Um novo relatório da Amazon Watch evidencia que seis proeminentes políticos brasileiros são acusados e/ou condenados de vários crimes ambientais, sociais e econômicos. Todos os seis são ativos no lobby da bancada ruralista do agronegócio no Congresso, e cinco deles estão prontos para a eleição de outubro.
De acordo com o relatório, os seis são defensores estridentes das políticas ruralistas que estão reduzindo os mecanismos de proteção ambiental, exacerbando o desmatamento da Amazônia e revertendo a legislação de proteção ao direito a terra dos indígenas.
No entanto, suas commodities agrícolas e de seus aliados políticos e comerciais são vendidas para os EUA e UE, e tem como importadores os fabricantes de refrigerantes Coca Cola (EUA) e Schweppes (Suíça) e o produtor de aves Wiesenhof (Alemanha) entre outros.
O relatório diz que as empresas transnacionais e os consumidores estão, deste modo, involuntariamente dando força as graves agressões ambientais dos ruralistas, e pedem que países e empresas importadoras assumam a responsabilidade por suas ações. O Mongabay mostra os perfis de dois dos congressistas apontados no relatório: Adilton Sachetti e Nelson Marquezelli.
Um relatório, publicado pela Amazon Watch, revela que seis proeminentes políticos brasileiros – membros do lobby da bancada agroindustrial-ruralista e quase todos concorrendo as eleições em outubro – foram considerados culpados de graves crimes e delitos ambientais, econômicos e sociais.
De acordo com o relatório, eles são os líderes dos ataques a legislação socioambiental na Amazônia, cujos resultados serão desastrosos para o povo e para o meio ambiente em termos nacionais e globais. São citados no relatório Adilton Sachetti, Nelson Marquezelli, Dilceu Sperafico, Jorge Amanajás, Sidney Rosa e Alfredo Kaefer.
As Commodities produzidas em suas propriedades rurais, ou distribuídas por seus aliados ruralistas, estão sendo exportados para as principais empresas americanas e europeias. Entre as empresas importantes que compram seus produtos se destacam os fabricantes de refrigerantes Coca Cola (EUA), Schweppes (Suíça) e Eckes Granini (Alemanha) e o produtor de aves Wiesenhof (Alemanha).
Os políticos ruralistas analisados no relatório foram acusados e, em alguns casos, considerados culpados de graves crimes, incluindo violações de leis trabalhistas (especialmente relativas a condições análogas à escravidão), violação de normas ambientais e corrupção (incluindo o não pagamento de empréstimos e sonegação de impostos).
O relatório também descobriu que uma empresa que estava intimamente associada a um desses políticos, apesar de sua inclusão na “lista suja” do governo brasileiro de empresas que utilizam trabalho escravo, foi certificada por suas políticas sustentáveis e favoráveis ao trabalho pela ONG Rainforest Alliance.
Uma das questões levantadas pelo relatório da Amazon Watch é indagar se as nações importadoras e as empresas transnacionais não deveriam estar empregando critérios mais rígidos para selecionar seus parceiros comerciais brasileiros, especialmente evitando aqueles com graves registros criminais e aqueles alinhados a destrutiva agenda ruralista. A Amazon Watch também expressa suas preocupações sobre as motivações dos congressistas ruralistas, que lucram generosamente através de suas fazendas e empresas de commodities, que se empenham em promover uma agenda legislativa favorável ao agronegócio.
A Amazon Watch está apoiando iniciativas de movimentos indígenas para que os importadores de commodities brasileiras assumam a responsabilidade pela maneira como esses bens são produzidos. Luiz Eloy Terena, advogado da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), disse ao Amazon Watch: “Nós, povos indígenas, sabemos que grandes bancos e empresas de fora do Brasil … estão apoiando os ruralistas em seus esforços para destruir comunidades indígenas e tradicionais e nossas florestas e rios. Levamos essa informação ao Parlamento Europeu para exigir o boicote às commodities produzidas em terras indígenas. ”
Estudo de Caso 1: Adilton Sachetti
O deputado federal Adilton Sachetti, figura com destaque no relatório Amazon Watch, entra e sai dos tribunais há mais de uma década, acusado de crimes que vão desde o não pagamento de dívidas, ao furto e peculato.
