O número de incêndios no bioma Amazônia superou 41.858 em 2019 até 24 de agosto (acima dos 22.000 desse período no ano passado). Os cientistas estão especialmente preocupados com os incêndios em áreas protegidas, como a Floresta Nacional do Jamanxim, no estado do Pará, e o Parque Serra de Ricardo Franco, no Mato Grosso.
Enquanto o governo Bolsonaro culpa o clima quente pelas chamas na Amazônia, outros discordam. Eles apontam para o vínculo entre os incêndios e seu uso para limpar ilegalmente a floresta tropical por especuladores de terras, que — encorajados pelas políticas de aplicação da lei pouco rigorosas de Bolsonaro — vendem terras desmatadas por 100 a 200 vezes mais dinheiro do que seriam vendidas com árvores.
Dados preliminares mostram o desmatamento crescendo sob o governo Bolsonaro. A taxa em junho de 2019 foi 88% maior que em junho de 2018; o desmatamento aumentou 278% em julho de 2019 em comparação com julho de 2018. Segundo analistas, o aumento deve-se em parte ao desmantelamento do IBAMA, órgão de fiscalização ambiental do Brasil.
Bolsonaro prometeu levar o exército para combater as chamas da Amazônia e implantou as primeiras unidades no fim de semana, enquanto que na segunda-feira, dia 26 de agosto, as nações do G7 prometeram uma ajuda emergencial no valor de US$ 20 milhões para os países da Amazônia para combater incêndios florestais e lançar uma iniciativa global de longo prazo para proteger a floresta tropical.
Na noite do dia 23 de agosto, o presidente Jair Bolsonaro apareceu na televisão em rede nacional expressando seu “profundo amor” pela Amazônia e dizendo que seu governo tinha “tolerância zero” quanto a crimes ambientais. Ele também prometeu enviar as forças armadas para acabar com a queima ilegal da floresta amazônica.
Bolsonaro, que leu um texto preparado, algo incomum para ele, cronometrou seu discurso para influenciar líderes mundiais, que se reuniam naquele momento no resort francês de Biarritz, antes da cúpula do G7. Alguns, incluindo o presidente francês Emmanuel Macron, pediram uma resposta internacional para forçar o Brasil a tomar medidas decisivas para proteger a floresta tropical. O chefe de governo da República da Irlanda, Leo Varadkar, disse na sexta-feira, dia 23 de agosto, que a UE deveria repensar se deve ratificar o enorme acordo comercial recém-concluído com a área de livre comércio da América do Sul, Mercosul, dizendo que a tentativa de Bolsonaro de culpar as ONGs e os grupos ambientais pelos incêndios era “orwelliana”.
A possibilidade de que o acordo comercial, que levou 20 anos para ser negociado, seja destruído e que o Brasil também possa enfrentar um boicote comercial, alarmou bastante alguns no setor do agronegócio brasileiro, incluindo o ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi, quem tem pedido para o governo mudar de política, alertando que as exportações agrícolas do Brasil são “substituíveis” no mercado mundial.
Bolsonaro disse que “os incêndios florestais, infelizmente, acontecem todo ano” e que o número de incêndios estava “dentro da média dos últimos 15 anos”, um número fornecido pela NASA. Mas, como os analistas apontaram, esse número, embora verdadeiro, é enganador. Em 2004 e 2005 — anos em que o desmatamento na Amazônia atingiu o ápice — houve também um aumento alarmante nos incêndios anuais, que superaram os 70.000. Depois disso, graças aos esforços impressionantes das autoridades, o número de incêndios em geral caiu para 24.000 em 2017 e para menos de 16.000 em 2018.
É alarmante observar o ressurgimento deste ano: 41.858 incêndios na Amazônia até 24 de agosto, de acordo com o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que usa imagens da NASA. A savana vizinha do Cerrado sofreu 23.000 incêndios (contra 20.000 no ano passado).
Esses incêndios enviaram “rios de fumaça” para a região sul urbana do Brasil na semana passada, fazendo com que o céu de São Paulo, a maior cidade do país, situada a 2.000 quilômetros da Amazônia, ficasse escuro como nunca visto antes. Foi só então que os incêndios na Amazônia deste ano se tornaram uma grande notícia para a imprensa brasileira e para o resto do mundo.
Mas, nessa época, todos os estados amazônicos, exceto o Amapá, no norte, estavam sentindo os efeitos da situação infernal há várias semanas; alguns desde julho. “As consequências para a população [local] são imensas. A poluição do ar causa doenças e o impacto econômico pode ser alto”, disse Paulo Moutinho, pesquisador sênior do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), uma organização sem fins lucrativos.
