Notícias ambientais

Ex-ministros brasileiros do Meio Ambiente criticam ataques ambientais de Bolsonaro

  • Um novo manifesto de oito ex-ministros do Meio Ambiente do Brasil acusou o governo direitista de Bolsonaro de “uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente”.

  • Os ministros alertam que as políticas ambientais draconianas de Bolsonaro, incluindo o enfraquecimento do licenciamento ambiental, além de amplas anistias de desmatamento ilegal, podem causar grandes danos econômicos ao Brasil, possivelmente colocando em risco acordos comerciais com a União Europeia.

  • Em maio, o Brasil ameaçou revisar as regras usadas para selecionar projetos de desmatamento para o Fundo Amazônia, uma quantia fornecida todos os anos ao Brasil, principalmente pela Noruega e Alemanha. Ambas as nações negam ser consultadas sobre a mudança de regra que poderia acabar com muitas ONGs que recebem doações do fundo.

  • Em maio, o Brasil ameaçou revisar as regras usadas para selecionar projetos de desmatamento para o Fundo Amazônia, uma quantia fornecida todos os anos ao Brasil, principalmente pela Noruega e Alemanha. Ambas as nações negam ser consultadas sobre a mudança de regra que poderia acabar com muitas ONGs que recebem doações do fundo.

Onde ficava a floresta tropical, algumas árvores têm vista para uma plantação do agronegócio brasileiro. As novas políticas de Bolsonaro são uma ameaça direta à floresta amazônica, dizem ex-ministros do Meio Ambiente. Foto de Mayangdi Inzaulgarat.

Oito ex-ministros do meio ambiente do Brasil lançaram um manifesto em São Paulo, no dia 8 de maio, em que criticaram intensamente as políticas ambientais do presidente Jair Bolsonaro.

Em uma ação incomum, condenaram o governo por “uma série de ações, sem precedentes, que esvaziam a sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas do Ministério do Meio Ambiente” e acusaram o governo de “comprometer a imagem e a credibilidade internacional do país”.

Entre as medidas que mais atacaram, está a decisão de transferir a Agência Nacional de Águas para o Ministério do Desenvolvimento Regional; a transferência do Serviço Florestal Brasileiro para o Ministério da Agricultura; a abolição da Secretaria de Mudanças Climáticas; a nomeação de administradores com pouca ou nenhuma experiência ambiental para posições-chave; e o enfraquecimento do licenciamento ambiental sob o pretexto de alcançar maior eficiência.

“Nunca pensamos em testemunhar um esforço tão nocivo para destruir o que o Brasil construiu durante um período tão longo”, disse Rubens Ricupero, ministro do Meio Ambiente de 1993 a 1994, sob o governo do presidente Itamar Franco.

“O governo está adotando políticas que negam as mudanças climáticas”, alertou José Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer. “Parece que precisaremos de uma enorme catástrofe, uma tragédia, para que eles percebam o que está acontecendo”.

“O país com a maior biodiversidade do mundo está começando a desistir dos tratados que assinou anteriormente”, disse Carlos Minc, ministro do Meio Ambiente de 2008 a 2010, sob a administração do presidente Lula, em referência ao Acordo Climático de Paris. “Pode se tornar a maior ameaça ao clima do planeta”.

José Carlos Carvalho, ministro do Meio Ambiente em 2002, criticou o mau tratamento de Bolsonaro aos funcionários do IBAMA, agência ambiental do Brasil: “É como se os [funcionários] fossem a causa dos problemas que eles deveriam enfrentar”, disse ele, referindo-se ao lançamento de investigações do Ministério do Meio Ambiente contra pessoas encarregadas da tarefa de combater atividades ilegais em terras indígenas e dentro de áreas protegidas, e ameaçando os funcionários com demissão.

