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Amazônia pode ser a maior vítima de guerra comercial entre Estados Unidos e China, alerta pesquisa

  • Os Estados Unidos são o maior produtor de soja do mundo e, historicamente, exporta a maior parte de sua produção para a China.

  • Mas depois da alta das tarifas imposta à China por Donald Trump resultar em uma retaliação chinesa – aumento de 25% nos impostos de importação sobre os produtos agrícolas dos Estados Unidos, no ano passado – as exportações de soja norte-americana para a China caíram 50%, e a importação chinesa de soja brasileira cresceu substancialmente.

  • A produção de soja está ligada ao desmatamento em larga escala da Floresta Amazônica e do Cerrado – os dois maiores e mais importantes biomas brasileiros.

  • Se a guerra comercial Estados Unidos – China continuar, novas pesquisas sugerem que a quantidade de terra dedicada à produção de soja no Brasil pode aumentar em até 39% para atender a demanda chinesa, o que causaria mais desmatamento, cerca de 13 milhões de hectares de floresta – uma área do tamanho da Grécia, segundo estimativas de pesquisadores.

Uma árvore sobrevivente em meio a um mar de soja. Foto: Jeff Belmonte pela VisualHunt.com / CC BY-NC-SA

A atual guerra comercial entre Estados Unidos e China, juntamente às terríveis enchentes no meio-oeste norte-americano desta primavera, não têm levado sorte para exportação de soja nos Estados Unidos. No entanto, as consequências podem ser sentidas globalmente. Um recente artigo da revista Nature sugere que o segundo maior produtor de soja do mundo, o Brasil, pode subir no ranking, o que levaria a um rápido aumento do desmatamento na Bacia Amazônica.

Em março de 2018, a administração Trump impôs tarifas de quase 25% para a importação de produtos chineses. Em retaliação, o governo chinês estipulou tarifas de 25% para um total de 110 bilhões de dólares em produtos americanos, incluindo a soja, o mais importante produto agrícola de exportação norte-americano. Agora, uma nova demanda está sendo direcionada para outro grande fornecedor da China, no valor de quase 37,6 milhões de toneladas de soja, o que representa o volume total importado pelo país em 2016.

Segundo pesquisadores do Instituto Karlsruhe de Tecnologia, da Alemanha, a opção mais provável para substituir o fornecimento de soja para a China, o Brasil, vai intensificar sua produção.

Os autores estimam que, se somente o Brasil atender a demanda, a quantidade de terra dedicada à produção de soja no país poderia aumentar em 39%, com a perda de 13 milhões de hectares de floresta, uma área do tamanho da Grécia.

Óleo de soja nas prateleiras de supermercado. A demanda global por derivados de soja está aumentando, e os produtores brasileiros estão atendendo a demanda, e com ela cresce a conversão de florestas em terras de plantio. Foto: Male Gringo para a Visual hunt / CC BY-NC

Um aumento global na produção e consumo de soja

Since 2000, Chinese imports of soy have skyrocketed, with increases of Desde 2000, a importação chinesa de soja disparou, com um aumento de compra do grão na ordem de 200% na Argentina, 700% nos Estados Unidos, e 2.000% no Brasil para dar conta de suprir a demanda do país asiático. A maior parte da soja importada é usada para alimentar a indústria suína da China – a maior do mundo – e que vai, provavelmente, tornar-se ainda maior, já que os chineses estão consumindo mais carne.

“O consumo de soja tem crescido vertiginosamente na última década”, afirma Richard Fuchs, o principal autor do artigo da Nature. “É um importante plantio, globalmente, mas o sistema como um todo é tão frágil, que a distribuição pode mudar do dia para a noite”.

Historicamente, a soja tem sido o maior produto agrícola de exportação dos Estados Unidos para a China. Em 2017, os norte-americanos exportaram cerca de 12 bilhões de dólares em soja para os chineses, mais da metade de toda sua exportação de soja, e um terço de sua produção total do grão. O segundo maior produto de exportação, o algodão ficou com 1 bilhão de dólares em exportações. Entretanto, desde que a guerra comercial Estados Unidos (sob a administração Trump) versus China começou, em 2018, as exportações de soja dos Estados Unidos para a China caíram em quase 50%. Prever como isso pode impactar o comércio global de soja é um pouco arriscado, já que os Estados Unidos ficam no hemisfério norte e o Brasil no sul, o que significa que as estações de produção de soja são opostas.

