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Administração Bolsonaro aprova o uso de 290 novos produtos pesticidas

  • Em apenas sete meses, o governo Bolsonaro aprovou o uso de 290 novos produtos pesticidas, a uma taxa de quase 1,4 por dia. Alguns dos produtos químicos aprovados são proibidos na UE, nos EUA e em outros lugares. O Brasil é um dos maiores usuários de agrotóxicos do mundo, com a utilização intensiva especialmente em sua vasta safra de soja.

  • A maioria dos pesticidas aprovados não são novos produtos químicos individuais, mas coquetéis tóxicos que combinam uma variedade de pesticidas misturados para vários usos. No entanto, essas combinações raramente foram testadas para determinar suas interações ou impactos na saúde ou na natureza humana.

  • Além dos novos produtos, um novo marco regulatório para avaliar os riscos de pesticidas para a saúde foi estabelecido em julho, o que reduzirá a restrição das classificações toxicológicas. Sob o governo Bolsonaro, 1.942 pesticidas registrados foram rapidamente reavaliados, e o número daqueles considerados extremamente tóxicos caiu de 702 para apenas 43.

  • O envenenamento por pesticidas é comum no Brasil e está em ascensão. Os impactos totais das toxinas químicas sobre a vida selvagem, as plantas, os cursos d’água e os ecossistemas não são conhecidos. O agronegócio normalmente pulveriza os produtos por meio aéreo, um processo que, se não for conduzido de forma adequada, pode resultar na dispersão de toxinas pelo vento para áreas naturais e comunidades humanas.

Uma placa de alerta de pesticida. Imagem cortesia de Austin Valley no flickr.

O Brasil está vivenciando uma explosão no número de novos registros de pesticidas autorizados este ano. Desde que o governo Bolsonaro chegou ao poder em 1º de janeiro, até o final de julho, 290 novos pesticidas foram aprovados para uso — quase 1,4 por dia. E o ritmo só deve acelerar com o recente anúncio de uma mudança na avaliação toxicológica de herbicidas e inseticidas por parte da Anvisa, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

Com o agronegócio brasileiro já sendo um dos maiores usuários de pesticidas no mundo, e população do país passando por problemas sérios de saúde como resultado, ambientalistas e especialistas em saúde pública expressaram grande preocupação. Atualmente, o Brasil registrou 2.300 pesticidas para uso — alguns deles proibidos na União Europeia (UE), nos EUA e em outros países.

A taxa de autorização atual é a mais alta já registrada pelo Ministério da Agricultura (MAPA) desde que a agência começou a divulgar os dados em 2005. Em comparação com os 290 pesticidas aprovados nos primeiros sete meses de 2019, apenas 45 foram aprovados no mesmo período em 2010. Só em junho e julho, o MAPA publicou registros para 93 novos pesticidas no Diário Oficial.

Contatado pela Mongabay, o Ministério da Agricultura respondeu que o coordenador geral de agrotóxicos, Carlos Venâncio, não estava disponível para uma entrevista.

De acordo com um comunicado à imprensa do MAPA, o objetivo de lançar tantos novos produtos é “aumentar a concorrência no mercado e baixar os preços. [Também] para fornecer alternativas de controle novas e mais eficientes para o meio ambiente e para a saúde humana”.

O Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (SINDIVEG), que representa a indústria de agrotóxicos, não concedeu entrevista, mas enviou uma nota por meio de seu departamento de comunicação: “Em relação ao número de produtos formulados [prontos para uso], todos os registros são marcas novas [cujos ingredientes] já estavam disponíveis no mercado [brasileiro]. Isso significa mais opções para o agricultor, [mas] não um aumento na quantidade de pesticidas usados nas culturas”.

Analistas apontam que as novas formulações podem incluir um coquetel tóxico de vários pesticidas, cujas interações raramente são testadas ou cujos impactos combinados sobre pessoas e ecossistemas são amplamente desconhecidos. Também pouco estudada é a persistência de pesticidas em colheitas que são consumidas no Brasil ou exportadas para a UE e outros mercados internacionais.

