Vídeo Exclusivo do Mongabay: Discussões enfervescentes sobre disputas de terra entre comunidades tradicionais e grandes produtores do agronegócio no bioma do Cerrado Brasileiro parecem estar se intensificando. Em janeiro, um vídeo feito através de um celular mostra um geraizeiro, um pequeno agricultor, ferido por agentes de segurança na agro fazenda Estrondo na Bahia, Brasil.
O tiroteio aconteceu quando o agricultor tentou recuperar um pequeno rebanho que havia sido retido pela fazenda, num curral que alegava ser de sua propriedade. Nos últimos anos, a Estrondo e outras grandes fazendas invadiram terras altas do Cerrado, onde os assentamentos tradicionais legalmente pastavam seus rebanhos.
Ainda mais recentemente, a Estrondo e outras fazendas invadiram terras baixas perto de rios para aproveitar os córregos para irrigação, novamente aproveitando a falta de escrituras das terras, e desta vez invadindo assentamentos rurais tradicionais cujos direitos à terra são protegidos pela legislação brasileira.
A revolta contra a Estrondo por parte dos habitantes locais aumentou depois que o produtor supostamente destruiu uma torre de celular na vila; erigiu cercas com guardas armados bloqueando estradas para a cidade e o mercado local; e construiu valas profundas, acostamentos altos e até mesmo uma torre de vigia para defender as terras que a empresa invadiu. A ação legal está em andamento para difundir a situação.
“Nós viemos aqui para pegar o nosso gado de volta. Você vai soltar o gado ?”, Gritou Jossone Lopes Leite, à cavalo. O líder do assentamento rural do Cerrado, de 38 anos de idade – acompanhado por cinco membros da comunidade – se aproximou da cerca de uma grande plantação de soja, algodão e milho no Nordeste do Brasil.
Seguranças particulares esperavam lá. Eles apontaram armas para Lopes Leite. Um dos homens armados falou: “Parado, parado”.
Tiros soaram. “Você vai soltar o gado?” Leite perguntou novamente, então percebeu que havia sido baleado no pé.
“Não”, os seguranças responderam.
Este recente episódio violento, gravado em um vídeo de celular em 31 de janeiro e disponibilizado exclusivamente pela Mongabay, é cenário de um conflito entre as comunidades tradicionais de geraizeiros e o Agronegócio Estrondo, em Formosa do Rio Preto, estado do Oeste da Bahia, Brasil.
Os ancestrais desses geraizeiros vieram para esta região – parte da vasta savana do bioma Cerrado – e se instalaram aqui à dois séculos atrás. Muitos são descendentes de indígenas e ex-escravos que chegaram no final do século XIX. Seus assentamentos tradicionais e as terras em que criam pequenos rebanhos de gado, embora muitas vezes carentes de fiscalização, são protegidos pela lei federal.
Todos permaneceram de forma relativamente pacífica aqui – à medida que os agricultores de subsistência colhiam, anualmente, das lavouras nas terras baixas e criavam gado nas terras altas – até o século XXI. Foi quando o oeste da Bahia se tornou um alvo para a rápida expansão do agronegócio. O resultado geral: o rápido desmatamento e um aumento constante nos conflitos agrários.
Em muitos casos, a falta de escritura das terras pelos colonos tradicionais levou os grandes produtores de soja a se apropriarem e a cercar as terras altas, onde as comunidades antes criavam seu gado e coletavam alimentos silvestres, ervas e remédios. No caso, a Estrondo, empresa de agronegócio está expandindo, por meio de invasões, sua área de plantação para as terras baixas próximas ao Rio Preto, onde a empresa pode explorar a água para irrigação. No entanto, o vale do Rio Preto também é onde os aldeões vivem e onde eles estão se posicionando contra o grande produtor.
O Agronegócio Estrondo continuou a expandir sua operação ano a ano, e as vastas terras que a fazenda agora reivindica, cultivam soja, milho e algodão em grande escala – a maior parte provavelmente com fins de exportação para a União Européia e outros lugares. Hoje, a plantação se estende por mais de 305.000 hectares (1.177 milhas quadradas), uma área quase quatro vezes maior que a cidade de Nova York.
Como o Mongabay relatou, em março e julho de 2018 as pequenas comunidades rurais locais acusam a Estrondo de se expandir ilegalmente para suas terras tradicionalmente protegidas. As estratégias de ocupação da empresa de agronegócio são parcialmente realizadas no papel, através da aquisição de escrituras e, em parte, no solo, impedindo as comunidades locais de acessar suas terras tradicionais.
