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Aumenta a pressão sobre a UE para conter o desmatamento brasileiro e os abusos contra direitos humanos

  • Novas ameaças aos povos indígenas e o crescente desmatamento observados no governo do presidente Jair Bolsonaro, que completou seus primeiros 100 dias de mandato em abril, preocupam cada vez mais as ONGs socioambientais brasileiras e internacionais.

  • Atualmente na UE, segundo maior parceiro comercial do Brasil, não há qualquer regulamentação comercial vinculativa de bens agrícolas ligada à eliminação do desmatamento, redução da degradação ambiental e proteção contra a violação de direitos humanos.

  • Um novo relatório elaborado em abril por mais de 20 ONGs — incluindo Fern, Forest Peoples Programme, Institute for Agriculture and Trade Policy e Amazon Watch — fez um apelo para que a UE incluísse nos acordos comerciais em negociação, como o acordo de livre-comércio entre a União Europeia e o Mercosul, cláusulas para proteção total das florestas e dos direitos indígenas.

O desmatamento devido à expansão agrícola impera no Brasil e em todo o mundo, ameaçando a biodiversidade e contribuindo para as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Crédito da foto: Gidsicki via Visualhunt.com / CC BY

Nos primeiros 100 dias desde que Jair Bolsonaro se tornou presidente da quarta maior democracia do mundo, o Brasil testemunhou o enfraquecimento dos direitos indígenas e das proteções ambientais, sem sinais de um recuo da situação. Em abril, um relatório coassinado por mais de 20 organizações, que coincidiu com o marco de 100 dias do governo Bolsonaro, lançou um apelo à União Europeia (UE) para que ela usasse sua influência comercial e diplomática e seu poder de investimento para impedir que seja cúmplice de políticas que ameacem os direitos indígenas ou causem desmatamento e degradação ambiental no país latino-americano.

“Hoje, o Brasil tem um presidente que declarou publicamente os povos indígenas como inimigos e que está colocando a sociedade contra eles”, disse Sonia Guajajara, coordenadora geral da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a maior organização indígena do país, durante um evento paralelo ao Fórum Permanente sobre Questões Indígenas da Organização das Nações Unidas em Nova York, em 22 de abril. “Ninguém consegue viver em paz se não for considerado um cidadão em sua própria terra.”

Uma das primeiras mudanças de Bolsonaro em janeiro foi a transferência temporária da demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura, vista como um grande conflito de interesses pelos críticos, porque o agronegócio há muito tempo cobiça as reservas indígenas para exploração. Também se acredita que a transferência da demarcação desencadeou o aumento de invasões nas reservas e da violência contra os povos indígenas, de acordo com as notícias. Ainda em janeiro, o desmatamento na Amazônia aumentou 54% em relação ao mesmo período de 2018.

Ao avaliar os 100 primeiros dias do governo Bolsonaro, o coordenador de políticas públicas do Greenpeace Brasil, Marcio Astrini, afirmou que “Não houve nenhuma nova medida para combater o desmatamento na Amazônia; pelo contrário, o presidente do Brasil tomou medidas que colocam a floresta tropical em maior risco e aumentam a violência na região”.

Manifestantes indígenas opositores às políticas do governo Bolsonaro marcham na noite do dia 24 de abril de 2019 em direção à Praça dos Três Poderes, que abriga o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Foto: Karla Mendes/Mongabay

O novo relatório, 100 dias de Bolsonaro – Pelo fim do papel da União Europeia no ataque à Amazônia, foi publicado pela Fern, um grupo socioambiental holandês, em colaboração com outras organizações, entre elas, Forest Peoples Programme, PowerShift, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e Ecologistas en Acción. O relatório é um apelo para que a UE exerça sua influência como o segundo maior parceiro comercial do Brasil para conter os abusos políticos do governo Bolsonaro contra os grupos indígenas e o meio ambiente.

