Um novo estudo de modelagem descobriu que o irrestrito desmatamento da Amazônia brasileira e do cerrado pode resultar na perda de 606.000 quilômetros quadrados de floresta até 2050, levando a aumentos nas temperaturas locais de até 1,45°C, além de aumentos globais de temperatura.
Sob um modelo de aplicação do Código Florestal do Brasil, os pesquisadores preveem que o desmatamento seria limitado a 79.000 quilômetros quadrados, com reflorestamento ocorrendo em mais de 110.000 quilômetros quadrados, levando a um aumento médio local de apenas 0,2°C.
Pesquisadores dizem que a perda das árvores deve ser interrompida e o programa de reflorestamento começou a proteger as pessoas e a vida selvagem, e a reduzir o aquecimento regional.
Répteis e anfíbios em especial ficariam vulneráveis a aumentos de temperatura desencadeados pelo desmatamento e perda de umidade.
Sabe-se que a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento levam à emissão de dióxido de carbono, elevando as temperaturas em todo o mundo. Menos conhecido é o fato de que a remoção de cobertura das árvores está contribuindo para o aumento das temperaturas em um nível local – por enquanto.
Em um novo estudo publicado no jornal de acesso aberto PLOS ONE, cientistas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e da Universidade da Califórnia, Santa Cruz (UCSC), descobriram que o aumento da temperatura na vizinhança imediata de um área desmatada poderia chegar a 1,45 graus Celsius até 2050 em áreas tropicais como a bacia amazônica ou no cerrado.
“Todos estão familiarizados com o quão quente é nas cidades em comparação com um ambiente florestal, e isso é porque a energia é absorvida e, em seguida, gera radiação infravermelha que aquece o ambiente. O mesmo acontece se você desmata”, explicou o coautor do estudo Barry Sinervo do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da UCSC em uma entrevista com a Mongabay.
O estudo explora como o efeito albedo (superfícies mais claras refletem o calor e as mais escuras o absorvem) e a perda de evapotranspiração (a água da terra, das árvores e das plantas volta para a atmosfera) podem conduzir ao aquecimento em escala local em áreas tropicais desmatadas. Em contrapartida, a perda de cobertura vegetativa em florestas boreais subárticas tem pouco impacto nas temperaturas locais.
“Mostramos que o aquecimento naqueles habitats [tropicais] desmatados pode ter um efeito em uma escala local”, disse Sinervo. “E isso significa que, mesmo se a floresta está intacta, está ficando mais quente por causa do desmatamento que está ocorrendo em torno dela.”
Os pesquisadores utilizaram dados recém-lançados sobre cobertura florestal, taxas de evapotranspiração, reflexo da luz solar e temperaturas superficiais da terra para desenvolver um modelo baseado em suas interrelações. Eles então determinaram o que poderia acontecer a respeito do calor em cenários previstos ao longo dos próximos 30 anos.
O modelo mostrou que o desmatamento causou um aquecimento local consistente em áreas tropicais de 0,38°C entre 2000 e 2010. Em seguida, os cientistas analizaram o que poderia acontecer depois disso em dois cenários: um cenário de típico de “negócios”, que “não assume nenhum controle efetivo do desmatamento no Brasil”, e um cenário em que o Código Florestal do Brasil é devidamente aplicado, restringindo a perda de vegetação nativa.
No primeiro cenário, estima-se que 606.000 quilômetros quadrados da floresta poderiam ser perdidos até 2050, conduzindo aos aumentos locais de temperatura de até 1,45°C, com um aumento médio de 0,11°C.
No cenário do Código Florestal, os pesquisadores preveem que o desmatamento seria limitado a 79.000 quilômetros quadrados até 2050, com reflorestamento ocorrendo em mais de 110.000 quilômetros quadrados, levando a uma média local de aumento de apenas 0,2°C.
Sinervo contou à Mongabay que os futuros aumentos de temperatura poderiam ser ainda maiores do que os previstos pelo estudo. “Nós só fizemos cálculos com base em 50% de desmatamento versus o Código Florestal”, disse ele. “Se aumentarmos os números (75% de desmatamento) – embora isso não esteja no estudo, eu fiz alguns cálculos – pode-se ter um aumento local de 2°C.”
Ele também apontou que isto está de acordo com os previstos aumentos de temperatura global de até 2°C. “Isso nos dá 2 + 2, que é 4°C de aquecimento contando a mudança climática [global] e o desmatamento [local], e este é um número muito alto para se considerar.”