Ele nasceu em uma numerosa família de Santa Catarina, um estado do sul do Brasil. A família migrou para o norte, para a cidade de Rondonópolis, no estado do Mato Grosso, quando o agronegócio se deslocou para o Cerrado, a vasta savana do Brasil.
O primeiro atrito da empresa familiar dos Sachetti — que se chama Agropecuária Sachetti — com a lei aconteceu em 2004, quando alguns dos mais poderosos agentes econômicos brasileiros (incluindo grandes bancos, como Unibanco e Santander e empresas multinacionais do agronegócio como Bunge, Monsanto e Syngenta) levaram a empresa aos tribunais para exigir o pagamento de dívidas. Na época, a Agropecuária Sachetti era gerenciada por Adilton Sachetti. O Unibanco conseguiu que a justiça confiscasse uma propriedade que havia sido fornecida como garantia de empréstimo.
Essa inadimplência nos pagamentos de empréstimos talvez fosse compreensível porque o agronegócio brasileiro passava por uma grave crise econômica e ambiental. Um porta-voz da empresa disse que as dívidas não pagas foram em grande parte o resultado da seca de 2005-2006, “a mais grave da história de Mato Grosso”.
Mas as práticas ilícitas não acabam com a seca. Em 2010, o Bic Bank foi a justiça acusando os Sachetti do roubo de 600.000 quilos (660 toneladas) de algodão em pluma, que havia sido oferecido como garantia para um empréstimo bancário.
A essa altura, os Sachetti já tinham 53 acusações em tribunais de Mato Grosso, decorrentes tanto do comportamento pessoal de Adilton Sachetti como de ações relativas a empresa da família. De acordo com o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, pelo menos 21 acusações eram resultado da conduta pessoal de Adilton Sachetti como presidente da AGECOPA (Agência do estado para os projetos de Copa do mundo de execução no Pantanal), então responsável pela gestão de R$ 3 bilhões (US$ 725 milhões).
Em 2014, um juiz ordenou o confisco dos bens pessoais de Sachetti no valor de R$ 160.000 (US $ 38.700) por falta de pagamento de impostos. E, em 2018, veio a que talvez tenha sido a acusação mais grave: os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF), o mais alta corte do Brasil, decidiram por unanimidade que havia provas suficientes para que Sachetti fosse julgado por “apropriar-se de bens públicos em benefício de empresas ligadas a família dele.” O suposto delito ocorreu quando ele era prefeito de Rondonópolis entre 2006 e 2008. O caso ainda está indefinido.
Apesar de inúmeros crimes em que Adilton Sachetti e a empresa da sua família foram multados e considerados culpados, a principal fazenda de produção em larga escala dentro do grupo Sachetti, a Agropecuária Céu Azul foi registrada como “habilitada” a exportar para a União Europeia pelo ministério da agricultura brasileiro.
A Conexão Sachetti / Maggi / EU
Um resumo das amizades duradouras, conexões comerciais e carreira política de Adilton Sachetti lança luz sobre as relações interligadas entre o agronegócio e a bancada ruralista – o lobby do agronegócio que começou a impulsionar uma agenda legislativa duramente anti-ambiental e anti-indígena no Congresso brasileiro que começou a partir no início dos anos 2000.
Alianças importantes e duradouras: Adilton Sachetti é amigo e aliado do atual Ministro da Agricultura Blairo Maggi desde a infância. E os negócios dos dois se confundem há décadas.
Por exemplo, o grupo Sachetti não exporta diretamente da Agropecuária Céu Azul e de outras fazendas de soja, mas distribui através da Amaggi, um dos maiores traders de commodities do Brasil, pertencente à família Maggi, na qual o Ministro da Agricultura Blairo Maggi, anteriormente conhecido como “O Rei da Soja” é um dos principais atores.