A União Europeia representa 18,3% do comércio do Brasil e é um mercado significativo para as exportações agrícolas de produtos relacionados ao desmatamento, como soja e carne bovina. E, embora muitas empresas transnacionais tenham assumido compromissos voluntários com o desmatamento zero, restam dúvidas sobre a eficácia desses compromissos sem regulamentações vinculativas para respaldá-los.

“O estímulo para a regulamentação do comércio agrícola que causa o desmatamento tem realmente crescido nos últimos anos,” afirma Nicole Polsterer, diretora de Produção e Consumo Sustentável da Fern, que ajudou a produzir o relatório. “O que a UE precisa é de coerência política, para que as empresas e os produtores tenham uma estrutura em que se basear.”

Plantação de dendezeiros no Brasil. As commodities do agronegócio destinadas à exportação para a UE e outras regiões, incluindo soja, azeite de dendê, algodão, milho, eucalipto e carne bovina, são todas produzidas na Amazônia e no Cerrado brasileiros, contribuindo para o desmatamento. Crédito da foto: USAID Biodiversity & Forestry via Visualhunt.com / CC BY-NC

O papel da UE no desmatamento brasileiro

De acordo com um estudo publicado em maio, o estudo publicado em maio, o comércio internacional, principalmente de carne bovina e sementes oleaginosas (como as derivadas de soja e dendê), é responsável por até 39% das emissões mundiais de gases de efeito estufa provocadas pelo desmatamento; e cerca de um sexto da pegada de carbono da dieta característica na UE também pode estar diretamente ligado ao desmatamento em países tropicais.

O estudo de viabilidade da própria UE, publicado no ano passado, concluiu que uma ação regulamentar direta do bloco seria, sem dúvida, a abordagem política mais impactante que as nações europeias poderiam empregar para combater o desmatamento e a degradação florestal na América Latina e em outras regiões. Uma carta assinada por mais de 600 cientistas publicada na revista Science em abril instava a UE a aproveitar a oportunidade das negociações comerciais em curso com o Brasil para garantir que o país protegesse os direitos humanos e o meio ambiente.

Com base nos fortes laços econômicos entre a UE e o Brasil, o relatório recomenda:

Terminal graneleiro da Cargill em Santarém, na Amazônia brasileira. Instalações portuárias como essa fazem parte de uma vasta rede de estradas, ferrovias e hidrovias industriais que transportam soja e outras commodities do interior do país até a costa para exportação para a União Europeia, China e outras nações. Crédito da foto: sara y tzunky via Visualhunt.com / CC BY-NC

Modelos para a regulamentação da UE

Muitos países europeus isolados (alguns membros da UE e outros não) já têm regulamentações que restringem o comércio de produtos ligados ao desmatamento — políticas que poderiam ser modelos para a regulamentação em toda a UE.

O Fundo Global de Pensões do Governo da Noruega (GPFG), maior fundo soberano do mundo, deixou de investir em empresas ligadas ao desmatamento, como as produtoras de azeite de dendê e cacau. Recentemente, a França declarou o compromisso de como as produtoras de azeite de dendê e cacau. Recentemente, a França declarou o compromisso de, concluindo que “medidas para reduzir o impacto do consumo na União Europeia e na França sobre o desmatamento devem ser adotadas rapidamente, já que ações relacionadas à importação devem fazer parte do mercado único europeu”.

Embora a UE já tenha leis que tratam da exploração ilegal de madeira, exploração ilegal de madeira e minerais de zonas de conflito, ainda não há legislação que regule o comércio agrícola ligado ao desmatamento.

“O desmatamento [no Brasil] não ocorre apenas devido ao desmatamento ilegal para a agricultura, mas também porque as leis são enfraquecidas e a governança é precária”, afirma Nicole da Fern. “É por essa razão que a pressão internacional também se faz necessária.”

A UE deu um grande passo ao desclassificar o azeite de dendê como uma fonte de energia renovável, embora a data de interrupção gradual do uso tenha sido prorrogada recentemente de 2021 para 2030, enfraquecendo a decisão e irritando muitos ambientalistas.