Em um protesto, uma etiqueta informa “Agrotóxico mata”. A administração de Bolsonaro aprovou o uso de 290 produtos pesticidas nos primeiros sete meses deste ano; os analistas estão preocupados que o meio ambiente e o público estejam sendo colocados em risco na pressa de introduzir novos produtos no mercado. Imagem de Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Os ambientalistas respondem

Victor Pelaez, coordenador do Observatório do Uso de Agrotóxicos da Universidade Federal do Paraná (UFPR), discordou, de certa forma, do comunicado à imprensa do MAPA, observando que o aumento de registros não necessariamente resultará em queda de preços. “Isso ainda está para ser provado”, comentou. “O mercado tem uma característica estrutural em que a concorrência não é determinada principalmente pelos preços, mas sim pelo grau de concentração do mercado. As quatro maiores empresas de agrotóxicos [Bayer, Syngenta, BASF e Dow AgroSciences] ocupam 70% a 80% do mercado brasileiro e definem os preços. Elas também têm as marcas mais conhecidas, que geram uma preferência”.

Pelaez, professor de economia da UFPR, observou que dos 290 pesticidas recentemente aprovados publicados no Diário Oficial deste ano, 41% foram classificados pela Anvisa como extremamente ou altamente tóxicos, e 32% são proibidos na União Europeia. “Como essas autorizações tratam da preocupação com a saúde da população e do meio ambiente?”, indagou.

Além da onda de novos produtos, uma nova estrutura regulamentar foi estabelecida pela Anvisa em julho para a avaliação dos riscos à saúde relacionados aos agrotóxico, o que reduzirá a restritividade das classificações toxicológicas, com potenciais consequências para o futuro.

De agora em diante, somente pesticidas que ameaçam a vida — mortais quando ingeridos, inalados ou em contato com a pele — serão classificados como extremamente tóxicos. Desde 1992, um produto que causa ulceração, corrosão da pele ou opacidade da córnea, por exemplo, enquadrava-se na categoria extremamente tóxica. Esse não é mais o caso. A Anvisa, sob o governo Bolsonaro, reavaliou rapidamente 1.942 pesticidas previamente registrados, com o número daqueles considerados extremamente tóxicos caindo de 702 para apenas 43.

“O Brasil está indo na direção contrária da maioria dos países desenvolvidos, que vêm reduzindo o uso de pesticidas. O Ministério da Agricultura afirma que o objetivo é colocar no mercado novas tecnologias, produtos de menor toxicidade, mas grande parte dos lançamentos ainda são produtos genéricos de alta toxicidade, cujos ingredientes ativos são antigos. Eles estão no mercado há anos ou décadas”, disse Luiz Claudio Meirelles, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

O glifosato, o ingrediente ativo do Roundup, é um dos herbicidas mais vendidos no mundo e considerado um provável carcinógeno pela Organização Mundial de Saúde. Nos primeiros 7 meses de 2019, onze produtos novos contendo o ingrediente foram aprovados no Brasil. Imagem da OSU Master Gardener, licenciada sob CC BY-NC-ND 2.0.

Mudando o papel da Anvisa

Ex-gerente geral de toxicologia da Anvisa, Meirelles atestou a inconsistência do governo em aprovar novas marcas cujos ingredientes ativos estão sendo reavaliados pela agência de saúde devido ao seu potencial risco.

Um exemplo é o glifosato — o mundialmente popular, mas altamente controverso herbicida da Monsanto — que em geral é vendido sob o nome de produto Roundup. Pelo menos 11 marcas adicionais contendo glifosato foram lançadas este ano no Brasil, apesar de estudos e ações judiciais demonstrando seus impactos adversos. O glifosato é o herbicida mais utilizado no Brasil, mas tem sido declarado um provável carcinógeno pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), uma divisão da Organização Mundial de Saúde.

Apesar do rápido processo de avaliação e registro de pesticidas realizado pela Anvisa e pelo IBAMA, além das frequentes reclamações do lobby ruralista de que os pesticidas demoram para ser aprovados, muitos produtos registrados ainda acabam não sendo comercializados para um estudo da UFPR, mencionado por Meirelles. “Eles podem representar até metade de todas as solicitações. Os fabricantes veem os registros como um ativo financeiro, que pode ser vendido posteriormente para outra empresa. E se um fabricante for colocado à venda, os registros fazem parte de seu portfólio de produtos”.

