Manguezais situam-se nas regiões costeiras tropicais e proporcionam um habitat para a vida selvagem, assim como serviços ecossistêmicos para comunidades. Funcionam também como poderosas ferramentas de armazenamento de carbono que paulatinamente sequestram quatro vezes mais carbono do que a floresta tropical.
Pesquisadores conduziram uma análise dos genes de manguezais ao longo da costa do Brasil e descobriram diferenças drásticas entre árvores de florestas diferentes, mesmo quando pertencentes à mesma espécie.
Eles entendem que essas diferenças apareceram por conta da corrente oceânica que separa os manguezais do norte e do sul do Brasil, impossibilitando o intercâmbio genético entre eles.
Suspeitam também que essa diferença genética entre manguezais possa afetar regiões fora do Brasil. Eles afirmam que os resultados encontrados reforçam a importância da implementação de planos de conservação que priorizem a preservação da diversidade genética – uma empreitada cada vez mais crucial diante do desaparecimento dos manguezais e da intensificação das mudanças climáticas.
Cobrindo o litoral tropical com uma abundância de galhos longos e emaranhados e de raízes que se salientam acima do lamaçal na maré baixa, os manguezais parecem ser todos iguais. Mas uma investigação minuciosa de seus genes revela diferenças surpreendentes.
E foi justamente essa a análise conduzida por pesquisadores de instituições brasileiras, que revelou diferenças genéticas entre árvores da mesma espécie e situadas ao longo do mesmo litoral. Eles entendem que provavelmente essas diferenças se devam as correntes oceânicas que agem como uma barreira contra as sementes do mangue, efetivamente separando as populações de árvores. Somam-se às diferenças genéticas, as adaptações fisiológicas apresentadas por algumas árvores, que as tornam mais adequadas a seu meio-ambiente específico.
Eles afirmam que os resultados encontrados, publicados no periódico Ecology and Evolution no início desse ano, reforçam a importância da implementação de planos de conservação que priorizem a preservação da diversidade genética – uma empreitada cada vez mais crucial diante do desaparecimento dos manguezais e da intensificação das mudanças climáticas.
Se comparados a outros tipos de floresta, manguezais cobrem uma área inferior, restrita à margens estreitas entre mar e terra em regiões tropicais ao redor do planeta. Mas proporcionam um habitat indispensável à vida selvagem em regiões costeiras, assim como serviços ecossistêmicos importantess à população, como o controle de cheias e a manutenção de recursos pesqueiros. Manguezais são também poderosas ferramentas de armazenamento de carbono, que paulatinamente sequestram até quatro vezes mais carbono do que as florestas tropicais.
No entanto, os manguezais não estão reagindo bem à expansão humana. Cientista estimam a perda de manguezais entre 30 e 50 por cento na última metade do século, sujeitos a serem substituídos por criações de camarão, campos de arroz e plantações de palmeiras ou a ter seus suprimentos de água interrompidos por barragens. No futuro, cientistas temem que aqueles que consigam sobreviver ao massacre em terra se afoguem no mar com a elevação dos níveis oceânicos devido ao aquecimento global.
E com a sua morte, o carbono armazenado em sua vegetação e solo é liberado. Em grande quantidade. Na estimativa dos estudiosos, somente o desmatamento de manguezais que ocorreu entre 2000 e 2012 liberou cerca de 317 milhões de toneladas métricas de CO2 por ano – mais do que a emissão anual da Polônia.
Reagindo a diminuição das áreas de da população de mangues no mundo, conservacionistas têm promovido o replantio de manguezais na esperança de restabelecê-los. Por exemplo, um gigantesco projeto de reflorestamento no Senegal promoveu o plantio de aproximadamente 80 milhões de árvores de mangue, e recentemente o Paquistão estabeleceu um novo recorde com o plantio de mais de 1 milhão de mangues (o termo é costumeiramente empregado para descrever tanto árvores individuais quanto florestas) em 24 horas.
No entanto, tais iniciativas só funcionarão se for dada às árvores a oportunidade de um desenvolvimento saudável em seu local de plantio. Novas pesquisas conduzidas no Brasil demonstram que isso pode não ser tarefa fácil; mesmo sendo poucas as espécies de árvores de mangue se comparado com outros tipos de florestas.
Em uma das primeiras análises genéticas já conduzida em manguezais, pesquisadores de universidades brasileiras investigaram a relação entre populações diferentes de duas espécies de manguezal na região costeira do país. E descobriram grandes diferenças entre algumas dessas populações, mesmo quando pertencentes à mesma espécie.
