Atualmente, é ilegal, nos termos da Constituição Brasileira de 1988, que produtores agrícolas externos arrendem terras de reservas indígenas de grupos indígenas para cultivar plantações comerciais de commodities. Também é ilegal que grupos indígenas convertam as florestas dentro de suas reservas em produção comercial de commodities.
No entanto, o governo Bolsonaro, utilizando eventos e declarações públicas, deixou claro que tolera tais atividades. Atualmente, o Brasil tem conhecimento de 22 reservas indígenas em violação da lei, com áreas arrendadas ilegalmente a produtores agrícolas, totalizando 3,1 milhões de hectares.
A ministra da Agricultura de Bolsonaro afirmou na semana passada que quer ver o Congresso avançar com novas medidas para tornar legal o comércio de commodities dentro das reservas indígenas, desde que os indígenas que ali vivem concordem com as plantações e façam acordos de arrendamento com produtores.
Até agora, grupos indígenas foram reconhecidos como os melhores protetores da floresta amazônica. No entanto, as ações do governo Bolsonaro parecem destinadas a dividir os grupos indígenas em dois lados; um que favorece a conversão do agronegócio, e outro que quer proteger as florestas de reserva e as tradições indígenas.
Desde seu tempo como deputado federal, Jair Bolsonaro tem consistentemente defendido a exploração de terras indígenas para fins agrícolas por pessoas não indígenas — um desejo compartilhado com produtores ruralistas do agronegócio, mas uma proposição proibida na Constituição Brasileira de 1988. Agora, como presidente da República, Bolsonaro parece estar encorajando os ruralistas e seu lobby no Congresso para fazer movimentações agressivas nessa direção.
Aparentemente para promover esse propósito, um evento bastante divulgado foi realizado na semana passada, conhecido como o Primeiro Encontro Nacional de Agricultores Indígenas nas aldeias indígenas Paresis de Bacaval e Matsene Kalore, no estado de Mato Grosso. Estavam presentes nesse evento de alto perfil a ministra da Agricultura, Tereza Cristina; o secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Nabhan Garcia; o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes; e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles.
Salles publicou uma foto em seu Twitter, na qual vestia um cocar indígena para a Celebração da Colheita dos Paresí e escreveu: “Os índios Paresí, que plantam e produzem [soja geneticamente modificada] com muita competência, mostram que podem se integrar ao agronegócio sem perder suas origens e tradições”.
Foi a ministra da Agricultura, no entanto, que talvez melhor tenha consolidado a mensagem central da reunião. Cristina enfatizou que uma mudança na legislação federal poderia permitir que os povos indígenas trabalhassem com o agronegócio na produção de colheitas de commodities em grande escala em suas terras. “É para isso que estamos no Congresso. As coisas evoluem, mudam. Sua vontade é soberana, está na Convenção nº 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho]. Você tem que decidir o que quer fazer, qual é o desejo dos povos indígenas”. A Convenção nº 169 garante a consulta aos grupos indígenas em relação aos principais desenvolvimentos que possam afetá-los. No entanto, não concede aos grupos indígenas o direito de votar e permitir que suas reservas federais sejam desmatadas e convertidas em produção de commodities.
Para esclarecer a intenção do governo, Salles, Cristina e respectiva comitiva também visitaram uma plantação ilegal de soja na Reserva Indígena Utiariti, no Noroeste do Mato Grosso. Estas eram terras cultivadas interditadas pelo IBAMA em junho passado. A legislação nacional sobre transgênicos proíbe o plantio de organismos geneticamente modificados (OGMs) dentro de unidades de conservação (UCs), das quais fazem parte as terras indígenas. Na época, o IBAMA multou 17 inquilinos não indígenas e cinco associações de Paresis e Nambiquaras.
Além das culturas transgênicas, o IBAMA detectou práticas agrícolas ilegais que abusavam dos recursos naturais e impediam o ressurgimento da vegetação nativa. A proibição de tais práticas se estende por mais de seis reservas indígenas na região. Como, de acordo com a lei, os territórios indígenas pertencem à União Federal, os povos indígenas não podem produzir monoculturas agrícolas para fins comerciais em suas reservas ou arrendar as terras para esse uso.
Segundo a FUNAI o Brasil atualmente tem conhecimento de 22 reservas indígenas em violação da lei, com áreas arrendadas ilegalmente a produtores agrícolas — um total de 3,1 milhões de hectares.
No entanto, em seu site, o ministério da Agricultura afirma que “a produção em grande escala de soja, milho e feijão na região de Campo Novo do Paresis foi autorizada pelo Ministério Público Federal e pelo IBAMA”. Os Paresí planejavam plantar 10.000 hectares em culturas comerciais para a safra de 2018/19, dos quais a maioria, 8.700 hectares, teria sido em soja.
Mas a precisão da declaração do Ministério da Agricultura foi fortemente negada: “O IBAMA não assinou nenhum contrato de plantio nas terras Paresis, Rio Formoso, Tirecatinga, Utiariti, Manoki e Uirapuru antes ou depois dos embargos realizados em 2018”, disse Suely Araújo, presidente do IBAMA durante o governo de Michel Temer.