A empresa alemã Mega Tierernährung, subsidiária da PHW-Gruppe, uma das principais produtoras alemãs de frango, importa grandes quantidades de soja brasileira da Amaggi. A PHW-Gruppe é proprietária da marca líder Wiesenhof, responsável por quase metade dos frangos criados e abatidos na Alemanha. Esses frangos são alimentados predominantemente com soja brasileira.
A Wiesenhof disse ao Mongabay que o farelo de soja que utiliza para alimentar seus frangos atende ao padrão da Pro-Terra, que é uma das principais certificações de sustentabilidade para produtos de soja. Embora isso seja fato, também é potencialmente verdade que parte da soja fornecida a esses frangos europeus poderia vir das fazendas e da empresa de Sachetti, com seu longo histórico de acusações criminais; no entanto, atualmente, o rastreamento detalhado das origens da cadeia de suprimentos é muito difícil, uma questão que os ambientalistas dizem que precisa ser corrigida.
Mais uma conexão Sachetti/Maggi: Em 2004, quando a Agropecuária Sachetti faliu devido à crise da agricultura, foi Eraí Maggi, primo de Blairo, que resgatou Adilton por meio de um contrato de parceria de cinco anos. Desde então, Sachetti sempre tem sido visto como impulsionador da agenda da empresa Amaggi.
Além de seus interesses comerciais, Sachetti ocupou postos políticos importantes: em 2006, foi eleito prefeito de Rondonópolis em Mato Grosso, onde a Amaggi tinha sua sede. Enquanto Sachetti era prefeito, a Amaggi aumentou seu investimento na região. Mas quando Sachetti não conseguiu ser reeleito em 2008, a Amaggi mudou sua sede para Cuiabá, aparentemente em represália.
Sachetti retornou à política em 2014, quando foi eleito deputado federal (como candidato pelo PSB, o Partido Socialista Brasileiro). O próprio Blairo Maggi era senador na época, cargo que ocupou até ser nomeado Ministro da Agricultura em maio de 2016 pelo presidente Michel Temer, que substituiu Dilma Rousseff após o impeachment.
Investigações realizadas pelo Repórter Brasil revelaram que, em sua campanha para o Congresso em 2014, Sachetti recebeu financiamento eleitoral de empresários do agronegócio rural que haviam sido considerados culpados por desmatamento ilegal pela agência ambiental brasileira, IBAMA.
O mais conhecido dos doadores da campanha de Adilton Sachetti é Eraí Maggi, que assumiu o posto de “Rei da Soja” – o maior produtor de soja do mundo – no lugar de seu primo Blairo Maggi. Outro colaborador foi o cunhado de Eraí, José Maria Bortoli. Ambos são membros do Grupo Bom Futuro que possui 36 grandes fazendas de soja no Mato Grosso, e ambos figuram na lista de agricultores do IBAMA que foram flagrados cometendo crimes ambientais. Outros dois financiadores de Sachetti – Romeu Froelich e Roland Trentini – foram multados pelo Ibama por desmatamento ilegal de florestas.
Após sua vitória em 2014, o deputado federal Sachetti rapidamente se tornou um dos principais membros do lobby da agroindústria bancada ruralista. Em seu primeiro discurso no Congresso em junho de 2015, ele deixou claro que ele estava na Câmara dos Deputados para promover os interesses do agronegócio. Ele ressaltou a contribuição do seu estado natal, o Mato Grosso, principal produtor agrícola do país, para a economia brasileira: “Enquanto o Brasil encerrou 2014 com um déficit comercial de quase US $ 4 bilhões, o Mato Grosso registrou um superavit de cerca de US $ 14 bilhões no mesmo período”, disse ele.
