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3 massacres em 12 dias: violência rural aumenta na Amazônia brasileira

  • A Amazônia registrou 3 prováveis massacres em 12 dias, talvez um recorde para a região, à medida que a violência explodiu em áreas de desmatamento intenso, onde a construção de grandes barragens trouxe uma infusão de capital, elevou os preços da terra e convidou grileiros, madeireiros e fazendeiros à especulação da terra.

  • Um líder camponês do movimento dos sem-terra e um dos principais ativistas da barragem estão entre os mortos. Os ataques foram concentrados em áreas centralizadas na megabarragem de Belo Monte; na bacia do rio Madeira, perto da barragem de Jirau; e perto da barragem de Tucuruí, no rio Tocantins, no estado do Pará.

  • As investigações estão em andamento, mas os primeiros relatos indicam que pelo menos 9 pessoas morreram, com algumas testemunhas dizendo que mais pessoas foram mortas, principalmente trabalhadores camponeses sem-terra. Antes de se tornar presidente, Jair Bolsonaro expressou grande hostilidade contra o Movimento dos Sem-Terra (MST).

  • O governo Bolsonaro ainda tem que condenar ou comentar significativamente a recente onda de assassinatos. Até a publicação deste artigo, a comunidade internacional tinha pouco conhecimento do aumento da violência.

Enterro do líder assassinado do assentamento dos sem-terra Seringal São Domingos, Nemis Machado de Oliveira. Imagem cortesia da Amazônia Real

A violência na zona rural brasileira está em ascensão. Nas duas últimas semanas, a Amazônia registrou um aumento alarmante nos assassinatos seletivos, com três massacres e pelo menos nove mortes. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Igreja Católica define um massacre como um assassinato envolvendo três ou mais pessoas.

Os assassinatos mais recentes ocorreram no dia 3 de abril em um acampamento de trabalhadores camponeses sem-terra, próximo ao vilarejo de Vila de Mocotó, no município de Altamira, no sudoeste do Pará, perto da megabarragem de Belo Monte. Esse local não fica longe de Anapu, onde Irmã Dorothy Stang, uma freira americana que trabalhava com comunidades camponesas sem-terra da Amazônia, foi assassinada em 2005.

Os assentados estavam fazendo campanha para que a área fosse transformada em um assentamento de reforma agrária oficialmente autorizado. De acordo com relatórios não confirmados, a polícia militar estava tentando expulsar os assentados a mando de um homem que dizia possuir a terra. A polícia estaria, supostamente, agindo sem ordem judicial. A ação terminou com a morte confirmada de um membro da polícia militar, Valdenilson Rodrigues da Silva. Algumas testemunhas dizem que havia outras três vítimas, todos trabalhadores sem-terra.

Esses assassinatos ocorreram apenas quatro dias após a morte de quatro pessoas, provavelmente assassinadas, em Seringal São Domingos, na Ponta do Abunã, uma área remota no município de Lábrea, perto do cruzamento das fronteiras dos estados do Acre, Amazonas e Rondônia, a aproximadamente 150 km a montante da usina hidrelétrica de Jirau. Os assentados do movimento sem-terra, talvez traumatizados pela violência, continuam com muito medo de falar abertamente, mas acredita-se que muitas outras pessoas continuam desaparecidas.

Segundo informações da Polícia Militar, quatro homens encapuzados e armados chegaram ao Seringal São Domingos e disseram às famílias residentes que deveriam deixar suas casas. O líder dos sem-teto, Nemi Machado de Oliveira, de 53 anos, teria sido morto a tiros. Os atiradores expulsaram os outros assentados atirando para o ar e queimando suas casas.

Desde 2016, cerca de 140 famílias moram no Seringal São Domingos, antiga plantação de seringueiras, sobrevivendo da extração de látex e da agricultura de subsistência.

Vigília no acampamento Salvador Allende em memória dos mortos recentemente. Imagem cortesia de Outras Midias

A região tem uma longa história de conflitos envolvendo grileiros, fazendeiros e madeireiros. Um dos mais notórios assassinatos ocorreu em maio de 2011, quando Adelino Ramos, conhecido como Dinho, um líder do Movimento dos Sem-Terra (MST), foi assassinado enquanto vendia verduras que cultivava em seu assentamento, oficialmente reconhecido pelo INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). Dinho sobreviveu ao massacre de Corumbiara em 1995, quando oito pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas. Na época de seu assassinato, Dinho era ativo em denunciar madeireiros ilegais ao longo das fronteiras do Acre, Amazonas e Rondônia.