Em uma notificação oficial, o Ministério Público Federal do Mato Grosso (MPF-MT), litigantes independentes, declarou que “o MPF… defende… a Constituição Federal e a legislação, que asseguram aos povos indígenas o uso exclusivo de suas terras, impedindo assim pessoas da sociedade envolvente de aproveitar o território indígena tradicional para suas atividades econômicas, disfarçadas de acordos ilegais de parceria ou arrendamento”.
No entanto, o MPF está atualmente intermediando um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o IBAMA e os Paresí para “regularizar a produção agrícola na região, além de oferecer opções de cultivo sustentável, com o apoio da Embrapa”, empresa de pesquisa agrícola afiliada ao Ministério da Agricultura.
Os críticos se opõem fortemente ao que eles veem como uma tentativa transparente do governo Bolsonaro de arquitetar uma política e uma reversão legal: “Há um grande esforço por parte dos ruralistas para descaracterizar o chamado uso exclusivo dos territórios indígenas. Sua estratégia é formar parcerias comerciais com povos indígenas e, com isso, desmantelar a própria definição de terra indígena”, disse um especialista em política socioambiental à Mongabay, sob a condição de anonimato.
“Os povos indígenas rejeitam o modelo de monocultura [de commodities agroindustriais], incompatível com a realidade e com o nosso modo de vida”, disse Dinaman Tuxá, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), à Mongabay. “A legislação da TI proíbe a alta produção de grãos e a atividade predatória [do agronegócio externo]. Se o TAC for assinado, abrirá um precedente perigoso ao permitir algo ilegal, que no futuro facilitará o arrendamento de terras indígenas”.
Ontem, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, se reuniu com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, para propor uma solução negociada para as atuais disputas legais entre povos indígenas e produtores rurais. “Há mais de 20 anos temos ações judiciais de ambos os lados; eu acho que é um jogo de perder e perder”, disse Cristina.
Toffoli concordou que é necessário respeitar os direitos das minorias indígenas, “sem menosprezar o direito dos produtores rurais, que muitas vezes não são grandes proprietários, mas pequenos produtores”. Evidências mostram que proprietários de terras em grande escala também estão frequentemente envolvidos em disputas legais indígenas. Nenhuma decisão oficial sobre a resolução de conflitos indígenas e produtores foi anunciada.
Ministro do Meio Ambiente, Salles, se manifesta
Também na semana passada, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, participou de uma entrevista polêmica na televisão brasileira. Aqui estão alguns trechos que despertaram uma reação intensa dos ambientalistas:
Declaração: “Não vamos mudar a meta do [Brasil do Acordo de Paris], embora o acordo [permita] a mudança da meta. Não é [só] isso: você pode rever as metas em qualquer lugar [e em ambas as direções].”
Resposta: Isso é falso. Se o Brasil decidir rever sua meta voluntária de redução de emissão de carbono do Acordo do Clima de Paris 2015, o Brasil precisaria sair do acordo de Paris.
Declaração: “Eu não preciso de uma secretaria [de florestas]. O IBAMA está lá para isso.”
Resposta: O IBAMA é uma agência de fiscalização que detecta e pune crimes ambientais. A Secretaria de Clima e Florestas, abolida pelo Presidente Bolsonaro, tinha um propósito diferente. Ela formulou políticas públicas e foi responsável pela implementação de planos de prevenção e controle do desmatamento nos biomas Amazônia e Cerrado.
Declaração: “Que diferença faz quem é Chico Mendes? (…) Da parte dos ambientalistas, [os] mais ligados à esquerda, exaltam Mendes. Aqueles ligados ao agronegócio dizem que ele usou os seringueiros para se beneficiar.”
Resposta: Chico Mendes foi um seringueiro e ativista ambiental que lutou de maneira eficaz e ousada pela preservação da floresta amazônica e foi assassinado por um produtor agrícola de grande escala em 1988. O governo brasileiro homenageou Mendes nomeando seu serviço de parques nacionais.
Salles exige dados do Fundo Amazônia para auditoria legítima
Em outras notícias na semana passada, o ministro Salles se reuniu com funcionários do BNDES para obter acesso total aos contratos do Fundo Amazônia administrados pelo gigante banco de desenvolvimento. O ministro queria informações específicas, como metas e relatórios sobre as atividades do fundo, mas os funcionários do BNDES levantaram questões sobre o acesso à informação, com base em regras de privacidade e procedimentos burocráticos que não foram atendidos adequadamente pela solicitação.
Em seguida, Salles teria entrado em contato com o Controlador-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, que tem a prerrogativa legal de obter acesso a qualquer documento relacionado à administração federal. A análise dos contratos do Fundo Amazônia deve levar 60 dias, após isso, podem ser tomadas medidas governamentais. O que essas medidas poderiam ser, ou por que elas podem ser tomadas, é atualmente desconhecido.
O Fundo Amazônia tem 103 contratos para limitar o desmatamento em vigor no Brasil, cerca de metade deles com ONGs, e já recebeu R$ 3,4 bilhões, principalmente do governo norueguês. Mais cedo, o Ministério do Meio Ambiente notificou as ONGs ambientais brasileiras que recebem verbas federais informando que a administração de Bolsonaro estará auditando seus contratos e, a princípio, ameaçou suspender o financiamento durante a auditoria. Grupos ambientalistas expressaram profunda preocupação com as ações do governo.