“O que precisamos entender sobre o comércio global de soja”, declarou Fuchs em entrevista à Mongabay, “é que ele é dominado por poucos compradores, como a China e a Europa, e poucos fornecedores: Argentina, Estados Unidos e Brasil”.

Elevadores de grãos em Boa Vista, Brasil, destaca-se na já transformada paisagem tropical. Foto: michael_swan on Visualhunt / CC BY-ND

A soja é, hoje, o produto de exportação mais rentável do Brasil, que está pronto para se tornar o maior exportador, caso os Estados Unidos saiam de cena. No entanto, a produção de soja é um dos maiores causadores do desmatamento no país latino-americano. A Moratória da Soja, segundo a qual os maiores produtores concordaram, voluntariamente, de não comprarem soja que seja plantada em terras da Amazônia Legal a partir de julho de 2006, ajudou muito a reduzir a perda de cobertura vegetal no bioma. Dados publicados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) relataram uma redução de 80% no desmatamento da área entre 2000 e 2015.

Porém, estudos mostram que a maior parte desse desmatamento causado pelas plantações de soja apenas mudaram para o bioma vizinho da Amazônia, o Cerrado, uma savana com pouca cobertura vegetal, rica em biodiversidade, que cobre mais de 20% do território brasileiro. Quase metade de toda a soja do Brasil é cultivada agora no Cerrado, e um relatório recente da Global Canopy mostrou uma ligação direta entre os municípios deste bioma, que detêm as maiores taxas de desmatamento, e o aumento significativo da produção de soja.

Tanto o Cerrado quanto a Amazônia tornaram-se fortemente ameaçados desde a eleição do presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro, que segue uma agenda de diminuição das proteções ambientais, o que aumenta o apoio para o agronegócio e o desenvolvimento na Amazônia.

Os autores do artigo da Nature destacam que “as intervenções no sistema político, legal e comercial que impediram a expansão da produção de soja na Amazônia estão agora sendo enfraquecidas” por Bolsonaro

De acordo com dados da ONG brasileira Imazon, o desmatamento no Brasil aumentou entre fevereiro e abril de 2018, se comparado ao ano anterior, período que coincidiu com a primeira ameaça de aumento de tarifas contra a China, feita pelo presidente Trump, em janeiro daquele ano.

Vista aérea do desmatamento na Amazônia. A perda da floresta no Brasil é, geralmente, um processo de muitas etapas, que começa com o acesso proporcionado por novas rodovias, seguido de um rápido aumento nos preços e na especulação de terra, ao que se segue a extração ilegal de madeira, produção de gado, e conversão de pastos para plantações de soja. A perda da vegetação nativa para a soja é “parte de um quadro muito mais complicado sobre modelos de governança e uso de terra”, afirma Sarah Lake, consultora sênior da Global Canopy, uma organização do Reino Unido que assessora empresas sobre riscos ambientais relacionados ao investimento em produção. Foto: SentinelHub pela Visual Hunt / CC BY

Reorganização do mercado mundial de soja

As dúvidas continuam com relação ao impacto que a guerra comercial entre Estados Unidos e China terá sobre os parceiros comerciais globais, especialmente se a administração Trump instigar, em abril, um encontro internacional com o presidente chinês Xi Jinping para aliviar a tarifação.

As exportações dos Estados Unidos para a União Europeia, outra grande importadora de soja, atingiu uma alta recorde de 9 milhões de toneladas em fevereiro deste ano, quase o dobro da quantidade exportada no fim de fevereiro de 2018, segundo o USDA Foreign Agricultural Service. Ainda assim, muitos estudos da área econômica estimam que, apesar da redistribuição, o mercado de soja dos Estados Unidos poderia sofrer muito por conta de uma reorganização das exportações.

“Os Estados Unidos estão vendendo menos soja para a China e mais para o resto do mundo”, declara Patrick Westhoff, diretor do Instituto de Pesquisa para Políticas de Alimento e de Agricultura da Universidade do Missouri. “Entretanto, o total de exportação de soja dos Estados Unidos está diminuindo porque a China é um grande consumidor e porque o país asiático reduziu o total global de importação de soja”.

Um estudo feito por pesquisadores da Universidade Purdue, em 2018, que usou diferentes modelos econômicos, descobriu que as importações chinesas do Brasil e de outros países sul-americanos cresceriam, no caso do Brasil, em cerca de 9 a 15%.

