O Brasil e o estado de Roraima, em especial, já tiveram muitos incêndios florestais este ano. De janeiro a maio, o país teve 17.913 focos, sendo 11.804 deles nos nove estados da Amazônia. Somente o ano de 2016 registrou mais danos à floresta, quando 13.663 incêndios florestais aconteceram no mesmo período.
De janeiro a maio, Roraima registrou 4.600 incêndios, o maior número para o estado nesse mesmo período (a região teve 1.970 focos ao longo de todo o ano de 2018). O último recorde anual para um estado brasileiro ocorreu em Mato Grosso, que registrou 4.927 incêndios florestais somente em 2016.
O aumento no número de incêndios se deve a vários fatores, incluindo a piora da estiagem na Amazônia, causada pelas mudanças climáticas, pela grilagem e desmatamento ilegal (o fogo geralmente é usado como ferramenta para limpar a floresta, como forma de prepará-la para o pasto e para o agronegócio em grande escala).
Outro fator está nas políticas federais de desmatamento e combate aos incêndios. Desde março, o governo Bolsonaro cortou 7,3 milhões de dólares destinados à prevenção contra incêndios e inspeções ambientais feitas pelo IBAMA e pelo ICMBio.
No estado de Roraima, a estação seca tem sido mais propensa a incêndios do que o comum neste ano, devido a uma combinação de ameaças. Grilagem de terra, desmatamento ilegal, mudanças climáticas e um número recorde de incêndios florestais contribuem para danificar as florestas da região de forma radical. Esses impactos são agravados pela crise financeira do país, que tem esvaziado os cofres públicos, e pelas reduções no orçamento federal do meio ambiente, feitas pelo governo de Jair Bolsonaro.
De janeiro a abril, os incêndios florestais se alastram mais facilmente pela região norte do Brasil, de acordo com o Programa Queimadas, administrado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Dados do mês de maio mostram que o país registrou um aumento geral de incêndios florestais, com 17.913 focos. A maioria desses incêndios aconteceu na Amazônia, com 11.804 casos registrados nos nove estados da região. Somente o ano de 2016 testemunhou um dano maior, quando 13.663 incêndios florestais aconteceram na bacia amazônica, lar da maior floresta tropical sobrevivente do planeta.
Durante o mesmo período deste ano, Roraima registrou 4.600 incêndios , o que o tornou o estado mais afetado de todos (Roraima teve apenas 1.970 focos durante todo o ano de 2018). Os dados de 2019 se tornam ainda mais impressionantes ao considerarmos que o último recorde para um estado brasileiro pertencia ao Mato Grosso, que sofreu com 4.927 incêndios florestais durante todo o ano de 2016. O Mato Grosso está localizado na ponta do chamado Arco do Desmatamento. O estado também apresenta parte de outro bioma ameaçado, o Cerrado, onde as plantações do agronegócio estão rapidamente substituindo a vegetação nativa, o que ajuda a explicar o alto número de incêndios florestais na região.
Para entender melhor os fatores por trás do aumento do número de incêndios neste ano, é necessário voltar-se às causas históricas: a maioria dos incêndios que acontecem na estação seca no Brasil não é natural, mas sim provocada por fazendeiros e pela indústria do agronegócio para a renovação da terra de plantio (sendo que os incêndios geralmente fogem do controle e atingem as florestas). Os incêndios também são causados intencional e ilegalmente por grileiros de terra, especuladores que queimam a floresta tropical para valorizar a terra com o objetivo de vendê-la a criadores de gado e agricultores.
“Aqui (na Amazônia), os incêndios são sempre ligados ao desmatamento”, explica Joaquim Parimé, superintendente regional do IBAMA em Roraima.
Parques em chamas
Os incêndios florestais em Roraima, nos últimos meses, e a falta de recursos federais para combatê-los, são exemplos dos acontecimentos recentes no Parque Nacional Viruá.