Óleo de soja à venda. ONGs socioambientais estão tentando conscientizar os consumidores sobre a relação entre a soja e outras commodities brasileiras e o desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Crédito da foto: Male Gringo via Visualhunt.com / CC BY-NC

O Roteiro da UE e outras iniciativas

A proposta de regulamentação sobre desmatamento mais importante da UE no momento é a iniciativa Desflorestação e degradação florestal – intensificação da ação da UE, conhecida não oficialmente como “Roteiro” e elaborada em resposta “ao problema persistente do desmatamento global e à crescente conscientização da relação entre o desmatamento e a expansão agrícola, bem como aos apelos constantes do Parlamento Europeu e do Conselho da UE por uma tomada de ação”. Essa iniciativa provavelmente será aprovada pela Comissão Europeia nos próximos meses.

De acordo com uma resposta por escrito da Comissão Europeia à Mongabay, “A comissão acaba de concordar com um Roteiro que descreve os principais elementos planejados de uma iminente Comunicação da Comissão sobre o desmatamento. Um dos objetivos da comunicação é promover cadeias de suprimentos sustentáveis e transparentes para commodities produzidas de forma sustentável e o fornecimento sustentável de serviços relacionados”.

Mas algumas pessoas dizem que as novas regulamentações não serão suficientes.

Segundo Nicole da Fern, “O Roteiro da UE em dezembro faz referência ao que precisa acontecer para que as políticas contra o desmatamento sejam implementadas. Porém, ainda não foi sugerida nenhuma política específica para a agricultura, que é a principal responsável pelo problema”.

Um importante Tratado de livre-comércio (TLC) entre a UE e os países do Mercosul — Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai — foi negociado durante quase duas décadas e poderia lidar com as questões socioambientais da América Latina. Uma das exigências do relatório da Fern era que o acordo UE/Mercosul tinha que incluir disposições vinculativas e exequíveis para acabar com o desmatamento, respeitar os direitos consuetudinários de posse e implementar o Acordo Climático de Paris.

Nos primeiros 100 dias de governo, o presidente Jair Bolsonaro enfraqueceu as proteções e instituições ambientais, enquanto a Amazônia vivenciou um aumento da violência contra grupos indígenas e comunidades tradicionais. Crédito da foto: jeso.carneiro via Visualhunt.com / CC BY-NC

Em uma declaração à Mongabay na época da negociação do acordo, o porta-voz da Comissão Europeia afirmou que “O acordo do Mercosul que está sendo negociado incluirá um capítulo sobre comércio e desenvolvimento sustentável, que abrangerá questões como o manejo sustentável e a conservação de florestas, o comércio de animais silvestres e o respeito aos direitos trabalhistas; instituirá um novo fórum para discutir como tornar os fluxos comerciais mais sustentáveis; [e] abordará, como parte do diálogo político do Acordo de Associação, os direitos das comunidades indígenas”.

Não se sabe se o Roteiro e os acordos comerciais do Mercosul responderão plenamente às preocupações destacadas no relatório da Fern; no entanto, grupos de defesa socioambiental afirmam que já existem marcos e acordos nacionais que poderiam ser utilizados para forçar a UE a agir com maior rapidez e eficácia.

“A principal mensagem é que a UE fala duas línguas diferentes”, afirma Nicole. “De um lado, temos uma economia orientada para o comércio [amplamente desregulada] e, de outro, um compromisso com os ODS [Objetivos de Desenvolvimento Sustentável] e com o Acordo Climático de Paris. Mas esses dois lados não estão se conectando. Parece que a realpolitik se sobrepõe a qualquer preocupação quanto ao clima e aos direitos humanos.”

IMAGEM DO BANNER: Caminhão transportando madeira. Crédito da foto: caco.carvalho via Visual Hunt / CC BY-NC-SA

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Artigo original: https://news.mongabay.com/2019/05/pressure-mounts-on-eu-to-curb-brazilian-deforestation-human-rights-abuses/

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