A única maneira de chegar à fábrica é de barco. No cais do porto de madeira, um funcionário sorridente aguarda os visitantes para o primeiro balbucio dos produtos da Filha do Combu.

Na primeira impressão, é claro que você esteja provando algo diferente. O chocolate tem um sabor forte e complexo que é ligeiramente amargo e arenoso, autêntico e, de alguma forma, arejado. O aroma forte do chocolate enche a fábrica, pois as sementes de cacau são moídas manualmente na frente dos visitantes.

Cada elemento do chocolate Filha do Combu é a materialização de um produto que está estreitamente ligado à floresta.

A cocoa seed and its fruit on display. Photo by Sarita Reed.
Uma semente de cacau e seu fruto em exposição. Foto por Sarita reed.

“Trabalhamos de 70% a 100% com chocolate de cacau, produzido do cacaueiro natural e completamente orgânico”, disse Costa. Sua fábrica usa métodos de cultivo tradicionais, secagem das sementes e moagem manual.

Depois da degustação do chocolate, Costa – ou sua filha, Patrícia Costa, quem também trabalha na fábrica – mostra aos visitantes como seus produtos são produzidos. Diversas instalações estão espalhadas pela propriedade de 34 hectares, incluindo os barracões onde as sementes são armazenadas e os grãos são secados. Durante toda a viagem de turismo, os hospedeiros reiteram a importância da preservação da floresta para seu modelo empresarial. As visitas normalmente finalizam com uma sessão de degustação de chocolate antes dos trabalhadores retornarem à fábrica para continuar a produção.

No entanto, eles têm como compromisso em trabalhar harmoniosamente com a floresta, proprietários e trabalhadores da Filha do Combu não desdenham dos métodos modernizados. Eles dizem que as alterações causadas pela mudança para a industrialização do cacau foram bem-vindas. Costa e sua família viviam da colheita do fruto do cacau, da secagem das sementes e da venda deles aos atravessadores, que os revendiam para as grandes empresas. O preço do produto obtido era muito baixo, de qualquer modo.

Agora que eles têm uma fábrica, a família tem o controle absoluto sobre o processo produtivo, da colheita ao processamento. Isso significa lucro maior.

“Antes, vendíamos um quilograma (1kg = 2.2lbs) de grãos de cacau cerca de R$ 5,00 reais ($1.35). Atualmente, vendemos um quilo do nosso chocolate a R$ 150,00 reais ($ 40.00)”, afirmou Costa. A pequena empresa emprega sete funcionários em tempo integral, que inclui moradores locais e familiares e um estudante universitário que ajuda os visitantes mostrando ao redor da propriedade.

Processo produtivo do cacau no Brasil

Iniciativas como a Filha do Combu ainda não são regras no Brasil. A maior parte do setor de cacau do país tem por base um modelo de agronegócio, no qual pequenos agricultores ou trabalhadores com baixos rendimentos – trabalham por vezes sob as condições da escravatura – plantam e colhem o fruto, vendendo-o para empresas que fabricam produtos derivados do cacau.

Segundo a Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), somente quatro empresas processam 90% do cacau nacional, sendo três delas transnacionais (Archer Daniels Midland, Cargill, Barry Callebant) e uma brasileira (Indeca).

Para Francisco Mendes Costa, especialista em produção de cacau e coautor do livro “Cacau: riqueza de pobres”, há um único jeito de superar este paradigma.

“Os pequenos produtores começam a produzir chocolate em vez de vender apenas os grãos”, disse ele, em uma entrevista ao Mongabay. “Esta é uma solução que já foi solicitada. Os moradores locais estão agora correndo atrás de alternativas de industrializar seus produtos.”

De acordo com o Ministério da agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), os produtos do cacau tiveram um aumento do volume de negócios de 8% este ano no Brasil. No entanto, especialistas apontam um aumento do número de pequenos produtores do tree-to-bar também. Os dados concretos sobre este tipo de produção ainda são escassos. Os dados existentes geralmente combinam os produtores de tree-to-bar com bean-to-bar – aqueles que compram os grãos do cacau para produzir seu próprio chocolate.

O crescimento da produção local de chocolate é bom não apenas para a economia das comunidades, mas também para o meio ambiente. Francisco argumenta que a lavoura de cacau, se for bem gerida, ajuda a preservar a vegetação original e a biodiversidade.

O cacau cresce debaixo das sombras das árvores, desta forma, existe uma simbiose entre a lavoura e a floresta”, relatou.

Os agrotóxicos, além disso, não são necessários para a lavoura no caso da Filha do Combu, já que o cacau é nativo da região.

“Nós utilizamos técnicas sustentáveis para ter uma melhor iluminação acima dos cacaueiros, mas não é necessário controlar as pragas, qual há um equilíbrio natural”, disse a dona Izete Costa.

Um grande desafio para os produtores de tree-to-bar é a maneira de ter seu negócio em funcionamento. Francisco justificou que a falta de ausência do associacionismo entre os produtores enfraquece suas probabilidades de alcançar sucesso e de concorrer com grandes empresas.

“Pequenas parcerias muitas vezes são formadas, mas normalmente são de curta duração. A tendência de negociar por meio de cooperativas não está fortalecida”, declarou.

Falta de investimento

Não obstante sua história de sucesso, Filha do Combu tem recebido pouco apoio das autoridades governamentais. Eles ainda têm dificuldades com problemas logísticos, tais como a falta de maquinaria e serviços básicos. Eles dizem que as coisas poderiam ser melhores se eles tivessem esse apoio.

“As autoridades não fornecem barco para coletar o lixo da ilha, por exemplo, a gente leva tudo sozinho para a cidade”, declarou Patrícia, filha de Costa.

A alteração é visível, de qualquer maneira. No final de agosto, um novo projeto de lei federal que apoia os produtores de cacau de alta qualidade foi aprovado. O objetivo visa fornecer facilidades de crédito aos pequenos produtores e estimular melhores práticas agroflorestais.

De acordo com Mário Carvalho, gerente da Filha do Combu, permanece pouco clara quais as novas políticas serão desenvolvidas com a lei.

“É muito amplo e definam poucas coisas”. Parece estar voltado para os negócios mais estruturados, por esta razão teremos que procurar parcerias para obter as facilidades de crédito que eles sugerem”, declarou.

Para Francisco, o setor público é um protagonista fundamental na modificação no setor de cacau. “Se um governo for capaz de apoiar e subsidiar pequenos produtores de chocolate, em tal caso o panorama do mercado de chocolate no Brasil será totalmente alterado”, afirmou.

Imagem do banner: Uma semente de cacau e seu fruto em exposição. Foto por Sarita Reed.

Nota:

– Bean-to-bar (chocolataria da fava à barra ou grão – à- barra). O chocolate bean-to-bar, na qual pequenos produtores fabricam seu próprio chocolate – da torra do grão (“bean”) de cacau à moldagem das barras (“bar”).

– Chocolate tree-to-bar significa que ele foi feito pelo mesmo fabricante desde o cultivo do cacau até a barra de chocolate. Ele tem a fazenda, planta o cacau, o colhe, faz o processamento e o produto final é o chocolate em barras. Ser ter-to-bar não é garantia de qualidade, pois isso também depende da variedade do cacau e da qualidade de todos os ingredientes usados, além dos parâmetros no processo de produção.

Matéria publicada por Maria Salazar
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