Essa unidade federal de conservação, criada em 1998, cobre 241.948 hectares e protege um ecossistema da Amazônia conhecido como floresta de areia branca Neotropical, que desponta como “ilhas habitats” ao longo dos rios. O Parque Nacional Viruá conserva um pântano único da Amazônia que protege os rios Branco e Baruana, além de uma biodiversidade extraordinária. Ele é o lar de onças e de mais de 500 espécies de pássaros, muitos dos quais estão ameaçados de extinção.
Infelizmente, o Parque está localizado em Caracaraí, o município mais afetado pelos incêndios florestais no Brasil durante o começo de 2019. O Parque também sofreu uma série de focos de incêndio de janeiro a abril.
“Há indícios de que os incêndios recentes no Parque Nacional Viruá tiveram origem fora de seu território (em propriedades privadas)”, explica Christian Berlinck, superintendente de luta e prevenção a incêndios do ICMBio, agência que administra os parques federais e outras unidades de conservação, tais como os refúgios de vida selvagem.
Em março, Caracaraí (município maior que a Suíça) testemunhou 800 incêndios. Mais ao norte, em fevereiro, em Amajari (município a 150 quilômetros de Boa Vista), foi decretado estado de emergência, com novos incêndios registrados diariamente. O que contribuiu para a situação: o Amajari enfrenta problemas históricos de disputas de terra e grilagem, incluindo aacusações que envolvem políticos locais.
“A maior parte da terra da Amazônia brasileira é de domínio público”, explica Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA). Geralmente, essas terras públicas “se tornam privadas ao serem ilegalmente invadidas, tanto por invasores quanto por grileiros, e então o governo reconhece as reivindicações e concede a propriedade”.
Em Roraima, autoridades estabeleceram uma ligação entre os incêndios florestais, a grilagem de terras e o mercado de extração ilegal de madeira, especialmente de espécies como a cobiçada maçaranduba.
“A grilagem de terra na Amazônia tem diferentes estágios: primeiro, os grileiros derrubam árvores para lucrarem. Então, o que sobra da vegetação original é desmatado, substituído por pasto para gado, que então serve como prova de que a terra é ‘produtiva’, tornando mais fácil para os grileiros conseguirem a posse”, explica um relatório da Imazon, instituto brasileiro de pesquisa que monitora o desmatamento na Amazônia.
Os grileiros também tocam foco na floresta, geralmente, para intimidar e expulsar qualquer um que já more no local, incluindo povos indígenas e tradicionais, que, assim como os sem-terra, estão tentando estabelecer um assentamento legítimo, como parte do antigo e extenso programa de reforma agrária brasileiro. Como resultado, os grileiros estão em constante guerra com essas comunidades no país inteiro, mas especialmente na Amazônia, onde os assentamentos rurais estão geralmente fora do alcance da lei.
“Em 2019, recebemos denúncias de grilagem de terra e um pacote de dados (gerados por monitoramento via satélite), indicando áreas (recém) desmatadas. Trabalhamos praticamente sozinhos este ano”, declara o superintendente do IBAMA em Roraima. A agência só conseguiu pagar as operações deste ano porque tinha dinheiro destinado para esse fim desde o ano passado. O IBAMA afirma que não tem quase nada de apoio municipal ou estadual para prevenir o desmatamento e os incêndios florestais em Roraima até o momento.
Relatórios recentes do Imazon mostram que o desmatamento continua a piorar em Roraima: pontos de extração ilegal de madeira, como em Caracaraí, Mucajaí e Rorainópolis perderam, juntos, 75 quilômetros quadrados de floresta de janeiro a abril de 2019.
Os dados mais recentes sobre o desmatamento na Amazônia brasileira também são alarmantes. Somente em maio, a região perdeu 285 milhas quadradas (o equivalente a dois campos de futebol por minuto). Isso representa um aumento de 34% em comparação ao mesmo período de 2018. Alguns ambientalistas e pesquisadores afirmam que pode ser o resultado das políticas florestais do governo Bolsonaro, apesar de alguns advertirem que o registro de um mês não é o suficiente para documentar um aumento anual no desmatamento, sendo que são necessários mais dados mensais antes que um padrão seja identificado.