Atividades legislativas de Sachetti
Sachetti nunca escondeu sua convicção de que a população indígena do Brasil está atrapalhando o setor de agronegócios do país. Em seu primeiro discurso, ele lamentou a demora na pavimentação da BR-158, a rodovia de 4.000 quilômetros em direção ao sul do estado do Pará, na Amazônia, e uma importante rota de exportação de commodities.
Um dos motivos porque a pavimentação estava demorando tanto, ele sustentou, foi um desvio de 130 quilômetros ao redor de uma reserva indígena. Tocando em um tema que caracterizaria seus discursos posteriores, ele disse que os povos indígenas não precisam de terra, mas precisam de assistência social: “Seus principais problemas são desnutrição infantil, doenças, alcoolismo, suicídio e até mesmo fome”, disse ele.
Sachetti se tornou coordenador da influente Comissão Parlamentar de Infraestrutura e Logística Comissão da Frente Parlamentar da Agricultura (FPA), um organismo criado pelo lobby ruralista. Ele usou essa posição para fazer campanha por leis que limitariam as terras das comunidades indígenas e para promover a expansão da infraestrutura do agronegócio — incluindo a construção de estradas, ferrovias, portos e hidrovias industriais.
Ele é um ferrenho defensor da PEC 215, uma proposta de alteração constitucional que propõe retirar a palavra final sobre demarcação de terras indígenas do corpo técnico, deslocando-a para o Congresso. Na prática, isso reduziria o papel da FUNAI, a agência de proteção dos interesses dos indígenas, tornando mais fácil para o lobby ruralista impedir que as comunidades indígenas adquirissem direitos legais sobre suas terras ancestrais. O PEC 215 ainda está em tramitação no Congresso.
Sachetti também se tornou hábil no uso de índios dissidentes – insatisfeitos com a postura cada vez mais estridente adotada por algumas das principais organizações indígenas – para promover a causa do agronegócio. Ele levou uma delegação indígena dissidente ao Congresso para testemunhar a favor da suspensão as restrições que atualmente impedem o agronegócio comercial de atuar dentro das reservas indígenas. Os índios receberam uma ovação de pé do lobby ruralista quando pediram autorização para plantar soja em suas terras.
Às vezes, as táticas de Sachetti saem pela culatra. Um homem, Ubiratan de Souza Maia, um aliado que Sachetti e o lobby do agronegócio tentaram, sem sucesso, emplacar no importante trabalho de coordenar o licenciamento de terra dentro da FUNAI, mais tarde foi considerado culpado de alugar ilegalmente terra em uma reserva indígena para produtores de soja e condenado a pagar indenização.
Hidrovias industriais
Sachetti tem sido particularmente diligente em impulsionar projetos importantes para Blairo Maggi — em especial a conversão de grandes rios e afluentes da Amazônia em hidrovias industriais para transporte de soja e outras commodities. A família Maggi terá lucros gigantescos nessa área: em 2017, a Hermasa, companhia de navegação da Amaggi, transportou um volume recorde de soja – 4 milhões de toneladas – nos rios da Amazônia.
Em dezembro passado, Maggi compartilhou uma foto com seus seguidores nas mídias sociais de um novo navio que pode empurrar barcaças pelos rios amazônicos navegáveis. O navio, chamado Sabino Pissolo, é um empurrador e uma das mais modernas embarcações da frota da Hermasa. Operando no Rio Madeira, este empurrador pode mover até 25 barcaças, transportando um total de 50.000 toneladas de soja, em uma única viagem; quando seriam necessários 1.200 caminhões para transportar a mesma carga. “Vale a pena calcular o quanto de diesel estamos economizando e quanto de desgaste nas estradas estamos evitando”, escreveu Maggi.
Mas hoje os únicos rios amazônicos capazes de transportar mercadorias dessa maneira são o tronco principal da Amazônia, o Madeira e o Tapajós, a jusante do porto de Miritituba. Para que a rede seja ampliada, são necessárias obras extensivas, construindo represas e reservatórios, eclusas, canais e canais profundos, para eliminar corredeiras e águas rasas em muitos rios.
