominação federal que inclui todos ou partes de nove estados brasileiros. Isso corresponde a um aumento de 8,5% em comparação a 2017, medido de agosto de 2016 a julho de 2017, quando uma área de 6.947 km2 (2.682 milhas quadradas) foi devastada.

As estimativas oficiais do PRODES para o desmatamento anual de 2019 não serão liberadas até o final do ano, mas as áreas desmatadas detectadas para os 12 meses terminando em maio de 2019, pelos sistemas de alerta do INPE e da ONG Imazon, totalizaram 4.633 km2 (1.633 milhas quadradas) e 4.916 km2 (1.898 milhas quadradas) respectivamente, representando um aumento de 1% e 43% sobre o ano anterior. Na verdade, a tendência pareceu pior no início de 2019, quando as áreas de devastação foram maiores que 5.000 km2 (1.930 milhas quadradas) de acordo com cada sistema.

A administração Bolsonaro reages

O DETER alerta que os números parecem ter provocado críticas de dois ministros da administração do presidente Jair Bolsonaro, dizendo que os índices de desmatamento da Amazônia estão superestimados e que, então, provocaram suspeitas de manipulação de dados por sua própria agência governamental.

“Esses índices de desmatamento estão manipulados. Se você acrescentar todas as porcentagens já anunciadas até o momento com relação ao desmatamento da Amazônia, ela já estaria deserta. No entanto, temos muito mais do que metade da Amazônia intocada”, disse Augusto Heleno, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional da presidência, em uma entrevista à BBC. Heleno não forneceu nenhuma evidência que respalde essa avaliação.

Em uma declaração, o Gabinete de Segurança Institucional esclareceu que o ministro não se referiu aos dados do INPE em nenhum momento durante a entrevista e que o uso da frase “manipulação dos índices de desmatamento” estava, na verdade, relacionado a uma pergunta do entrevistador com relação ao aumento da preocupação internacional sobre as propostas da administração Bolsonaro de explorar economicamente a Amazônia brasileira, o que poderia aumentar os índices de desmatamento.

Quando questionado se suas críticas sobre os índices de desmatamento se referiam às descobertas do INPE, o ministro disse que “ esses dados sobre o desmatamento precisam ser examinados”, mas depois acrescentou que a pergunta deveria ser direcionada ao Ministro do Meio Ambiente, de acordo com a declaração.

Imagem de satélite mostrando fumaça de incêndios ao longo da rodovia BR-163, o que aumentou o desmatamento no estado do Pará. Os incêndios são intencionalmente iniciados na Amazônia para limpar terras para pecuária e plantações, como a soja. Cortesia de imagem da NASA.

A Ministra da Agricultura Tereza Cristina também colocou recentemente em causa os dados de desmatamento. “O que precisamos no Brasil é ter os dados corretos e exclusivos. Quando temos dados conflitantes danos munição aos nossos concorrentes (agronegócio)”, disse ela em uma entrevista para a Rádio CBN. “Precisamos ter essas informações de forma muito segura em nossas mãos”. De acordo com Cristina, “há muitas distorções de informação” com relação ao desmatamento no Brasil, com incertezas nos dados causadas por nuvens que encobrem a visibilidade sobre algumas áreas da Amazônia durante a estação chuvosa.

A Ministra da Agricultura não respondeu aos pedidos de comentários.

A ministra está correta até certo ponto com relação à falta de confiança estatística do desmatamento por satélite, mas o INPE já está ciente disso e contabiliza essas incertezas. Os índices mensais de desmatamento são altamente variáveis devido aos sistemas de monitoramento não conseguirem penetrar na cobertura de nuvens, o que torna a comparação estimada com o mesmo mês no ano anterior não confiável, principalmente durante a estação chuvosa entre novembro e abril.

É por isso que especialistas se baseiam na comparação anual, de agosto a julho, para determinar os índices confiáveis de desmatamento. No entanto, alertas mensais de curto prazo podem fornecer algumas percepções úteis sobre as tendências, principalmente para indicar áreas que devem receber reforço de prioridade.

“Não há nenhuma evidência de manipulação de dados pelo INPE”, disse Carlos Souza, pesquisador associado da Imazon, instituto de pesquisa brasileiro. A Imazon é uma ONG que, como o INPE, monitora os índices mensais e anuais do desmatamento da Amazônia brasileira. “O desmatamento está aumentando desde 2012, mas na primeira metade do governo Bolsonaro essa tendência está mostrando uma aceleração nos dados do INPE e da Imazon. Como cientistas, cogitamos a hipótese de que o enfraquecimento da aplicação e do controle das políticas públicas ambientais acabem aumentando o desmatamento.”

Desde que Bolsonaro assumiu o cargo no início do ano, ele tem avançado com políticas controversas, incluindo planos de abrir reservas indígenas para mineração em larga escala e agronegócio, bem como passos constantes para enfraquecer leis e agências ambientais. No entanto, a maioria dessas políticas ainda precisa ser implementada oficialmente, portanto, provavelmente ainda não teria tido um impacto no desmatamento até o momento. Porém, alguns críticos dizem que a eleição de Bolsonaro encorajou madeireiras ilegais e grileiros a invadirem terras indígenas e cortas árvores na Amazônia, para o qual há fortes evidências.