Mudanças climáticas pioram os incêndios florestais
O aumento dos incêndios florestais não é uma preocupação só de Roraima. Os incêndios na Amazônia liberam uma enorme quantidade de carbono na atmosfera, e a sua disparada está acelerando o aquecimento global, enquanto coloca os compromissos do Brasil com a redução de carbono, feitos no Acordo do Clima de Paris, de 2015, em risco.
Relatórios recentes do INPE confirmam que, devido ao crescente número de incêndios florestais, as atuais políticas de desmatamento não serão suficientes para desacelerar a emissão de gases causadores do efeito estufa no Brasil, a fim de cumprir o compromisso feito pelo país no Acordo de Paris.
Outra informação importante é que outros estudos do INPE indicam que as mudanças climáticas estão alternando o ciclo histórico de incêndios florestais da Amazônia. As alterações no clima estão aumentando as secas. Durante essas secas mais longas, as árvores amazônicas ficam mais fracas e desidratadas, o que resulta em mais mortes de árvores, e que significa mais combustível para a propagação dos incêndios.
Agências ambientais federais afirmam que uma mudança do El Niño, no início de 2019, ajudou a reduzir a quantidade de chuvas, estendendo a seca regional não só em Roraima, mas também no Amapá e no nordeste brasileiro.
Em 2015, a Oscilação Sul do El Niño , a Oscilação Multidecadal do Atlântico e a Oscilação Decadal do Pacífico, juntas, causaram uma grave estiagem na Amazônia. Tais ciclos alteram os padrões do clima global, mudando as temperaturas do oceano e a força dos ventos alísios, que resultam em uma quantidade menor de chuva na bacia amazônica. A possibilidade de uma intensificação do El Niño é quase nula para o resto de 2019.
Ainda assim, as mudanças climáticas estão intensificando esses eventos, antes atípicos, e tornando-os mais frequentes. Mas o governo Bolsonaro não parece muito interessado em saber sobre esse problema ou mesmo se prevenir, o que agrava a seca.
Em março, a administração cortou 95% do orçamento anual destinado à Política Nacional de Mudanças Climáticas. A princípio, o ministro inspecionou o programa, que foi fundado com 11,8 milhões de reais para ações contra as mudanças climáticas, mas que teve seu orçamento reduzido a 500 mil reais.
“As mudanças climáticas podem aumentar a estiagem nos (diversos) biomas, incluindo o Cerrado e a Amazônia, o que é uma grande preocupação”, afirmou um especialista da ICMBio em prevenção contra incêndios, que concedeu entrevista de forma anônima, com medo de represálias do governo.
Menos dinheiro para equipamentos, prevenção e inspeção
Desde março, o IBAMA e o ICMBio perderam mais de 30 milhões de reais destinados à prevenção de incêndios e inspeções ambientais. A queda brusca desses recursos federais é especialmente catastrófica diante da atual crise financeira aguda dos estados brasileiros.
“Roraima passa por uma calamidade financeira”, afirma o superintendente regional do IBAMA. “Há poucos inspetores estaduais (de combate a incêndios), e quando eles são requisitados, buscamos apoio nos estados vizinhos durante esse período mais crítico (na estiagem). Neste ano, estamos trabalhando mais do que em anos anteriores, principalmente por conta do aumento dos focos de incêndio, junto a outros problemas relacionados ao desmatamento no estado”.
Imagem do banner: brigadistas federais tentam controlar um foco de incêndio na bacia Xingu. Imagem: Vinicius Mendonça, IBAMA.
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Artigo original: https://news-mongabay-com.mongabay.com/2019/06/brazils-roraima-state-at-mercy-of-2019-wildfires-as-federal-funds-dry-up/