Reunião de ex-ministros do Meio Ambiente (da esquerda para a direita) José Carlos Carvalho, José Sarney Filho, Izabella Teixeira, Rubens Ricupero, Marina Silva, Edson Duarte e Carlos Minc. Imagem de Leonor Calasans/IEA-USP

Brasil rejeita iniciativas ambientais internacionais

Marina Silva, ministra do Meio Ambiente de 2003 a 2008 e candidata à presidência em 2018, acredita que a redução dos orçamentos e o enfraquecimento do licenciamento ambiental causarão grandes danos econômicos ao Brasil: “A União Europeia está pensando duas vezes em novos acordos com o Mercosul [bloco comercial da América do Sul] por causa de nossas políticas ambientais”, alertou.

Edson Duarte, ministro no início de 2019, enquanto Bolsonaro finalizava a nomeação do atual ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, está preocupado com os contratempos, dizendo: “Apesar das diferentes posições ideológicas dos governos [brasileiros] do passado, todos trouxeram avanços [na frente ambiental], mas o que estamos vendo agora é um processo irreversível de descompactar as conquistas dos últimos 40 anos”.

Ele teme que os acordos internacionais feitos no final do governo Temer possam estar ameaçados. Ele mencionou, em particular, grandes somas que chegam ao Brasil através do Fundo Amazônia (cerca de US$ 87 milhões anualmente) para evitar o desmatamento e o Fundo Climático (em torno de US$ 105 milhões por ano), que podem não se concretizar agora porque os principais países financiadores, especialmente a Noruega e a Alemanha, estão descontentes com a forte mudança do Brasil em relação às florestas e às proteções climáticas.

Em 17 de maio, Salles pareceu perturbar os dois países da UE ao anunciar unilateralmente uma revisão das regras administrativas do Fundo Amazônia, alegando ter encontrado irregularidades nos gastos. Salles disse que as ONGs, cujos projetos de desmatamento e sustentabilidade são monetizados pelo Fundo Amazônia, falharam em contabilizar mais de US$ 1,2 bilhão em gastos. Ele também disse que os financiadores europeus concordaram que mudanças na estrutura administrativa do fundo são necessárias. No entanto, essa versão dos eventos é negada pelas nações europeias. “A embaixada norueguesa disse que não recebeu nem concordou com nenhuma proposta [do Brasil] de alterar a gestão do fundo ou os critérios para alocação de recursos”, de acordo com o relatado pelo New York Times. As concessões para os projetos do Fundo Amazônia pararam desde que Bolsonaro assumiu o cargo em janeiro.

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente do Brasil. Imagem de Gilberto Soares/MMA

Os ex-ministros prometeram acompanhar o manifesto com ações nas frentes política e judicial: “Falaremos com os presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado e da Suprema Corte e levaremos nosso documento à Procuradoria Geral da República”, disse Ricupero. “Pedimos aos estudantes que saiam às ruas porque o futuro deles está em jogo”.

O ministro do Meio Ambiente, Salles, respondeu com uma declaração na qual afirmou que o dano à imagem do Brasil não é resultado de suas políticas, mas de “uma campanha de difamação promovida por ONGs e supostos especialistas”.

A Sociedade Rural Brasileira (SRB), que representa o agronegócio, também surgiu em defesa do governo. Ela se manifestou: “O ministério [do Meio Ambiente] mostrou que é capaz de responder às necessidades do setor produtivo e contribuir para o desenvolvimento do país sem relaxar o rigor da legislação ambiental”.

O extenso sistema de unidades de conservação do Brasil protege a vasta biodiversidade do país. Bolsonaro quer que esse sistema seja reavaliado, com alguns parques programados para possível abolição. Imagem cedida pelo Guia Birding Brasil.

Bolsonaro ataca unidades de conservação do Brasil

A administração continua intensificando suas agressões ambientais. Dois dias após a publicação do manifesto, o ministro do Meio Ambiente, Salles, anunciou uma reavaliação de todas as 334 Unidades de Conservação do país — todas as áreas protegidas do Parque Nacional do Itatiaia, criadas em 1934; ao Refúgio de Vida Selvagem Little Blue Macaw, criado em 2018; o que potencialmente levaria à revelação das conquistas ambientais do Brasil nos últimos 85 anos.