Esses dois casos que, após a investigação, podem apresentar um número maior de vítimas do que o inicialmente confirmado, aconteceram na sequência de outro massacre. No dia 22 de março, Dilma Ferreira Silva, líder ativista socioambiental do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), seu marido e um amigo, foram mortos por motociclistas encapuzados no município de Baião, a cerca de 60 quilômetros da represa de Tucuruí, no estado do Pará. Eles foram assassinados dentro da casa da família; Dilma teve sua garganta cortada depois de ver seu marido e amigo mortos.

Ativista assassinada Dilma Ferreira Silva, líder socioambiental do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Imagem cortesia do Movimento dos Atingidos por Barragens.

Dois dias depois, três corpos queimados foram encontrados em uma fazenda de gado a apenas 14 quilômetros do assentamento de Salvador Allende, onde Dilma e as outras duas vítimas viviam. As três novas vítimas foram identificadas como Marlete da Silva Oliveira e Raimundo de Jesus Ferreira, que cuidavam da fazenda, e Venilson da Silva Santos, que trabalhava como motorista de trator.

O homem que supostamente organizou os dois grupos de assassinatos é Fernando Ferreira Rosa Filho, conhecido como Fernandinho, que tem uma reputação local como bandido perigoso. Ele agora está sendo investigado pela polícia com relação a todos os seis assassinatos caracterizados como execução. A Comissão Pastoral da Terra, que monitora a violência no campo, considera os dois incidentes como parte do mesmo massacre, em grande parte devido ao suposto envolvimento de Fernandinho em ambos.

Segundo a polícia, testemunhas informaram que os três funcionários da fazenda estavam considerando tomar medidas legais contra seu empregador por não respeitar os direitos trabalhistas. O dono da fazenda também foi acusado de construir uma pista de pouso clandestina para facilitar o tráfico de drogas. Relatórios locais sugerem que ele pode ter desejado se livrar de funcionários de forma independente. Segundo a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará, os crimes estão sendo investigados como uma “execução”, mas a polícia não estabeleceu o motivo nem encontrou os assassinos — típicos de tais ataques na Amazônia.

Mapa mostrando a localização dos recentes ataques relacionados a barragens hidrelétricas, áreas desmatadas e assentamentos de reforma agrária. Mapa por Mauricio Torres para Mongabay.

O que esses atos criminosos têm em comum?

Os três ataques contra ativistas envolvidos em movimentos sociais ou organizações de trabalhadores rurais têm três características em comum: todos ocorreram em áreas sob influência de uma grande barragem hidrelétrica; todos aconteceram perto ou dentro de um assentamento de reforma agrária; e todos estão localizados ao longo de uma das principais frentes de desmatamento da Amazônia (veja o mapa 1).

A Vila de Mocotó, por exemplo, está localizada a apenas 28 quilômetros da polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte. A construção dessa barragem, a terceira maior do mundo e operacional em 2016, levou a uma injeção maciça de capital em uma região rural que estava mal preparada para recebê-la. Como seria de se esperar, levou ao superaquecimento do mercado imobiliário, provocando uma debandada para comprar ou roubar terras.

Hoje, os preços da terra estão subindo ainda mais na bacia do Xingu, já que o governo de direita de Bolsonaro sinaliza o relaxamento das regulamentações ambientais e a tramitação rápida de projetos de grande escala, como a gigante mina de ouro proposta que a mineradora canadense, Belo Sun, deseja abrir perto de Belo Monte.

Como resultado, ladrões de terra e madeireiros ilegais estão se movendo rapidamente para o território indígena Ituna/Itatá próximo à área. O monitoramento por satélite e a análise do território mostram que o número de invasões ilegais aumentou significativamente desde 2017; isso é baseado em observações do SIRAD-X (Sistema de Indicação por Radar de Desmatamento da Bacia do Xingu) que usa dados fornecidos pelo satélite Sentinel-1 da Agência Espacial Europeia.

Em março deste ano, o SIRAD-X registrou a abertura de uma nova estrada ilegal, invadindo a área a partir do oeste (mapa 2). Em 2018, ocorreu mais desmatamento em Ituna/Itatá do que em qualquer outro território indígena na bacia do Xingu. No todo, 6.785 hectares foram desmatados, um enorme aumento no corte ilegal. Nesse único ano, quase o dobro da floresta foi derrubada comparado à soma total de todos os desmatamentos ocorridos nos anos anteriores.