Recentemente, a Anvisa passou por outra grande mudança. Nos últimos meses, transferiu funcionários de outras áreas para a análise de pesticidas, aparentemente para acelerar as certificações. Contatada pela Mongabay, a agência não informou quantas pessoas realizam esse trabalho no momento.

Segundo Meirelles, quando a agência foi criada, médicos, agrônomos e biólogos contratados para a tarefa de certificação precisavam ter mestrado em Toxicologia Aplicada. “É um trabalho que exige alta qualificação, há muitos pontos sensíveis envolvidos, e os profissionais precisam ter a possibilidade de discutir com os toxicologistas das empresas de manufatura”. O pesquisador afirmou que cerca de 60% desses profissionais deixaram a Anvisa desde 2013.

Recentemente, foi registrada a morte de milhões de abelhas no Brasil, muito provável pelo resultado do uso de agrotóxicos pelo agronegócio. O ingrediente ativo recentemente autorizado, o suxaflor, está ligado à redução de abelhas polinizadoras. Imagem por paparutzi licenciada sob CC BY 2.0.

Meio milhão de toneladas de pesticidas aplicados por ano

Os dois ingredientes ativos completamente novos autorizados em 2019 são motivo de preocupação, dizem os especialistas. O florpirauxifen-benzil nunca foi testado na União Europeia, enquanto que o sulfoxaflor está ligado a mortes maciças de abelhas.

Com cerca de 300 espécies de abelhas nativas, o Brasil já está enfrentando problemas nessa área. Entre outubro de 2018 e março de 2019, por exemplo, 500 milhões de abelhas (Apis mellifera) morreram no estado do Rio Grande do Sul. Um relatório técnico do Laboratório Nacional Agropecuário do Ministério da Agricultura detectou cinco tipos de pesticidas nos insetos, entre eles o fipronil, usado regularmente nas lavouras de soja do estado.

As plantações de soja consomem cerca de metade de todo o volume de pesticidas comercializados no Brasil. Segundo o Ibama, a agricultura brasileira utilizou 539,9 mil toneladas de agrotóxicos em 2017. Esse montante representa US$ 8,8 bilhões, segundo a ANDEF, Associação Nacional de Defesa Vegetal.

Em seu site, o MAPA declara que o Brasil ocupou o 44º lugar em uso de pesticidas em 2016, com um consumo relativo de 4,3 kg por hectare, inferior ao consumo relativo em países como a Holanda, com 9,3 kg por hectare, e na Suíça, com 5 kg por hectare. Esses indicadores foram obtidos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). O WorldAtlas.com classifica o Brasil como o quinto maior consumidor de agrotóxicos do mundo.

Alguns especialistas dizem que as alegações do MAPA são falsas. “Aplicar uma média geral com todos os tipos de culturas existentes é enganoso”, explicou Pelaez, da UFPR. “O indicador da FAO é inconsistente, muito superficial… O MAPA omitiu que as culturas de soja no Brasil usam 8,9 kg de pesticidas por hectare, enquanto que as culturas de tomate chegam a 100 kg e as plantações de maçã a 129 kg de pesticidas… Sem mencionar que as culturas de soja usam 21 milhões de hectares de áreas plantadas, enquanto que os tomates usam apenas 62 mil hectares”.

Contatada pela Mongabay, a FAO não respondeu antes da publicação desta reportagem.

Pelaez criticou a aplicação maciça de agrotóxicos pelo agronegócio do Brasil: “Em vez de avaliar o nível de infestação de insetos em uma lavoura e depois fazer o trabalho corretivo, eles agem preventivamente e aplicam pesticidas de maneira indiscriminada. É como tentar prevenir um câncer que você não tem. Eles não precisam continuar monitorando a colheita, o que é muito mais barato. É uma agricultura caracterizada pela saturação, não pela precisão”.

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Rheas, grandes aves sul-americanas que não voam, coletam alimento em uma plantação de soja no município de Alto Paraíso, no estado de Goiás. As culturas de soja consomem cerca de metade de todo o volume de pesticidas comercializados no país; o impacto dos agroquímicos nos ecossistemas brasileiros tem sido pouco estudado. Imagem de Marcelo Camargo/Agência Brasil.

Artigo original: https://news.mongabay.com/2019/08/bolsonaro-administration-approves-290-new-pesticide-products-for-use/

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