As 334 áreas protegidas cobrem 9,1% do território terrestre do Brasil e 24,4% de suas águas marinhas. O grau de proteção nas áreas varia, com alguns se beneficiando da proteção completa com regras rígidas sobre acesso e uso, enquanto outros permitem várias formas de exploração econômica sustentável.

O principal objetivo do governo no momento parece ser as áreas conservadas com proteção completa, onde a agricultura, a pecuária, a pesca e a mineração são proibidas. Salles argumenta que “algumas áreas foram criadas sem nenhum tipo de critério técnico” e, como resultado, o Brasil fica com “todo tipo de dívida por compensação não paga e conflitos de terra”. Ele promete: “Vamos acabar com todos os ativismos no Brasil”.

As ONGs manifestaram intensa oposição à reavaliação das áreas protegidas. “A proposta de Salles é um prêmio ao crime e a incompetência: premia criminosos, desmatadores ilegais e grileiros que historicamente têm invadido e desmatado áreas de unidades de conservação”, comenta Angela Kuczach, diretora da Rede Pró-UCs, uma rede de ONGs ambientais que defende as áreas conservadas.

Ela diz que, ao contrário do que afirma Salles, o Brasil investe fortemente em estudos técnicos e científicos antes de criar áreas protegidas. “Os mapas das áreas prioritárias, que capciosamente Salles retirou do ar, é uma das metodologias mais robustas [do mundo] para avaliação de prioridades em conservação”.

Outros falam dos danos que serão causados a vários setores da sociedade: “Além dos efeitos ambientais irreversíveis, o País terá graves prejuízos econômicos se mantida essa política”, comentou Maurício Guetta, consultor jurídico da ONG líder do país, o Instituto Socioambiental (ISA).

A maneira preferida pelo governo de introduzir mudanças drásticas nas políticas ambientais passadas é através de Medidas Provisórias (MPs), um decreto presidencial. No entanto, Guetta observa que Bolsonaro precisará aprovar um projeto de lei no Congresso para introduzir mudanças totais no status das áreas protegidas. “O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que [as mudanças nas áreas protegidas] não podem ser feitas por uma medida provisória”, explicou Guetta.

Apesar disso, Bolsonaro deve continuar usando seus poderes presidenciais para forçar a questão. Ele, por exemplo, planeja revogar o decreto que cria a Estação Ecológica de Tamoios, onde foi multado por pesca ilegal em 2012. Ele quer transformar a reserva em um “Cancun brasileiro”, uma referência ao resort de férias mexicano. Isso seria um movimento radical; de acordo com a legislação atual, Tamoios, como estação ecológica, desfruta de proteção total.

Uma foto de Jair Bolsonaro tirada como prova de sua pesca ilegal por um inspetor ambiental dentro da Estação Ecológica de Tamoios em janeiro de 2012. Desde que Bolsonaro assumiu o cargo, o inspetor do IBAMA que o citou foi demitido, enquanto o presidente adota planos para abolir a estação ecológica totalmente conservada e transformá-la em área de resort. Foto cortesia do IBAMA.

Deputados ruralistas também estão pressionando para que o Parque Nacional Lagoa de Peixe, no sul do Brasil — agora um importante local de alimentação para aves migratórias que chegam do Ártico — seja transformado em um parque eólico.

O governo já anunciou planos para afrouxar a proteção ambiental no Parque Nacional de Campos Gerais, no Paraná, e na região da Floresta Nacional de Jamanxim, no estado do Pará. Jamanxim está sob forte ataque de grileiros e desmatadores ilegais.

Salles diz que as primeiras medidas envolvendo reavaliações de unidades de conservação podem ser esperadas no segundo semestre deste ano.

Desmatamento na Amazônia visto de um satélite. Imagem cortesia da NASA.

Anistias adicionais para o desmatamento ilegal

No mesmo dia, os ex-ministros do Meio Ambiente se reuniram em São Paulo para elaborar seu manifesto, a bancada ruralista do lobby do agronegócio dentro de uma comissão do congresso conseguiu obter aprovação de uma versão precisamente revisada da Medida Provisória (MP 867/2018). Essa MP foi originalmente elaborada para estender por um ano o período em que os proprietários de terras acusados de crimes ambientais passados, em especial o desmatamento ilegal, poderiam se comprometer a compensar por meio do reflorestamento, conforme exigido por lei.

