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Especialistas dizem que ou nos adaptamos agora a uma Amazônia em transformação, ou pagaremos um preço muito mais alto depois

  • Um novo estudo estima que os custos do atraso da adaptação de uma Amazônia mais quente e seca, seria uma ordem de magnitude maior do que agir agora, apesar das incertezas.

  • O estudo é a primeira análise de impacto abrangente da hipótese de uma Amazônia Semiárida, que propõe a existência de um ponto crítico definitivo de desmatamento causado pelo clima, além do qual, grandes áreas da floresta tropical, seriam substituídas por savanas.

  • Os autores do estudo estimam que os custos de tal perda catastrófica de floresta, poderiam chegar a US$3,6 trilhões em um período de 30 anos.

  • Também é estimado que os custos de uma série de medidas de adaptação tomadas agora, seriam de US$122 bilhões, uma fração das perdas econômicas estimadas, se nenhuma ação for tomada.

Os custos de ação imediata para se adaptar a uma perda drástica e prevista da floresta amazônica, seria pelo menos uma ordem de magnitude mais baixa do que as consequências econômicas, se esperássemos e não fizéssemos nada, segundo um novo estudo.

É a primeira análise de impacto abrangente de uma previsão controversa: que existe um ponto crítico definitivo de desmatamento causado pelo clima, além do qual, grandes áreas da floresta amazônica seriam rapidamente substituídas por savanas.

Em seu estudo publicado na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (Periódicos da Academia Nacional de Ciências dos EUA), David Lapola da Universidade de Campinas em São Paulo, Brasil, e seus colegas, estimaram que os custos de uma perda tão catastrófica da floresta, estariam entre US$957 bilhões e US$3,6 trilhões em um período de 30 anos. O custo de adaptação imediata, por outro lado, poderia ser de apenas US$122 bilhões.

Formulada de estudos de modelação, no final da década de 1990, a hipótese de uma Amazônia Semiárida (Amazon Forest Dieback em inglês, AFD), sugere que com aumentos drásticos de temperatura e reduções nas chuvas, projetadas sob alguns modelos climáticos, o bioma Amazônico experimentaria uma perda repentina e catastrófica de biomassa, transformando exuberantes florestas tropicais em uma savana mais resistente à seca.

Savana no Parque Nacional Serra da Canastra em Minas Gerais, Brasil. Imagem de Klaus Balzano em VisualHunt.com (CC BY-NC).

A Amazônia gera até 50% de suas próprias chuvas, reciclando água por meio de plantas, em um processo conhecido como transpiração, embora a mudança climática esteja resultando no agravamento da seca. O desmatamento rápido e em larga escala, reduzindo o número de árvores transpiradoras, poderia levar o bioma para mais perto do ponto crítico e do intenso clima semiárido. Esse ponto crítico foi inicialmente estimado em 40% do desmatamento, mas recentemente analisou-se uma redução para a faixa de 20-25%. Estima-se que atualmente a Amazônia tenha sido desmatada em cerca de 17-19%.

Em seu estudo, a equipe estimou os custos operacionais para diferentes setores, com base em estudos relatados de secas passadas ou em estimativas publicadas geradas por modelos computacionais. Eles descobriram que a redução da produtividade das safras, dos estoques pesqueiros e da produção hidrelétrica, bem como as redes de transporte interrompidas e a migração em grande escala, causadas pelo clima e pelos níveis moderados de AFD, custariam US$44 bilhões em um período de 30 anos  um custo anual de 1,9 % do PIB total da Amazônia brasileira em 2015. A AFD poderia levar também a impactos sociais negativos, como a redução da segurança alimentar e o aumento do risco de doenças transmissíveis por mosquitos, como a malária.

Os pesquisadores também consideraram outros serviços ecossistêmicos que não são valorizados, com base em indicadores econômicos atuais, como estoques de carbono, polinização, fornecimento de recursos hídricos limpos, regulamentação climática local e benefícios culturais e recreativos. Eles estimaram que o faturamento total e verdadeiro da conta, poderia ser muito maior: entre US$1 trilhão e US$3,6 trilhões em 30 anos, ou um custo anual entre 42% e 107% do PIB da Amazônia em 2015.

Delphine Clara Zemp, ecologista e biogeógrafa da Universidade de Göttingen na Alemanha, que não esteve envolvida no presente estudo, disse que as descobertas representam “um grande passo para mostrar aos políticos, que a AFD deve ser considerada seriamente, apesar das grandes incertezas.”.

Uma única árvore restante em um campo de soja próximo à floresta tropical, ao sul de Santarém e ao longo da BR-163. Estradas como esta, que cortam a Amazônia por 1.700 quilômetros, permitem o acesso à floresta tropical e são uma das principais causas de mais desmatamento. Imagem de Daniel Beltrà/Greenpeace.

Até mesmo pequenas mudanças na composição da floresta, causadas pelo clima, como o aumento de espécies de árvores tolerantes à seca e que transpiram menos, poderiam ter um impacto socioeconômico de longo alcance. “Uma redução na transferência da umidade da floresta [amazônica] para a atmosfera, poderia ter sérias implicações para o volume de chuvas que cai naquela região e na bacia do Prata, mais ao sul”, disse Lapola. Dados recentemente publicados de um estudo de 30 anos de parcelas em toda a bacia amazônica, mostram que esse padrão já começa a emergir, com espécies mais tolerantes à seca, substituindo árvores da floresta tropical.