No processo, danos consideráveis seriam causados a vida aquática, às inundações florestais e aos padrões de sedimentação do solo, e a pesca das populações indígenas e de aldeias ribeirinhas que ocorre nos igarapés. Por causa disso, muitas comunidades ribeirinhas, em conjunto com biólogos e ambientalistas, são ferozmente contrários a essas propostas.
A autorização ainda não foi concedida para essas hidrovias industriais da Amazônia, mas Sachetti continua a desempenhar um papel fundamental para que isso aconteça, impulsionando projetos de lei que permitiriam o início da construção. Ele apresentou três projetos de lei que criariam sete hidrovias industriais. Ele justificou seus projetos na Câmara dos Deputados desta maneira: “O Brasil tem grandes rios, maiores que qualquer rio dos EUA ou da Europa. Então por que não podemos aproveitá-los?”.
Um dos atos, PDC 199/2015, converteria os rios Tapajós, Teles Pires e Juruena em hidrovias industriais. Tornar o rio Juruena navegável para barcaças seria particularmente benéfico para o Grupo Bom Futuro*, que possui várias fazendas importantes dentro de um raio de 200 quilômetros (120 milhas) do rio.
A relação próxima já existente entre o agronegócio e a bancada ruralista pode crescer e se fortalecer ainda mais quando assumir o próximo governo no Brasil, pois espera-se que o lobby do agronegócio venha a ser ainda mais poderoso no Congresso após as eleições.
O próprio Adilton Sachetti concorre a vaga de Maggi no Senado, espera-se a eleição confortável de Sachetti. Além disso, a maioria dos observadores acredita que Blairo Maggi, a figura mais poderosa do agronegócio brasileiro, continuará como Ministro da Agricultura, não importa quem vença a presidência.
O Mongabay contatou Adilton Sachetti e Blairo Maggi para apurar a reação deles às informações apresentadas no relatório Amazon Watch. Até a publicação do artigo, eles não responderam.
Estudo de Caso 2: Nelson Marquezelli
Outros deputados ruralistas desfrutam de relações estreitas com o agronegócio. Nelson Marquezelli é dono de grandes fazendas e de uma empresa que distribui cerveja e refrigerantes fabricados pela megaempresa AmBev, subsidiária da multinacional belga Interbrew. Marquezelli é deputado federal pelo estado de São Paulo desde 1991, é candidato à reeleição em outubro.
Conhecido como “o deputado das laranjas”, Marquezelli é franco sobre seu papel no Congresso defendendo os interesses dos produtores de cítricos, particularmente a Sucocitrico Cutrale, uma gigante que possui cinco fábricas de processamento de suco de laranja no estado de São Paulo, além de grandes plantações de produção de laranja em larga escala. A Cutrale fornece um terço do suco de laranja vendido no mercado mundial.
O fundador da empresa, o pouco instruído José Cutrale, começou a vender laranjas em um mercado de rua. Reconhecido como um negociador duro com clientes e fornecedores, ele formou uma empresa e se transformou em um dos maiores fabricantes de suco de laranja do mundo.
Quando José Cutrale morreu em 2004, Marquezelli declarou: “Fui eleito quatro vezes deputado federal pelo povo de São Paulo no segmento [eleitoral] criado por José Cutrale. Eu sou o produto das ideias e do trabalho de José Cutrale … José Cutrale representou para nós o avanço, o progresso e a inclusão no mercado internacional dessa mercadoria extremamente importante [que é, o suco de laranja] produzido por agricultores humildes, às vezes analfabetos, no interior de São Paulo e em outras partes do Brasil”.