No entanto, enquanto a MP 867/2018 avançava no Congresso, foram anexadas emendas que mudaram sua intenção original, transformando-a em uma anistia abrangente para os proprietários de terras que desmataram ilegalmente. Dizem os críticos que essa é uma manobra adotada anteriormente pelos ruralistas para medidas controversas que careciam de apoio público.

Embora não afetem a Amazônia, as emendas facilitariam bastante as penalidades pelo desmatamento ilegal realizado em outros quatro biomas brasileiros (Cerrado, Pantanal, Caatinga e Pampa), todos com áreas em que o agronegócio está avançando agressivamente. As emendas não exigiriam mais que os infratores reflorestassem 20% de suas propriedades e as deixassem intocadas como uma “reserva legal”. As emendas também aboliriam o período determinado pelo qual os proprietários de terras precisariam realizar a restauração ambiental, o que, na prática, significaria que os infratores poderiam ignorar o cumprimento dos requisitos da lei.

Tais mudanças, se finalmente aprovadas, podem ter consequências muito negativas para o desmatamento. O Observatório do Código Florestal, uma rede de ONGs ambientais, acredita que a MP revisada isentará os proprietários de terras do reflorestamento de cinco milhões de hectares, uma área maior que a Dinamarca.

O deputado federal Sérgio Souza, do Paraná, relator da MP 867/2018, justifica a alteração, argumentando que há divergências legais sobre como a legislação referente ao Código Florestal de 2012 deve ser implementada. “Estamos simplesmente deixando claro que lei deve ser aplicada”, comentou.

Outros discordam. O deputado federal Rodrigo Agostinho protestou, dizendo que a emenda anula, sem o devido debate, o acordo que foi elaborado detalhadamente pelo Congresso e institucionalizado no Código Florestal Brasileiro em 2012.

Ainda assim, a batalha não acabou; a emenda revisada agora deve ser aprovada pelas sessões plenárias na Câmara dos Deputados e no Senado. O deputado federal Nilto Tatto se manifestou: “Nós tivemos uma derrota aqui na comissão e vamos fazer essa batalha agora lá no plenário da Câmara. É possível sim perder lá no plenário da Câmara se a sociedade, se as entidades e se a população não se mobilizarem”. No entanto, derrubar as emendas não será fácil; enquanto a popularidade de Bolsonaro está despencando entre a população nacional, o poderoso lobby ruralista no Congresso ainda o apoia.

Grupos indígenas protestantes marcham à noite em direção ao Supremo Tribunal Federal, ao Palácio Presidencial e ao Congresso Nacional em 24 de abril de 2019. Imagem de Karla Mendes/Mongabay

Povos indígenas conquistam vitória parcial

A administração não está conseguindo tudo do seu jeito. Um dia após a votação da MP 867/2018, uma comissão mista do Congresso aprovou outro relatório ordenando que o governo Bolsonaro devolvesse sua agência indígena, a FUNAI, ao Ministério da Justiça. Essa transferência inclui a FUNAI mantendo a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas, que em uma ação altamente controversa, Bolsonaro já havia transferido para o Ministério da Agricultura.

A devolução da FUNAI ao Ministério da Justiça foi uma das principais demandas do Acampamento Terra Livre, um acampamento indígena e protestos que ocorreram em Brasília no final de abril e reuniram milhares de povos indígenas de todo o país.

A decisão do congresso ainda pode ser revertida, porque o relatório da comissão deve ser aprovado pelas sessões plenárias da Câmara dos Deputados e do Senado. Mas esse sucesso parcial alegrou os ativistas, desmoralizados pela recente série de extensos contratempos socioambientais, e pode muito bem incentivar uma mobilização adicional de resistência.

FEEDBACK: Use este formulário para enviar uma mensagem ao autor desta publicação. Caso queira publicar um comentário público, é possível fazê-lo na parte inferior da página.

Exit mobile version