Uma parte da bacia do rio Xingu mostrando a proximidade de um recente massacre, assentamentos de reforma agrária, uma nova estrada ilegal no território indígena Ituna/Itatá, a barragem de Belo Monte e a proposta mina de ouro de Belo Sun (que seria a maior do Brasil). Mapa de Mauricio Torres

O território Ituna/Itatá é particularmente vulnerável porque não é um território indígena oficialmente demarcado. Pelo contrário, é uma área que foi “interditada”, onde a entrada de pessoas não indígenas foi proibida para proteger índios isolados conhecidos por estarem vivendo no local. Embora os antropólogos tenham recolhido evidências convincentes da existência desses habitantes indígenas, eles não foram contatados. Como resultado, eles são claramente incapazes de se organizar para expulsar intrusos, e são totalmente dependentes do governo para proteção.

O edital que autoriza a “interdição” deve ser reeditado a cada três anos. No entanto, devido à promessa de campanha do Presidente Bolsonaro de que “nenhum outro centímetro de terra” será dado aos grupos indígenas, os ladrões de terra aparentemente confiaram que o governo não renovaria o edital do território Ituna/Itatá, totalizando 142 mil hectares de área disponível para eles.

Mas em 9 de janeiro deste ano, bem no início do governo Bolsonaro, a FUNAI inesperadamente renovou o edital por mais três anos. A terra não pode ser vendida por ladrões de terra enquanto ainda é designada como território indígena, mesmo assim, o desmatamento parece continuar.

De acordo com um pesquisador que prefere não se identificar por razões de segurança, “o desmatamento dentro do território indígena é o resultado de uma luta entre pelo menos dois grupos de ladrões de terra. Apesar da renovação do edital, eles permanecem confiantes de que eventualmente conseguirão colocar as mãos nessa terra e, se o ritmo atual do desmatamento continuar, é muito provável que, junto com a grande perda de florestas, os índios isolados sejam exterminados”.

Grande parte da bacia do Xingu está agora imersa em um clima similar de ilegalidade. Detalhes do massacre no acampamento perto da Vila de Mocotó ainda são desconhecidos, mas o cenário se encaixa em um padrão histórico de conflitos de terra que ocorrem na região. De acordo com o pesquisador, “um grande projeto de infraestrutura superaquece o mercado imobiliário, famílias camponesas e comunidades tradicionais são violentamente despejadas por ladrões de terra, que então desmatam a área e a vendem para grandes projetos de mineração e agricultura”.

A barragem de Jirau atravessa o rio Madeira, no oeste do Brasil. Sua construção, assim como a da barragem de Belo Monte, a barragem de Tucuruí e outras grandes barragens amazônicas, resultaram em um aumento nos valores da propriedade rural, levando à especulação desenfreada da terra e explorada por grileiros, muitas vezes levando à violência. Imagem cortesia de Monitoramento do Projeto Amazônia Andina.

Conflito ao longo da frente de desmatamento no rio Madeira

A situação não é muito diferente na Ponta do Abunã, localizada no rio Madeira, a cerca de 2.000 quilômetros a oeste de Belo Monte, em outra frente de desmatamento.

É nesse local que Nemis Machado de Oliveira, o líder da comunidade de Seringal São Domingos, foi morto. De acordo com um relatório do Plano Amazônia Sustentável, produzido pelo Ministério do Meio, as famílias camponesas da região estão sendo expulsas de seus assentamentos para dar lugar a grandes fazendas de gado. As apreensões de terras ganharam força depois de 2013, quando a polêmica barragem de Jirau se tornou operacional. Essa megabarragem tem sido fortemente criticada por ambientalistas e ativistas devido a danos causados a comunidades indígenas, terrenos e ecossistemas aquáticos.

Agora, uma ponte de quase um quilômetro de extensão está sendo construída no rio Madeira, na Ponta do Abunã, a cerca de 150 quilômetros a montante da barragem de Jirau. Com conclusão prevista para este ano, a ponte vai estender a BR-364 até o estado do Acre. Especialistas temem que a nova estrada leve a uma especulação imobiliária maior e possivelmente à violência.