Desde então, as mudanças nos padrões de distribuição – como a instigada pela guerra tarifária entre Estados Unidos e China – começaram a acabar, já que os Estados Unidos estão se aproximando do final de sua temporada de colheita de soja. Em fevereiro, os Estados Unidos transportaram quase 900 mil toneladas para a China, apenas uma fração do mesmo mês em 2018, que teve um total de 3,35 milhões de toneladas exportadas. Ao mesmo tempo, as exportações de soja do Brasil atingiram o recorde de 6,1 milhões de toneladas, mais do que o dobro da quantidade do ano anterior.

Mesmo que se chegue a um acordo entre Estados Unidos e China nas próximas semanas ou meses, os autores do estudo ressaltam que tais mudanças na distribuição das exportações são, geralmente, difíceis de serem revertidas, especialmente se a China encontrar um fornecimento de soja estável no Brasil, evitando a inconstância comercial imposta por Trump.

Porto de commodities da Cargill em Santarém, Brasil, onde a soja cultivada no Mato Grosso é transferida dos caminhões para embarcações direcionadas à exportação. Foto: JuhaOnTheRoad para a Visualhunt / CC BY-NC-SA

Inundações, secas e peste suína são ameaças à soja

As enchentes recentes, que inundaram boa parte do meio-oeste dos Estados Unidos, vieram em um período crítico para os fazendeiros norte-americanos. Mas, curiosamente, o relatório de previsões de plantações do Departamento de Agricultura sugere que muitos fazendeiros já planejavam mudar suas plantações da soja para o milho este ano, em parte por conta da redução do preço da soja causado pela guerra comercial.

“O resultado para a plantação de soja depende de quando e se a terra secar”, afirma Westhoff. “Em um ano mais úmido que o normal, mas ainda sem ser crítico, a área para plantio de soja pode até aumentar, já que os agricultores são forçados a mudar a plantação de milho para a de soja, por exemplo. É claro que, caso o tempo extremamente úmido continue até meados de junho, o plantio de soja será reduzido”. Previsões alertaram que as chuvas poderiam causar sérias inundações nesta primavera para o meio-oeste dos Estados Unidos, e caso isso acontecesse, seria um desastre para os produtores da região.

Enquanto a maior parte dos especialistas concorda que a devastação climática não é ainda o suficiente para impactar o mercado global de soja, Fuchs acredita que a oscilação recorde das condições climáticas pode indicar uma das maiores vulnerabilidades do mercado agrícola.

“Esse tipo de extremos climáticos, como as inundações nos Estados Unidos ou a seca no Brasil, e o risco de um aumento em sua frequência devido às mudanças climáticas, contribuem para as incertezas no comércio e na produção agrícola global”, declarou Fuchs à Mongabay. “Nós deveríamos nos preparar melhor para esses tipos de extremos e vulnerabilidades, tanto econômica quanto ambientalmente”.

Onde antes havia abundância de vegetação nativa, hoje uma dupla de commodities (soja na direita e milho na esquerda) é cultivada. Foto: Vini Serafim para a Visual Hunt / CC BY-NC-ND

Há outros fatores que influenciam a demanda chinesa, que caiu quase 8% em 2018. A peste suína na África, que já dizimou pelo menos um milhão de porcos no continente, pode diminuir a demanda por soja, um dos principais alimentos para a engorda dos suínos.

De acordo com Fuchs, os Estados Unidos, a China, bem como outros países, deveriam fazer mais para reconhecer o efeito direto que suas políticas comerciais têm sobre as exportações e o desmatamento. Isso se aplica especialmente a um parceiro comercial como a União Europeia, que se orgulha de suas políticas climáticas progressistas; uma agenda mais ampla poderia ajudar a transformar as discussões de aspecto puramente econômico para incluir os impactos socioambientais.

“O reconhecimento de que a Europa está frequentemente importando produtos de áreas desmatadas é uma discussão silenciada”, afirma Fuchs. “Seria um primeiro passo, caso a China ou a Europa reconhecesse o papel que têm no desmatamento tropical”.

Imagem do banner: a soja deixa a Amazônia de barca, provavelmente para ser exportada para a Europa ou China. Foto: JuhaOnTheRoad para a VisualHunt.com / CC BY-NC-SA.

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Artigo original: https://news.mongabay.com/2019/04/amazon-could-be-biggest-casualty-of-us-china-trade-war-researchers-warn/

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