O colunista da Forbes, Michael Shellenberger, faz algumas afirmações corretas sobre os incêndios na Amazônia, mas também divulga informações falsas que não têm base em fatos ou estudos científicos.
O que Shellenberger acerta: a Amazônia está sendo erroneamente descrita pela mídia como “os pulmões do planeta”; o número de incêndios foi maior no passado, e há uma necessidade de estimular fazendeiros e agricultores brasileiros para que eles ajudem a conter o desmatamento e as queimadas.
O que Shellenberger erra: Segundo os cientistas, a grande questão é que a Amazônia brasileira armazena uma enorme quantidade de carbono. O aumento do desmatamento, junto com as mudanças climáticas, está empurrando a Amazônia cada vez mais perto de um ponto de transformação da floresta em savana, o que provoca uma grande liberação de carbono e agrava o aquecimento global.
Também subestimado: o papel de Jair Bolsonaro na crise. Desde janeiro, ele desmantelou agências de fiscalização ambiental e usou linguagem incendiária para incitar fazendeiros e agricultores a derrubar ilegalmente a floresta. Este post é um comentário. As opiniões aqui expressas são do autor do texto e não necessariamente da Mongabay.
Eu entendo o desejo de corrigir informações errôneas que proliferam como resultado de notícias de última hora. E eu entendo a frustração das manchetes sensacionalistas que enganam os leitores. Mas a tentativa do colunista Michael Shellenberger, da revista Forbes, de corrigir o registro de incêndios na Amazônia brasileira foi, na melhor das hipóteses, descuidada, e enganosa, na pior das hipóteses.
Shellenberger está certo em vários pontos, incluindo a má escolha de “Pulmões da Terra” como um apelido para a floresta amazônica, o fato de tanto o desmatamento quanto os incêndios terem sido substancialmente em maior número no passado recente, o uso generalizado pela mídia dos velhos tempos ou fotos irrelevantes para ilustrar os incêndios atuais, a necessidade de envolver os fazendeiros e agricultores na preservação da Amazônia e a minimização do impacto dos incêndios nos sub-bosques.
No entanto, ele está errado sobre alguns outros pontos importantes, que são listados e refutados abaixo.
E quanto ao The New York Times que afirma que “Se perdermos florestas tropicais o suficiente e elas não puderem ser restauradas, a área se tornará savana, logo, não armazenará tanto carbono, o que significa uma redução na capacidade “pulmonar do planeta”?
O declínio de oxigênio imaginado por Shellenberger engana e desorienta o leitor. Cientistas, incluindo Dan Nepstad, que é amplamente citado no artigo da Forbes, alertaram que a perda em larga escala de cobertura vegetal na floresta amazônica pode levar o ecossistema a um ecossistema mais seco, semelhante à savana, parecido com o Cerrado. Esse novo ecossistema armazenaria muito menos carbono do que uma floresta tropical, fazendo crescer as emissões e aumentando potencialmente a taxa global das mudanças climáticas.
“Como já escrevi extensivamente, a matança da floresta amazônica – a savanização, como às vezes é chamada – é a maior ameaça à floresta, na minha opinião”, disse Nepstad.
É importante ressaltar que alguns cientistas argumentam que uma transição de vegetação desta magnitude interromperia a transpiração local e poderia até mesmo deslocar a Zona de Convergência Intertropical, afetando os padrões regionais de precipitação e potencialmente impactando a produção de energia hidrelétrica, o abastecimento urbano de água e a produção agrícola em todo o Brasil – e até mesmo ameaçar a posição do país como potência global do agronegócio, provavelmente colocando em risco o suprimento de alimentos a milhões de pessoas na União Europeia e na China, que dependem do Brasil para o fornecimento de carne, soja e outras commodities essenciais.
Um dos principais jornalistas ambientais do Brasil concorda que a cobertura da mídia sobre os incêndios tem sido enganosa. “Foi sob o governo de Lula e Marina Silva (2003-2008) que o Brasil teve a maior incidência de queimadas”, informou Leonardo Coutinho por e-mail. “Mas nem Lula nem Marina foram acusados de colocar a Amazônia em risco.”
Shellenberger cita Leonardo Coutinho, mas certamente não é verdade que o mundo fechou os olhos ao desmatamento e às queimadas sob a presidência de Lula. Uma simples pesquisa em qualquer arquivo de notícias resultará em centenas de reportagens sobre o assunto, indignação pública sobre o desmatamento da Amazônia na época, bem como estudos de Nepstad alertando sobre os perigos da transformação da Amazônia em savana. E, de fato, Marina Silva renunciou publicamente seu cargo de Ministra do Meio Ambiente em maio de 2008, uma história que atraiu bastante atenção da imprensa. Shellenberger não tomou o devido cuidado aqui.