Esses impactos fluem muito além das fronteiras do Brasil, pois os milhares de incêndios lançam grandes quantidades de carbono na atmosfera, intensificando a crise climática global.
A partir de sábado, dia 24 de agosto, as primeiras tropas brasileiras estavam sendo declaradamente implantadas às pressas para combater as chamas da Amazônia, enquanto que na segunda-feira, dia 26, as nações do G7 prometeram US$ 20 milhões em ajuda de emergência para auxiliar os países amazônicos a combater os incêndios florestais e a lançar uma iniciativa global de longo prazo para proteger a floresta tropical. Bolsonaro ainda não aceitou a assistência.
Incêndios dentro de áreas protegidas
Um dos estados amazônicos mais afetados é Rondônia, na parte ocidental da bacia. Em 16 de agosto, uma parede de fumaça forçou um avião que se aproximava de Porto Velho, capital do estado, a alternar para Manaus. Em Rondônia, um incêndio sem controle estendeu-se por três semanas na Reserva Ambiental Margarida Alves, em Nova União. Cerca de 1.000 hectares foram queimados. “Não dá pra respirar”, disse o jornalista Evans Fitz. “Rondônia está morrendo sufocada”.
O estado vizinho do Acre sofreu 366 incêndios em julho. Devido ao alto nível de monóxido de carbono no ar, bem acima do considerado seguro pela Organização Mundial da Saúde, a secretaria estadual de saúde emitiu um alerta epidemiológico em 9 de agosto.
Mas é o estado de Mato Grosso que registrou mais incêndios do que qualquer outro; 12.990, de 1º de janeiro a 15 de agosto. Até o município de Colniza, no noroeste do estado, que conseguiu preservar grande parte de sua biodiversidade e florestas, foi seriamente afetado; 1.049 incêndios foram detectados no local desde 15 de julho. Mato Grosso está localizado ao longo do chamado “Arco do Desmatamento”, a linha que diferencia a floresta tropical do agronegócio invasor.
O Parque Estadual Serra de Ricardo Franco, no Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia, também está queimando. Ele tem uma biodiversidade excepcional, pois está localizado de forma transitória entre três biomas — Amazônia, Cerrado e Pantanal. A parte boliviana do parque é tão valorizada que foi declarada Patrimônio Natural pela UNESCO.
No estado do Amazonas, o município de Apuí, na região sul, registrou 673 incêndios. É importante ressaltar que oito deles estão dentro de áreas de conservação protegidas pelo governo federal. O Amazonas declarou estado de emergência em 9 de agosto, bem antes do resto do mundo acordar com a crise na Amazônia.
Fogo, o melhor instrumento na caixa de ferramentas do desmatamento ilegal
Em seu discurso, Bolsonaro atribuiu o aumento nos incêndios ao clima excepcionalmente quente. Mas não é bem assim que os cientistas veem isso, ainda mais porque em 2019 não houve seca severa. “Não há fogo natural na Amazônia”, disse Ane Alencar, diretora de ciência do IPAM. “O que há são pessoas que praticam queimadas”. Essa tem sido a maneira tradicional de limpar a terra na Amazônia e, quando praticada em pequena escala ou feita em terras agrícolas existentes para preparar novas culturas, causa pouco dano.
Mas, nos últimos meses, o desmatamento — e os incêndios usados para consegui-lo — ocorreram a uma taxa alarmante. A taxa de desmatamento em junho de 2019 foi 88% maior que no mês correspondente em 2018, informou o INPE. O desmatamento subiu para mais de 278% em julho em comparação com o mesmo mês do ano passado, segundo o IPAM.
Dizem os analistas que, grande parte dessa queima, especialmente em terras federais, é provável que seja causada por grileiros que muitas vezes usam o fogo como um meio de desmatar florestas na preparação das terras para venda a fazendeiros e agricultores. Eles reconhecem que o governo Bolsonaro desarmou amplamente as agências ambientais do governo, que não têm mais orçamentos para combater incêndios, nem possuem autoridade para prender os autores.
Os cientistas estão especialmente preocupados com o desmatamento causado pelos incêndios este ano, ainda mais à medida que as chamas se espalham pela várzea e igapó, áreas inundadas durante a estação chuvosa, mas nas quais podem ser encontradas ilhas de floresta não inundadas. Normalmente, os desmatadores não se aventuram nessas áreas protegidas, mas Carlos Durigan, diretor da Wildlife Conservation Society Brasil (WCS), disse à Amazônia Real que isso mudou em 2019, com resultados angustiantes. “Essa situação tem causado danos irreparáveis também à biodiversidade aquática, uma vez que as florestas inundáveis que servem de refúgio e área de alimentação para muitas espécies durante as cheias, deixam de existir”, explicou.