“Esses sinais tendem a aumentar o risco de desmatamento em uma área”, disse Souza, acrescentando que acredita que a realidade na floresta pode ser pior do que é visto do espaço. “Há uma diferença entre o que está acontecendo e o que o satélite captura. Os que estão em terra podem ver coisas (reveladoras) que ainda não aconteceram (totalmente), mas que resultarão no desmatamento. O satélite detecta somente danos quando eles já ocorreram.”

Desmatamento da Amazônia no estado de Rondônia, oeste do Brasil. Cortesia de imagem da NASA.

Novos sistemas de monitoramento em funcionamento?

Em março, o jornal Folha de São Paulo anunciou que o Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles estava preparando um sistema alternativo ao aplicado pelo INPE para monitorar o desmatamento no Brasil, a um custo de pelo menos US$8,5 milhões, usando imagens de satélite fornecidas pela Planet, empresa privada com sede nos EUA. O INPE atualmente paga cerca de US$150.000 anualmente por imagens do satélite Landsat da NASA, que são usadas para avaliar os índices anuais de desmatamento do PRODES, embora os alertas do DETER usem imagens do CBERS, satélite sino-brasileiro, que são gratuitas, informou a reportagem.

O Ministro do Meio Ambiente não respondeu às solicitações de comentários.

Especialistas dizem que não faz sentido, economicamente, lançar um sistema privado para monitorar o desmatamento, considerando o longo sucesso do INPE em monitorar as perdas de cobertura florestal.

“Já vimos muitos sistemas de monitoramento de outros países. O Brasil tem o melhor sistema de monitoramento de florestas das regiões tropicais”, disse Mikaela Weisse, gerente da plataforma de mapeamento florestal da Global Forest Watch (GFW). “O INPE está mesmo na vanguarda de metodologias e tecnologias capazes de detectar o desmatamento e faz isso de forma consistente.

Confio muito no sistema PRODES”, afirmou Mikaela. “Vimos os dados do PRODES (que) o desmatamento na Amazônia (está) no maior nível em 10 anos. Há 3, 4 ou 5 sistemas diferentes (em funcionamento no momento). O fato de todos eles estarem informando dados semelhantes (de desmatamento) me dá muito mais confiança de que isso está mesmo acontecendo. Nem todas essas instituições são corrompidas.”

Duas ONGs brasileiras, a Imazon e o Instituto Socioambiental (ISA), também monitoram o desmatamento espacial no Brasil mensalmente e suas descobertas se alinham com as do INPE. No entanto, embora o INPE cubra todo o território brasileiro, a Imazon cobre somente a região da Amazônia Legal e a ISA atualmente se concentra somente na bacia do rio Xingu. A Imazon e a ISA também produzem alertas mensais de desmatamento, assim como a GFW. Todos esses dados de alinham relativamente bem com o relatório do INPE.

Em junho, a plataforma de acesso aberto MapBiomas  uma rede de ONGs, universidades e empresas de tecnologia em colaboração com o Google  lançou o MapBiomas Alerta, um sistema que valida e aprimora os alertas de desmatamento sobre a vegetação nativa em todos os biomas brasileiros com imagens de alta resolução. Especialistas consideram que esse seja um sistema de ponta para monitorar o desmatamento espacial e para fornecer alertas, pois reúne informações de várias instituições, incluindo do INPE, ISA, Imazon e GFW.

Em seu lançamento, o MapBiomas anunciou 89.741 hectares (221.755 acres) de desmatamento no Brasil no primeiro trimestre de 2019, dos quais 95% não tinham autorização registrada nos sistemas de licenciamento federal e estadual.

“Os dados e alertas do MapBiomas fornecem imagens (que são) 100 vezes melhor e que (nos) permitem aprimorar esses alertas ao ponto de criar um registro indiscutível de que houve uma redução na cobertura vegetal”, disse Souza.

“Os alertas do MapBiomas permitem que o governo lute contra a extração de madeira ilegal quase a um custo zero  [a administração Bolsonaro] precisa apenas tomar atitudes” para implementá-las após fazer o cruzamento de dados com os registros do governo, informou Souza, acrescentando que as informações necessárias para a implementação já foram enviadas ao governo.

Mas apenas o mapeamento de satélite não resolverá os problemas de desmatamento do Brasil. “A impunidade é o maior vetor do desmatamento; as multas nunca são pagas”, disse Souza — principalmente desde que as agências de aplicação foram grandemente enfraquecidas por Bolsonaro e seu antecessor, Michel Temer. Precisamos “reverter o cenário (atual de desregulamentação) e criar um sistema de punição imediata semelhante às multas (emitidas por violação de trânsito).”

Imagem de anúncio de desmatamento na Amazônia brasileira, cortesia da NASA. O sistema de monitoramento de desmatamento do Brasil é considerado o melhor das regiões tropicais e está em operação há décadas.

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