Entrevistado pela Mongabay, Nepstad acrescentou que foi a atenção internacional que levou o governo Lula a continuar com seu bem-sucedido programa de redução do desmatamento, que resultou em reduções massivas de emissões de carbono que não foram devidamente reconhecidas pelo resto do mundo.
“O motivo pelo qual o presidente Lula priorizou a Amazônia foi o nível muito alto de indignação internacional expresso pela cobertura da mídia sobre as altas taxas de desmatamento no período 2002-2004”, disse Nepstad à Mongabay.
Os incêndios florestais na Amazônia são ocultados pelo dossel das árvores e aumentam apenas durante os anos de seca.
Embora os incêndios nos sub-bosques sejam muito mais predominantes nos anos de seca, especialmente sob a influência do Niño, as queimadas na floresta amazônica não aumentam apenas nessas épocas, como demonstrado pelas queimadas de agora, em uma estação que não é historicamente seca.
A sobreposição de dados de satélite da NASA com a recente perda de cobertura vegetal detectada pelo sistema GLAD da Global Forest Watch mostra que os incêndios estão acontecendo nas proximidades das florestas tropicais da Amazônia. Dado que os incêndios são mais quentes que o normal este ano, é quase certo que os incêndios sub-bosques estão queimando em áreas agrícolas e em áreas abertas nas florestas tropicais. Saberemos com certeza quando a fumaça desaparecer e os cientistas conseguirem avaliar a situação in loco. Shellenberger errou aqui.
O que aumentou em 7% em 2019 foram as queimadas de arbustos secos e árvores derrubadas para a pecuária como estratégia para ganhar a posse da terra.
Não há evidências que apoiem a afirmação de Shellenberger de que os arbustos secos e as “árvores derrubadas para a pecuária” representam 100% do aumento de incêndios em 2019.
Metade da Amazônia é protegida contra o desmatamento, segundo a lei federal.
Invasões a áreas protegidas e territórios indígenas, bem como o enfraquecimento e o desrespeito generalizado ao Código Florestal, significa que enquanto metade da Amazônia pode ser protegida no papel, ela não é protegida na prática. Invasões a áreas conservadas, extração ilegal de madeira e o terrorismo feito por madeireiros, garimpeiros e grileiros de terras às populações rurais, sob governos passados, e especialmente sob o governo de Jair Bolsonaro têm sido relatados regularmente.
Temos como exemplo a Floresta Nacional de Jamanxim, que perdeu 3% de sua cobertura florestal, 44.800 hectares, somente em maio. Enquanto isso, o amplamente divulgado projeto indígena de compensação de carbono Suruí Paiter, em Rondônia, foi invadido por garimpeiros ilegais, forçando a tribo a suspender a iniciativa.
E apenas 3% da Amazônia são adequados para a produção de soja.
O maior causador do desmatamento na Amazônia brasileira é a pecuária, não a plantação de soja.
Mas, mesmo assim, Nepstad disse que “3% das florestas fora das áreas protegidas são adequadas para o cultivo de soja”. Isso é muito diferente de toda a Amazônia.
Tanto Nepstad quanto Coutinho afirmam que a ameaça real é de incêndios florestais acidentais em anos de seca, o que as mudanças climáticas só ajudariam a piorar.
Shellenberger é confuso aqui. “Incêndio acidental” faz parecer que os incêndios não estão sendo causados intencionalmente, mas esse não é o caso.
Nepstad: “Praticamente todos os incêndios na Amazônia são iniciados pelas pessoas. Eles muitas vezes escapam dos seus limites pré-estabelecidos para as florestas vizinhas”. Não há nada acidental sobre o desmatamento da Amazônia por meio do uso do fogo como ferramenta. É importante ressaltar que os especuladores de terra também provocam queimadas regularmente, e intencionalmente, na Amazônia brasileira como uma ferramenta inicial de desmatamento ilegal, como forma de preparação para vendas ilícitas de terras, a preços altamente inflacionados, para pecuaristas e agricultores.
Hoje, de 18 a 20% da floresta amazônica ainda corre o risco de ser desmatada.
Não há absolutamente nenhuma prova para apoiar a afirmação da Shellenberger sobre isso.
Nepstad disse que Shellenberger poderia estar fazendo referência a terras na Amazônia brasileira que ainda não foram demarcadas.