Segundo os ambientalistas, o desmatamento foi controlado sob governos anteriores por uma coalizão de forças — incluindo agências federais e estaduais, parceiros de ONGs, comunidades indígenas e tradicionais, acadêmicos e cientistas. Essa coalizão entrou em colapso. A implosão do Fundo Amazônia no início deste mês, que havia impedido o desmatamento e suportado a sustentabilidade nas comunidades amazônicas por mais de uma década, é um exemplo da falha administrativa sistêmica em andamento.
“O posicionamento do atual governo tem sido o de confrontar os esforços que há décadas buscam construir uma agenda socioambiental positiva para a Amazônia”, disse Durigan. “Esses esforços são fruto da mobilização da sociedade civil, das agências governamentais, universidades e setor privado”. Durigan agora está extremamente preocupado, porque a situação “pode piorar em ritmo acelerado”.
Alejandro Fonseca Duarte, professor da Universidade Federal do Acre, concorda: : “As políticas públicas mudaram de fato [desde que Bolsonaro assumiu]. Os discursos e atuações de governos falam em desproteção às terras indígenas, de exploração dos recursos minerais da região, da extensão da cultura da soja de Mato Grosso para o Acre, de desqualificar os indicadores de aumento do desmatamento, de enfraquecer o aporte internacional para a proteção da Amazônia. Essa é a realidade que estamos vivenciando. E estamos começando a ver onde isso pode chegar”.
Seis dos nove governadores estaduais na Amazônia são apoiadores de Bolsonaro e endossaram suas políticas; alguns rejeitaram o estado de direito em relação ao meio ambiente. No final de maio, Gladson Cameli, governador do Acre, incentivou abertamente os ruralistas a não pagarem multas resultantes de crimes ambientais pelos quais foram considerados culpados. “Se o IMAC [Instituto do Meio Ambiente do Acre] estiver multando alguém, me avisa”, disse “E não paguem nenhuma multa, porque quem está mandando agora sou eu”.
Cameli foi eleito no ano passado após o Partido dos Trabalhadores de esquerda, que governava o Acre por 20 anos, ter sido vencido pelos votos. Quando perguntado por que ele estava incentivando os ruralistas a violar a lei, ele respondeu: “Antes, nossos agricultores viviam traumatizados pelos excessos cometidos nas gestões anteriores, que ultrapassavam a própria legislação”. Cameli agora está promovendo a disseminação das plantações de soja no Acre.
Ruralistas declaram “Um dia de fogo”
Dados do INPE mostram que, de todo o desmatamento ocorrido na Amazônia entre 1º de agosto de 2018 e 31 de julho de 2019, estima-se que 59% ocorreram no estado do Pará, no Brasil. É importante ressaltar que a maior parte (71%) ocorreu em terras federais. O Pará é um epicentro da luta entre conservacionistas da Amazônia e ruralistas que apoiam intensamente a expansão do agronegócio.
Parece também que Bolsonaro está trabalhando para pender a balança a favor dos desmatadores no Pará. Embora o presidente esteja no cargo há quase oito meses, o IBAMA, órgão ambiental federal, ainda não nomeou um superintendente para o estado. Em resposta a questionamentos sobre o fracasso do governo federal no combate ao crime ambiental, Mauro de Almeida, secretário ambiental do Pará, disse, em 16 de agosto, que a falta de uma cadeia de comando do IBAMA está prejudicando os esforços do Estado para combater o desmatamento.
Não é de surpreender que os grileiros do Pará agora agem como se estivessem acima da lei. Uma prova disso aconteceu em 5 de agosto em Novo Progresso, cidade na rodovia BR-163 dominada por ruralistas. Nesse dia, eles anunciaram no jornal local, A Folha de Novo Progresso, controlado por eles, que estariam realizando um “Dia de Fogo” em 10 de agosto. Eles convocaram todos aqueles que cortaram a floresta em 2019 para incendiá-la simultaneamente. O pedido também foi adotado em Altamira, o maior município do Brasil.
Em 10 de agosto, mais de 120 incêndios foram registrados em Novo Progresso, o maior número deste ano. Mas esse recorde não se manteve: no dia seguinte houve ainda mais — 203 incêndios. Ninguém foi preso ou multado. Altamira registrou 194 incêndios, um aumento de 743% em relação ao dia anterior, que saltou para 237 no dia seguinte. De acordo com o Programa Queimadas, administrado pelo INPE, Novo Progresso e Altamira foram campeões nacionais de incêndios florestais no final de semana.