O estudo deixa claro que grandes aumentos de temperatura local podem escalar as taxas de mortalidade humana, juntamente com a demanda por eletricidade, reduzindo os rendimentos agrícolas e a biodiversidade.
Guarino Colli, um zoólogo da Universidade de Brasília estudando populações de lagartos no cerrado, disse à Mongabay que os répteis são especialmente sensíveis às mudanças de temperatura porque não produzem seu próprio calor através do metabolismo, e também porque o sexo biológico dos jovens em alguns grupos – tartarugas de água doce e crocodilos, mais notavelmente – depende da temperatura de incubação.
Se as temperaturas locais aumentam abruptamente, especialmente ao meio-dia, ele explicou, muitos répteis tropicais terão tempo disponível reduzido para forragear, acasalar e reproduzir.
“A maioria das pessoas pensam que [animais] vão superaquecer e morrer, mas o impacto é mais sutil”, disse ele. “[Em vez disso,] o período de atividade é reduzido, mas isso pode ter consequências profundas em termos de sucesso reprodutivo e recrutamento.”
Colli postulou que esse efeito térmico pode ser replicado em outros grupos taxonômicos, como insetos, que são bem menos estudados. “O que estamos falando a respeito de lagartos é apenas um fragmento do que pode acontecer a comunidades inteiras”, disse ele.
Há evidências de populações de lagartos locais desaparecendo como resultado de temperaturas crescentes no México. Um artigo publicado por Sinervo e seus colegas na Science em 2010 descobriu que 12% das 200 populações de lagartos locais tinham deixado de existir, e os pesquisadores foram capazes de demonstrar que essa perda foi devido às temperaturas crescentes.
Os anfíbios também são bastante sensíveis aos aumentos de temperatura e outras mudanças no clima, como a umidade, de acordo com Denis Otávio Vieira de Andrade, que está colaborando com Sinervo na UCSC. “No caso dos anfíbios, eles são bastante restritos pela umidade, porque eles têm peles muito permeáveis”, disse Andrade. “Se você reduzir a umidade, eles perdem mais água através de sua pele, o que pode causar desidratação e comprometê-los ainda mais.”
Ainda não é possível dizer se e quantas espécies podem ser extintas devido a aumentos de temperatura local e mudanças de umidade na Amazônia, no cerrado e outros ambientes tropicais.
Colli ressaltou que, com seu atual Código Florestal, o Brasil tem fortes leis ambientais: “Na Amazônia, sob o código, você não pode [nunca] cortar mais de 80% [da vegetação nativa em terras privadas, e a percentagem permitida é muitas vezes significativamente menor], e se isso fosse controlado, teríamos uma situação [ambiental] muito melhor”, disse ele. “O estudo do PLOS ONE mostra um modelo de típico de “negócios” versus o Código Florestal, mas o [modelo] de Código Florestal deve ser um de negócios, porque é isso que a lei diz.” No entanto, qual será a posição da administração de direita do Bolsonaro sobre o Código Florestal permanece em questão; o governo já anunciou uma grande desregulamentação ambiental.
Sinervo disse que um programa de reflorestamento ativo é crucial para desajustar os impactos dos aumentos de temperatura globais. Estima-se que há 20 milhões de quilômetros quadrados de terra disponível para reflorestamento em todo o mundo, mas os compromissos globais atuais são de restaurar apenas 3,5 milhões de quilômetros quadrados até 2030.
Florestas já cobriram cerca de 40% da superfície terrestre e perdemos cerca de um quarto da cobertura até hoje – transformando o número inicial em cerca de 30% – com grande parte dessa perda tendo ocorrido nos últimos 300 anos. Se as florestas forem ser efetivamente utilizadas como um meio de sequestrar carbono e manter as temperaturas locais baixas nos trópicos, então o mundo deve reverter a sua tendência de corte de árvores de 3 séculos de duração.
Citação:
Prevedello JA, Winck GR, Weber MM, Nichols E, Sinervo B (2019) Impacts of forestation and deforestation on local temperature across the globe. PLoS ONE 14(3): e0213368. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0213368
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Artigo original: https://news-mongabay-com.mongabay.com/2019/05/the-heat-is-on-amazon-tree-loss-could-bring-1-45-degree-c-local-rise/