Destaca-se, talvez, a descoberta de amostras de manguezais ao Norte do Brasil geneticamente diferentes daquelas ao longo da costa sulista. Isso, afirmam os pesquisadores, ocorre devido a uma corrente vinda da África que atinge a porção central do Brasil, onde se separa em duas correntes: uma direcionada ao Norte da costa, e outra direcionada ao Sul.
Manguezais espalham-se ao despejar suas sementes no oceano que, por sua vez, as carrega para outras costas. Pesquisadores acreditam que a corrente forçou sementes das populações do Norte a lá permanecerem enquanto que as sementes das populações ao Sul permaneceram na margem sulista. Com a pouca, senão nenhuma, troca genética entre elas, gradualmente foram se tornando distintas.
“Descobrimos diferenças genéticas dramáticas entre as mesmas espécies de mangue no Norte e no Sul,” afirmou Anete Pereira de Souza, da Universidade de Estadual de Campinas, coautora do estudo.
Enquanto que algumas dessas populações de árvores não apresentam grandes semelhanças, outras parecem se adaptar aos seus respectivos ambientes de forma ainda mais distinta. Por exemplo, os pesquisadores descobriram que os manguezais no delta do Rio Amazonas, ao norte do Brasil, tendem a se adaptar bem a regiões de clima quente e sol abundante. Ao passo que manguezais ao Sul do país adaptam-se melhor a regiões de baixa temperatura e com céu mais encoberto.
“Isso significa que projetos de replantio de mangue no Norte não devem ser conduzidos com sementes trazidas do Sul e vice versa. As sementes morreriam,” afirma Souza.
O coautor do estudo, Gustavo Maruyama Mori, do Instituto de Biociências da Universidade Estadual de São Paulo afirma que tais diferenças ainda não bastam para a redefinição de espécies, mas afirmam que estes achados “são uma peça importante do quebra-cabeça” da taxonomia dos mangues.
Mori acredita que distinções entre populações de mangue não se restringem ao Brasil, e que manguezais em outras regiões do planeta podem ser mais peculiares do que se havia previsto.
“Há evidências do papel desempenhado pelas correntes na organização das árvores de mangue em partes diferentes do planeta (como Brasil, México, EUA, Camarões e Sudoeste da Ásia), embora, por vezes, espécies diferentes respondam diferentemente,” afirma Mori.
Gustavo afirmou à Mongabay que deve haver um maior empenho para garantir que manguezais mantenham suas diversidades genéticas. Do contrário, afirma ele, é pouco provável que se adaptem às mudanças climáticas.
No entanto, a medida que desaparecem as populações de mangue, também desaparecem seus peculiares conjuntos de genes. Gustavo pede a governos e a grupos conservacionistas que deem prioridade à preservação da diversidade genética ao estabelecer as áreas de proteção ambiental, e atenta para o fato de que as mudanças climáticas elevam a urgência em fazê-lo.
“Já que existem [distinções genéticas entre espécies] em diversas regiões do planeta e populações diversas respondem de maneiras diferentes às pressões do meio ambiente com a progressão das mudanças climáticas, as unidades de conservação, as iniciativas de seleção e recuperação do patrimônio da humanidade pela UNESCO e Ramsar poderiam alcançar melhores resultados se antes considerassem as variações genéticas,” afirma ele.
Os pesquisadores afirmam que os métodos e resultados do estudo auxiliarão outros estudiosos a melhor compreender a genética de manguezais pelo mundo. Já Mori espera compreender melhor como os mangues responderão as mudanças climáticas através do estudo de quais genes permitem que populações de uma mesma espécie habitem um meio ambiente diferente e até que ponto a expressão gênica influenciada pelo ambiente propiciou isso.
Ele ainda acredita que os manguezais do planeta podem ser salvos.
“Tenho consciência dos diversos desafios práticos e científicos envolvidos nessa questão, principalmente em países em desenvolvimento como o Brasil,” afirma Mori, “no entanto, conforme avança a tecnologia e a distância entre os professionais da conservação/recuperação e pesquisadores diminuí, torna-se cada vez mais viável a efetiva conservação e recuperação dos manguezais em longo prazo”.
Imagem: Garça-branca-grande (Ardea alba) em árvore de mangue branco (Laguncularia racemosa) ao sul do Brasil. Foto de Mariana Vargas Cruz & Gustavo Maruyama Mori.
Citações: Francisco, P. M., Mori, G. M., Alves, F. M., Tambarussi, E. V., & de Souza, A. P. (2018). Population genetic structure, introgression, and hybridization in the genus Rhizophora along the Brazilian coast. Ecology and evolution, 8(6), 3491-3504.