Os moradores disseram que se sentiam “apoiados pelas palavras de Jair Bolsonaro” e estavam entusiasmados, como disseram ao jornal local: precisamos mostrar ao presidente que queremos trabalhar”. Eles têm poucas razões para temer represálias. Normalmente, durante a estação seca, o IBAMA abre uma base em Novo Progresso para conter crimes ambientais. Mas este ano, Helder Barbalho, governador do Pará, recusou-se a autorizar a participação da Polícia Militar nas operações do IBAMA. Sem a ajuda da Polícia Militar ou da Força Nacional (um órgão de aplicação da lei administrado pelo Ministério da Justiça), a equipe do IBAMA teria ficado desprotegida contra represálias violentas, então cancelou a operação em Novo Progresso de 2019.
Agora, sem mais dinheiro para o monitoramento ambiental feito pelo IBAMA, proveniente da Noruega através do Fundo Amazônia, a chance de reiniciar as atividades de fiscalização do desmatamento da agência é cada vez mais remota.
A fronteira do agronegócio continua avançando rapidamente no sudoeste do Pará, e esse avanço ocorre por etapas bastante previsíveis. Primeiro, os madeireiros extraem a madeira mais valiosa, depois, os especuladores de terra enviam trabalhadores locais, geralmente mantidos em condições escravas, para cortar e queimar a floresta restante. Os desmatadores, que em muitos casos são ricos especuladores de terras, não cultivam a terra, mas vendem a floresta desmatada para pecuaristas a preços altos. Na economia bizarra da fronteira amazônica, os especuladores geralmente recebem 100 ou até 200 vezes mais dinheiro por um hectare de terra limpa — desnudada por sua exuberante vegetação nativa e vida selvagem vibrante — do que receberiam por esse mesmo hectare se arborizado. Por fim, quando acrescida da pastagem do gado na terra, ela é revendida para conversão em soja ou outras culturas comerciais para exportação.
Uma das áreas que os madeireiros e especuladores têm como alvo mais agressivo perto de Novo Progresso é a Floresta Nacional do Jamanxim. De todas as áreas protegidas do Brasil, é a mais devastada este ano. A reserva perdeu 3% de sua cobertura florestal, 44.800 hectares, somente em maio. Agora, os madeireiros pagaram a construção de uma ponte ilegal sobre o rio Jamanxim, o que tornará muito mais fácil o transporte de madeira para o porto de Itaituba, no rio Tapajós. Quando a ponte estiver concluída, provavelmente em outubro, é esperado um aumento de três vezes no tráfego. No momento, os caminhões madeireiros precisam ser atravessados pelo rio. Se Bolsonaro for sincero sobre sua promessa de enviar um grande número de tropas para salvar a Amazônia, isso pode ser um ponto de partida.
Depois que um grupo de litigantes públicos independentes do Ministério Público Federal do Estado do Pará (MPF) viajou para Novo Progresso para investigar o “dia do fogo”, eles publicaram uma declaração expressando apreensão pela incapacidade do IBAMA de desempenhar sua função legal no local. “O confronto com o desmatamento ilegal é uma política estadual”, imposta pela Constituição Brasileira, afirmou o MPF. “O poder público não tem o direito de decidir se implementa ou não essa política. É o seu dever!”.
A maioria dos brasileiros parece concordar com o Ministério Público. Uma pesquisa recente mostrou que 96% da população, incluindo muitos apoiadores de Bolsonaro, apoiaram parcial ou completamente a afirmação de que “o presidente Bolsonaro e o governo federal devem aumentar as medidas de fiscalização para impedir o desmatamento ilegal na Amazônia”.
Guiando-se pelo discurso de sexta-feira passada e pelo destacamento do exército, o presidente parecia estar ouvindo. Mas para muitas pessoas que vivem na Amazônia, uma medida melhor do compromisso de Bolsonaro seria a reconstrução de órgãos reguladores desmantelados, particularmente o IBAMA, como um meio de proteger suas casas e meios de subsistência florestais da crescente ilegalidade, conflito e violência.
Enquanto isso, a estação seca do Brasil ainda persiste e a Amazônia continua queimando.
FEEDBACK: Use este formulário para enviar uma mensagem ao autor desta publicação. Caso queira publicar um comentário público, é possível fazê-lo na parte inferior da página.
Artigo original: https://news-mongabay-com.mongabay.com/2019/08/bolsonaro-expresses-love-for-amazon-as-it-burns-offers-no-policy-shift/