Empresários locais continuam muito entusiasmados: “A ponte sobre o rio Madeira, na Ponta do Abunã, é um projeto muito importante”, disse Marcelo Thomé, presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (FIERO). “Conectará o estado do Acre à rede rodoviária nacional, permitindo maior desenvolvimento para os estados do norte do país, em particular para Rondônia.… É um grande passo para ligar o Brasil ao Pacífico”.

O Brasil tem vários planos para uma ferrovia transcontinental, com uma rota proposta prevista para atravessar o Acre e Rondônia. A ferrovia de costa a costa permitiria que o Brasil reduzisse significativamente os custos de envio de commodities para a China, embora os conservacionistas temam que seja uma sentença de morte para as florestas amazônicas, formas de vida tradicionais e indígenas.

O outro massacre, o assassinato de Dilma Ferreira Silva e de dois outros, no município de Baião, ocorreu na área de influência da barragem de Tucuruí, projeto iniciado pelo governo militar e concluído em 1984. Habitantes afetados pela barragem ainda lutam 35 anos depois por uma indenização, e a região, sofrendo com o desmatamento intenso, vê regularmente um alto nível de violência.

Se as mortes de pelo menos seis camponeses nos dois ataques mais recentes forem confirmadas, o Brasil terá alcançado um recorde histórico: três massacres em menos de duas semanas.

Em resposta ao aumento da violência rural, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) lançou um novo site: Massacres no Campo. Essa página será atualizada com novos relatos confirmados de massacres — um assassinato envolvendo três ou mais pessoas. Entre 1985 e 2017, a CPT registrou 45 massacres, nos quais, 214 pessoas em nove estados foram mortas. O estado do Pará registrou o maior número de massacres nesse período — 26 ao todo, em que 125 pessoas foram mortas, mais da metade das vítimas em todos os massacres.

Jair Bolsonaro fingindo atirar com uma arma, um gesto sugestivo de violência que o ex-capitão do Exército costuma usar em seus discursos e aparições na televisão. Imagem de Carlos Eugênio.

Bolsonaro ignora aumento da violência no campo

O governo federal até agora não condenou o aumento da violência que ocorreu desde que Jair Bolsonaro chegou ao poder em janeiro.

Quando a Mongabay pediu um comentário ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a resposta foi dada pela seguinte declaração: “Com relação às mortes mencionadas, é necessário aguardar os resultados dos inquéritos policiais para verificar se estão relacionadas a conflitos agrários”.

Ao assumir o cargo, o Presidente Bolsonaro transferiu o INCRA, que costumava ser anexado à Presidência, ao Ministério da Agricultura, o que, segundo alguns analistas, é um conflito de interesses. O INCRA é agora dirigido por um oficial militar, o general Jesus Corrêa. Após sua nomeação, expressou que seu objetivo era remover “gemas ruins sem quebrar os ovos”. Os movimentos sociais interpretaram esses dizeres como uma expressão de sua determinação em erradicar os ativistas dos movimentos sem-terra dos assentamentos. Na época em que essa história foi publicada, o Ministério da Justiça não havia respondido ao pedido de comentários da Mongabay.

Isolete Wichinieski, coordenadora nacional da CPT, não se surpreendeu com a omissão do governo em emitir uma declaração pública sobre a onda de assassinatos: “A posição do governo em relação ao campo é que não há conflitos, ou os conflitos são criados pelas comunidades”, disse ela à Mongabay. “E a solução deles é criminalizar os movimentos sociais e não resolver o conflito de terras”.

Wichinieski não acredita que o governo esteja aberto ao diálogo: “Ele está trabalhando na direção oposta, liberando o uso de armas, abrindo a floresta ao capital, opondo-se a qualquer política para resolver o conflito”.

A julgar pelos comentários feitos por Bolsonaro um ano antes das eleições, o melhor que os movimentos sociais podem esperar de seu governo é serem ignorados. “Se depender de mim, os agricultores [em larga escala] receberão o MST descarregando o cartucho de uma 762”, disse, referindo-se a uma arma que usa munição de 7,62 mm. E, só para ficar claro, ele acrescentou: “Se você perguntar se isso significa que eu quero matar esses vagabundos, sim eu quero”.

Imagem do banner: Velório do líder camponês sem-terra assassinado, Nemis Machado de Oliveira. Imagem cortesia da CPT.

Artigo original: https://news.mongabay.com/2019/04/3-massacres-in-12-days-rural-violence-escalates-in-brazilian-amazon/

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