Mas Marquezelli nem sempre foi fã de Cutrale. Em 2000, ele vendeu suas laranjas para a Citrosuco, uma empresa independente e concorrente da Cutrale, mas no final as duas empresas chegaram a um acordo, supostamente com a ajuda de Marquezelli. Depois disso, Marquezelli começou a receber financiamento eleitoral de Cutrale. O setor passou então por um rápido processo de consolidação. Hoje, apenas três empresas controlam 80% da produção de suco de laranja no Brasil. Elas são, repetidamente, acusadas de formar um cartel.
A Cutrale hoje é dirigida pelo filho de José Cutrale, José Luís Cutrale, o “Rei do suco de laranja”. Em 2015, ele figurou na lista da revista Forbes entre as pessoas mais ricas do Brasil, com uma fortuna de R$ 8 bilhões (US $ 1,9 bilhão). Ele recebeu vários prêmios honorários da Câmara de Comércio Brasil – Estados Unidos e participou de missões diplomáticas no exterior.
Mas muitos brasileiros não vêem a Cutrale com bons olhos. A empresa foi considerada culpada de infringir as leis trabalhistas repetidas vezes pelas condições de trabalho inadequadas dos trabalhadores sazonais em suas fazendas de laranja. Ao todo, o Ministério do Trabalho, através de suas unidades regionais de fiscalização (Gerências Regionais do Trabalho), considerou a empresa culpada de 90 infrações à legislação trabalhista entre agosto de 2012 e fevereiro de 2015. Por esse motivo, a Cutrale foi condenada a pagar indenizações no valor total de R$ 300.000 (US $ 72.500).
O Movimento dos Sem-Terra do Brasil (MST) também entrou em choque com a Cutrale. Em 2009, o movimento ocupou a Fazenda Capim, uma grande área de produção de laranja no estado de São Paulo. A Cutrale afirma ser proprietária da fazenda, mas o MST diz que são terras públicas ilegalmente ocupadas pela empresa. Depois que invadiu, o MST cortou 7.000 laranjeiras, e fez uma plantação de feijão, um alimento básico, na área ocupada. Esta ação foi filmada pela Polícia Militar e exibida no Congresso, causando grande furor. Algum tempo depois, as famílias do MST foram forçadas a sair, depois de perderem a ação na justiça.
Em 2014, o MST ocupou, pela 14ª vez, outra fazenda de Cutrale – Fazenda Santo Henrique – também no estado de São Paulo. De acordo com o MST, Cutrale também se apropriou ilegalmente da terra e não possuía títulos legalizados de propriedade. O MST queria que a terra se transformasse em um assentamento da reforma agrária. Mais uma vez, as famílias do MST foram forçadas a sair.
Condições de trabalho análogas à escravidão
A maior controvérsia em torno da Cutrale – que contribuiu significativamente para a eleição de Nelson Marquezelli – envolve as condições de trabalho. Em 2017 e 2018, a Cutrale foi incluída na “lista negra” do governo brasileiro de empregadores considerados culpados de manter trabalhadores em condições análogas à escravidão
Apesar disso, no início deste ano, a Cutrale recebeu um dos certificados socioambientais mais prestigiados do mundo, o selo “green frog” da Rainforest Alliance. A Rainforest Alliance, sediada em Nova York, é uma das principais ONGs internacionais que trabalham para conservar a biodiversidade e garantir meios de subsistência sustentáveis.
Um produto carimbado com o “green frog” deve assegurar ao consumidor de que o produto foi assim rotulado porque foi fabricado dentro de parâmetros adequados a promoção da sustentabilidade ambiental e da igualdade social. Este selo é de vital importância para a Cutrale: a União Europeia exige este certificado antes de autorizar as importações.
A questão resultou em uma controvérsia internacional: A Imaflora, uma ONG brasileira que emite seu próprio certificado de sustentabilidade e geralmente trabalha em conjunto com a Rainforest Alliance, disse que não poderia apoiar a decisão da Rainforest Aliance de conceder o selo a Cutrale. A Rainforest Alliance foi forçada a encontrar outro órgão — o Instituto Biodinâmico (IBD) — para entregar o prêmio. Esse tipo de discordância nunca tinha acontecido antes.