“Cerca de um quinto da floresta amazônica ainda não é demarcada – está em disputa, terra devoluta”, disse ele. “Esta certamente não é a única floresta que está sob ameaça de desmatamento ou fogo.”
Desvio da visão geral
Em sua ânsia de criticar a mídia e censurar as celebridades, Shellenberger descarta as maiores preocupações sobre desenvolvimentos recentes na Amazônia. O temor é que o progresso passado do Brasil na redução do desmatamento e dos incêndios esteja sendo revertido como resultado da redução do quadro regulatório do governo Bolsonaro, das instituições, dos grupos da sociedade civil e da ciência, que permitiram ao país alcançar esses resultados.
Essa inversão também ocorre no momento em que um planeta em aquecimento torna a maior floresta tropical do mundo mais vulnerável à seca e ao fogo. Um retorno ao pico do desmatamento de meados dos anos 90 até meados dos anos 2000 seria ainda mais prejudicial hoje, dada a maior frequência de secas e temperaturas elevadas na Amazônia, bem como as maiores concentrações de CO2 na atmosfera, o que nos dá ainda menos tempo para reduzir as emissões.
E, embora os comentários de Nepstad sobre o artigo de Shellenberger pareçam também desconsiderar a atenção global atualmente dedicada à situação no Brasil, o cientista reiterou que agora é um momento muito importante para a Amazônia. Em suas próprias palavras:
“O fogo é um problema enorme na região amazônica. Incêndios em grande escala em florestas ainda em pé durante períodos de seca extrema são a maior ameaça para essas florestas em um mundo em aquecimento. Depois de queimadas, as florestas se tornam mais vulneráveis a novos incêndios. E como o desmatamento e os incêndios reincidentes reduzem a cobertura florestal, as chuvas ficam mais escassas”.
“Em 2019, esse problema está recebendo a atenção que merece. O número de incêndios e a quantidade de fumaça que eles estão produzindo aumentou, provavelmente devido ao grande número de florestas derrubadas que ficaram secas e agora estão queimando. A boa notícia é que não há evidências de que a área de florestas em pé pegando fogo seja significativamente maior do que a área de floresta que normalmente queima nesta época do ano. Ainda é cedo, no entanto. A má notícia é que as previsões meteorológicas indicam que a estação seca em que a Amazônia está atualmente pode se tornar bastante severa. As florestas podem começar a queimar em grandes áreas.
“O Brasil tem uma rara oportunidade de se concentrar nos incêndios agora e projetar algumas soluções sistêmicas para as queimadas, incluindo propostas de curto e longo prazos, conforme descrito no blog. Essas soluções começam no solo – há uma enorme expertise em prevenção de incêndios e controle de incêndios entre os agricultores, comunidades, brigadas de incêndio e governos locais da Amazônia. No longo prazo, uma mudança para mais plantações de árvores, sistemas agroflorestais, aquicultura e produção pecuária mais intensiva poderiam reduzir bastante o uso de fogo e aumentar os investimentos em controle de incêndios”.
Andrew Revkin, ex-repórter do The New York Times e atual diretor fundador da Iniciativa de Comunicação e Sustentabilidade do The Earth Institute, na Universidade de Columbia, que também foi citado na coluna de Shellenberger, concordou que as reportagens atuais sobre os incêndios na Amazônia feitas pela mídia tradicional são problemáticas, que falham ao não mencionarem aspectos importantes. Mas ele informou à Mongabay que não ficou muito feliz com a perspectiva de Shellenberger.
“Eu não endosso a visão do artigo e não concordo, absolutamente, com a referência caricaturada da situação”, escreveu Revkin por e-mail. “As ameaças e soluções para a Amazônia são tão variadas e difundidas quanto a própria bacia. Caracterizações simples da catástrofe, como são feitas em muitas coberturas da mídia, perdem oportunidades substanciais para reduzir a perda e até mesmo virar a maré rumo à restauração e à sustentabilidade”.
“Assim como o pessimismo em torno das mudanças climáticas, eles podem provocar paralisia e desencorajamento quando o oposto é necessário. Mas interpretações simplistas dos motivos daqueles que desafiam a atual liderança do Brasil são inúteis”.
Imagem da capa: Vista aérea de áreas em chamadas na floresta amazônica, na cidade de Porto Velho, estado de Rondônia. Foto tirada em 23 de agosto de 2019. (Victor Moriyama / Greenpeace)
Artigo original: https://news-mongabay-com.mongabay.com/2019/08/michael-shellenbergers-sloppy-forbes-diatribe-on-amazon-fires-commentary/