“A descoberta de que a prevenção resulta em uma ou mais ordens de magnitude mais baratas do que aceitar danos, é bastante consistente em muitos tipos de tensões do ecossistema”, disse Bob Scholes, ecologista de sistemas da Universidade de Witwatersrand em Johannesburgo, na África do Sul, que não esteve envolvido no estudo. No entanto, ele observou que esses serviços de ecossistema contribuíram com a alta proporção da projeção final, tornando o estudo sensível a grandes incertezas, ao estimar tanto o seu valor socioeconômico, quanto o impacto de diferentes graus de AFD na prestação desses serviços.

Ainda existem muitas dúvidas sobre, como as florestas responderão às mudanças nos padrões atmosféricos de carbono, temperatura e chuva, dificultando a avaliação das chances de um evento catastrófico da AFD. Por exemplo, é previsto que níveis mais altos de dióxido de carbono atmosférico, aumentem a produtividade florestal, fornecendo um ingrediente importante para a fotossíntese. Se for verdade, esse efeito de “fertilização com CO2” poderia neutralizar os efeitos do aumento da seca, evitando o clima semiárido. Porém, especialistas discordam da força de tal efeito, e há evidências de que isso pode ser limitado por outros fatores, incluindo a falta de micronutrientes que estimulam o rápido crescimento.

Em 2014, o Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, de coautoria de Scholes, atribuiu pouca confiança à hipótese de um ponto crítico da Amazônia. “Acho que é uma “chance igual’”, disse Scholes ao Mongabay, acrescentando que era “tão provável quanto a negativa”.

Em contraste, no início deste ano, cientistas reconhecidos da Amazônia, Thomas Lovejoy e Carlos Nobre, este último coautor do presente estudo, expressaram preocupação de que, a superação de 25% do desmatamento da região amazônica poderia ser suficiente para levar o ecossistema a uma cascata de degradação, que deixaria um novo habitat como consequência. Algumas estimativas sugerem que já passamos de 20% de desmatamento no bioma. “O ponto crítico está muito próximo”, disse Lovejoy.

Uma onça descansa em um rio da Amazônia. A rica biodiversidade da Amazônia está ameaçada pelo desmatamento em grande escala, que pode transformar vastas áreas da exuberante floresta tropical em savana. Imagem de Rhett A. Butler/Mongabay.

A probabilidade de que a AFD venha a ocorrer continua a ser debatida, mas devido a enormes perdas projetadas, o presente estudo recomenda que os governos comecem a investir em uma resposta imediatamente. “Não devemos esperar os impactos da mudança climática, para percebermos o quão somos dependentes  até mesmo os moradores urbanos  da floresta Amazônica”, disse Lapola.

Há duas maneiras óbvias de tentarmos evitar que o ponto crítico seja atingido na Amazônia: reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa, e/ou conter o desmatamento da Amazônia. Embora Lapola diga que a perspectiva de uma redução significativa das emissões nos próximos anos pareça improvável, pesquisadores estimaram que a restauração de uma grande fração de área desmatada e a prevenção de mais desmatamentos custariam cerca de US$64 bilhões.

“Reflorestamento… e minimizar ainda mais o desmatamento, é fundamental para manter a integridade do ciclo [da água]”, disse Lovejoy. Entretanto, Lapola disse que prefere estratégias para se adaptar à AFD, em vez de preveni-la, porque o sucesso da última era incerto, enquanto que abordagens adaptativas seriam benéficas não importando o que acontecesse.

Por exemplo, descentralizar a geração de energia e fornecer capacidade de geração de eletricidade local para regiões mais remotas, poderia oferecer maior disponibilidade e confiabilidade de eletricidade em toda a Amazônia. Novas tecnologias, como as turbinas de fluxo, que permitem a geração de energia em pequena escala, com o mínimo de impacto ecológico, podem ser importantes em um portfólio de energia descentralizado.

Outras medidas propostas, incluem mudanças nas práticas agrícolas em favor de mais colheitas tolerantes à seca, desencorajando o uso proposital de queimadas e diversificando sistemas agroflorestais, para tornar as fazendas mais resistentes aos extremos climáticos. “Estratégias para prevenir incêndios… e restaurar a biodiversidade de florestas degradadas” são necessárias, disse Zemp, citando sua utilidade em ajudar na manutenção de chuvas da Amazônia, ao mesmo tempo em que se preserva os serviços ecossistêmicos vitais.

O estudo estimou que o custo de 20 dessas medidas de adaptação “sem arrependimentos” seria de US$122 bilhões, uma fração das perdas econômicas se nenhuma ação for tomada.

O “cálculo do estudo dos custos econômicos torna a AFD mais tangível para os políticos”, disse Zemp, e significa que as incertezas sobre os processos que estimulam a AFD, não são uma desculpa para a inatividade dos políticos.

Citação:

Lapola, D. M., Pinho, P., Quesada, C. A., Strassburg, B. B., Rammig, A., Kruijt, B., … & Vergara, W. (2018). Limiting the high impacts of Amazon forest dieback with no-regrets science and policy action. Proceedings of the National Academy of Sciences115(46), 11671-11679.

O sol se põe em um céu nublado sobre o rio Tambopata, no Peru. A floresta Amazônica gera 50% de chuvas por meio de evaporação e transpiração. Imagem de Joseph King em Visualhunt.com (CC BY-NC-ND).

Artigo original: https://news.mongabay.com/2018/12/adapt-to-a-changing-amazon-now-or-pay-far-higher-price-later-experts-say/

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