A Rainforest Alliance publicou um comunicado de imprensa em que explicava a decisão do seu selo verde: “A Rainforest Alliance não certifica empresas, nós certificamos fazendas e plantações que cumpram os requisitos estabelecidos as Normas de Agricultura Sustentável da Rainforest Alliance.” A ONG diz que Cutrale caiu na “lista negra” devido a problemas documentados pelo Ministério do Trabalho em duas fazendas da Cutrale, a Vale Verde e a Portal, no estado de Minas Gerais. Mas, segundo a Rainforest Alliance, as fazendas certificadas estão localizadas em Araraquara, no estado de São Paulo, onde não foram encontradas condições de trabalho análogas à escravidão.
Para o IBD, esta explicação foi suficiente: “Do nosso ponto de vista, cada fazenda é uma unidade diferente porque tem seu próprio gerente geral, um gerente de recursos humanos e assim por diante”, disse Luís Henrique Witzler, diretor do IBD. O Imaflora tem uma forma diferente de ver essa questão. Luís Guedes Pinto, seu gerente de certificação agrícola, disse que a empresa estar na “lista negra” deve ser suficiente para desqualificar Cutrale, onde quer que o trabalho escravo seja encontrado.
A Cutrale exporta para algumas das principais empresas do mundo: Coca Cola (EUA), Schweppes (Suíça) e Eckes Granini (Alemanha).
A Coca-Cola respondeu ao relatório Amazon Watch, dizendo que “nós nos esforçamos para proteger os direitos humanos e promover a sustentabilidade ambiental em toda a cadeia de valor. Como tal, esperamos que nossos fornecedores respeitem os Princípios Básicos da Agricultura Sustentável e os Princípios Orientadores dos Fornecedores”. Além disso, “Somos encorajados pelos progressos alcançados por nossos fornecedores no Brasil a melhorar a sustentabilidade em todos os níveis. Na verdade, a Cutrale recebeu recentemente a chancela da SAI-FSA para 100% das fazendas de laranja que possuem (59% de nível prata e 41% de nível ouro). E eles continuam a trabalhar com todos os seus fornecedores para garantir, no mínimo, o cumprimento de todas as leis ambientais e trabalhistas. As laranjas da Cutrale não são cultivadas na Amazônia, e o setor de laranja vem aumentando a produtividade e reduzindo a área total plantada nos últimos anos.
“Ainda assim, são quase 5.000 produtores de laranja nos estados de São Paulo e Minas Gerais, sabemos que há muito mais a ser feito e continuaremos nos engajando com o setor de produção de cítricos para chegarmos a soluções concretas que beneficiem todos os trabalhadores nos laranjais e as comunidades dedicadas ao setor cítrico no Brasil, independentemente de sua localização ou a quem eles vendam seu produto ”, concluiu a Coca Cola em um comunicado enviado por e-mail.
Mongabay contatou Nelson Marquezelli e a Schweppes para um comentário sobre o relatório da Amazon Watch. Até o momento da publicação deste artigo, não recebemos nenhuma resposta.
É necessária uma maior investigação da cadeia de abastecimento
Este artigo analisa apenas algumas das descobertas detalhadas no relatório da Amazon Watch. Entre outros, figuram no relatório Alfredo Kaefer, deputado federal pelo estado do Paraná que está concorrendo à reeleição. Ele cria galinhas e parte de sua produção exportada para a Europa e o Canadá. Kaefer se aliou a alguns dos mais poderosos membros da bancada ruralista. Muitos deles enredados em uma enxurrada de irregularidades financeiras, o próprio Kaefer foi acusado de formação de um grupo ilegal para beneficiar sua empresa, a Diplomata. Esta empresa também está envolvida em um escândalo de crueldade contra os animais onde galinhas com fome recorreram ao canibalismo. Sua empresa faz parte do grupo Globoaves, que exporta produtos de frango para as empresas holandesas Van Aerde Food, Ferdinand Zandbergen, Kühne & Heitz e Jan Zandbergen.