Como resultado, a plantação se assemelha cada vez mais a um forte: ela foi protegida por cercas, cabines de segurança e guardas armados que bloquearam uma importante estrada ligando as aldeias tradicionais à cidade de Formosa do Rio Preto, onde o povo local faz suas compras. A empresa também criou tincheiras profundas e acostamentos para impedir a circulação de pessoas e animais. Recentemente, a Estrondo chegou a construir uma torre de observação para evitar incursões. Em outro suposto ato de agressão, os aldeões dizem que os homens de segurança da plantação chegaram a uma aldeia e destruíram uma torre de celular usada para se conectar com o mundo exterior.
Dentro dos limites invadidos pela fazenda, a Estrondo continuou desmatando o Cerrado. Ela transformou solos que antes cultivavam vegetação nativa da qual as comunidades dependiam para o pastoreio, em plantações de soja, algodão e milho para exportação.
Em janeiro de 2019, os aldeões usaram seus celulares para registrar tratores derrubando a floresta e abrindo novas valas em áreas estratégicas para bloquear a passagem. Mas, é claro, não havia uma torre de celular para enviar rapidamente aquelas imagens de destruição para o mundo.
Ação legal
As comunidades rurais defenderam seu caso com organizações ambientais, mas sem sucesso até agora. Eles também entraram em litígio contra a fazenda. Sessenta e duas famílias em sete comunidades reivindicaram uma área de 55.000 hectares ao longo do rio Preto, uma área também reivindicada pela Estrondo. A Justiça do Estado da Bahia decidiu a favor dos geraizeiros por enquanto. No entanto, a Estrondo provavelmente vai apelar. E entre novembro de 2018 e janeiro de 2019, outras decisões judiciais favoreceram primeiro a Estrondo e depois as comunidades.
“As ações violentas da Estrondo são comumente vinculadas às decisões do Tribunal. Se perderem uma ação, tendem a agir mais violentamente contra o povo ”, explica Mauricio Correa, membro da Associação de Advogados dos Trabalhadores Rurais do Estado da Bahia, que supervisiona o caso das comunidades.
Correa e seus colegas se preocupam com o aumento da violência. E como a ação legal até agora não resolveu a contenda, eles planejam denunciar o que consideram a agressão da Estrondo para grupos internacionais de direitos humanos.
Mongabay contatou um advogado que representa a Estrondo que reconheceu o pedido para se pronunciar, mas não deu mais resposta. A empresa nunca respondeu aos pedidos de pronunciamento feitos sobre as histórias anteriores do Mongabay.
A batalha pela terra se intensifica
Jossone Lopes Leite disse a Mongabay que passou três dias no final de janeiro procurando por seu gado perdido – o gado geralmente se reproduz livremente na vegetação nativa do Cerrado. Seu irmão, Ednaldo Lopes Leite, finalmente localizou o rebanho: os 41 animais foram mantidos dentro de um curral construído pela fazenda. Ednaldo pediu a devolução dos animais, mas houve recusa. Na manhã seguinte, 31 de janeiro, a família Lopes retornou ao local e registrou parte da disputa.
“Por que você não solta o gado? É o seu gado?” – perguntou Jossone.
“Estou fazendo meu trabalho. Estou seguindo a ordem da fazenda ”, respondeu um segurança, apontando sua arma para a família, que incluía o filho de 12 anos de Jossone. Mais tiros foram ouvidos.
“Você está atirando para matar! Do jeito que você está apontando a arma, você está atirando para matar! ”Jossone chorou.
Atingido por uma bala, ele e sua família se retiraram para a aldeia de Cachoeira. De lá, a família levou Jossone para um hospital a mais de 80 quilômetros de distância. Uma vez socorrido, ele relatou o incidente à polícia local.
Pouco tempo depois, a polícia agiu, indo à Estrondo e ordenando a liberação do gado. Ninguém foi acusado ainda dos disparos ou preso. Não há, até onde se sabe, nenhuma investigação em andamento.
Este não foi um incidente isolado. Em dezembro, outro conflito por gado e terra resultou em seguranças atirando em trabalhadores rurais da aldeia de Cachoeira.
“Ninguém ficou ferido naquele momento. Então está piorando ”, disse Jossone à Mongabay. “Estamos todos com medo. Mas enquanto estivermos vivos, permaneceremos. Ninguém tomará nossa terra.”
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