Outro político citado no relatório é Jorge Amanajás, que tem sido um agente poderoso no estado amazônico do Amapá desde sua eleição para a Assembleia Estadual em 1998. Atualmente, ele é o Secretário dos Transportes do Amapá e está concorrendo a uma cadeira no Senado. A Amanajás tem laços estreitos com a empresa de celulose, Amapá Florestal e Celulose (Amcel), uma subsidiária da japonesa Nippon Paper Industries, o que o liga a irregularidades que vão desde violência rural até grilagem de terras e desmatamento ilegal. O Ministério Público Federal entrou com 13 ações judiciais contra a empresa.
A Amanajás cultiva eucalipto e exporta os cavacos de madeira através da Amcel, que os vende para a empresa alemã de geração e comercialização de energia Uniper (de propriedade da Fortum Corporation, uma empresa finlandesa).
Outro deputado federal citado no relatório da Amazon Watch é Dilceu Sperafico, que decidiu não concorrer à reeleição, mas apoiar um sucessor. Ele é acionista da empresa familiar Sperafico Agroindustrial, da qual a gigante de mineração suíça, Glencore, comprou o controle acionário em 2008.
Sperafico é dos principais membros do lobby ruralista e em 2017 foi pego pelo escândalo de corrupção da Lava Jato, o que o forçou a retirar-se temporariamente da política. A Sperafico Industrial exporta a lecitina de soja, um derivado da soja que é usado em produtos de saúde que alegam reduzir o colesterol. Entre os importadores figuram a Solae Europe, propriedade da DuPont (EUA) e a Lccico (Alemanha).
O que fica claro, ao se estudar este relatório, é que membros do lobby da agroindústria da bancada ruralista no Congresso brasileiro têm se envolvido em práticas comerciais questionáveis e ilegais, que incluem crimes e injustiças ambientais, sociais e econômicos – um fato que os eleitores brasileiros precisam estar mais atentos.
Além disso, os ruralistas que apoiam leis com as quais eles próprios e suas empresas são beneficiados, enquanto prejudicam o meio ambiente e as comunidades indígenas, levantando sérias questões éticas sobre as exportações de commodities, a supervisão da cadeia de abastecimento e se as empresas transnacionais estão fazendo o suficiente para monitorar fornecedores brasileiros.
Christian Poirier, da Amazon Watch, acredita que os consumidores estrangeiros de commodities brasileiras devem começar a assumir a responsabilidade pelo papel que desempenham: “Como uma organização norte-americana, a Amazon Watch reconhece plenamente o grande papel de nosso país nas mudanças climáticas e nos abusos dos direitos humanos”, disse ele à Mongabay. “Como participantes desse processo, acreditamos que os consumidores do hemisfério Norte devem reconhecer como suas escolhas podem possibilitar os ataques repulsivos dos ruralistas aos direitos territoriais indígenas e a proteção do meio ambiente que salvaguardam uma região insubstituível e que é fundamental para nossa sobrevivência coletiva. Uma vez que entendamos o que está em jogo, a comunidade global deve da uma resposta ”.
Nota de atualização: Os políticos citados neste artigo não tiveram bom desempenho nas eleições. Adilton Sachetti, Nelson Marquezelli, Dilceu Sperafico, Jorge Amanajás, Sidney Rosa e Alfredo Kaefer não se reelegeram. Dilceu Sperafico foi o único a eleger um sucessor político, José Schiavinato.
Citação:
Amazon Watch (2018), Complicity in Destruction: How Northern Consumers and Financiers Sustain the Assault on the Brazilian Amazon and its Peoples: https://amazonwatch.org/assets/files/2018-complicity-in-destruction.pdf
Comentários : Use este formulário para enviar uma mensagem ao autor deste post. Se você quiser postar um comentário público, poderá fazer isso na parte inferior da página.