Desde que assumiu o poder em 2016, Michel Temer cortou drasticamente os programas sociais do Brasil, afetando sobretudo as famílias rurais pobres. Essas medidas de austeridade também afetam negativamente o mundo natural; com um único programa social ligado à sustentabilidade eliminado e com famílias rurais em dificuldades, elas tornam-se menos propensas a proteger e mais propensas a explorar os recursos naturais para atender às necessidades econômicas mínimas.
Em 2013, o programa do Bolsa Família beneficiou 14 milhões de famílias brasileiras, com seu sucesso reconhecido internacionalmente. Em 2016, o presidente Temer se comprometeu a reduzir em 10% o número de pessoas assistidas pelo Bolsa Família. Até julho de 2017, 1,5 milhão de pessoas a menos recebiam o benefício em comparação a julho de 2014, causando grande privação entre a população rural pobre.
O programa Bolsa Verde, lançado em 2011, tinha como objetivo dar incentivos financeiros para pessoas em situação de pobreza que apresentassem um comportamento ambiental consciente — habitantes ribeirinhos tradicionais, populações indígenas, quilombos (comunidades de descendentes de escravos fugidos) e outras comunidades rurais beneficiadas. A administração de Temer zerou o orçamento do programa.
Outros programas sociais que presenciam cortes de financiamento draconianos são o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma iniciativa federal que compra produtos de agricultores familiares de pequena escala e os oferece a instituições públicas, como escolas e hospitais; e o Programa Nacional de Cisternas, que leva tecnologias avançadas de gerenciamento e armazenamento de águas pluviais para comunidades carentes necessitadas.
CAMPOS LINDOS, Brasil — O sr. Raimundo Miranda, de 61 anos, é um pequeno agricultor e produtor de mel que mora com a mulher e três filhos em uma casa modesta que construiu nos arredores da cidade de Campos Lindos, no estado do Tocantins. Até 2016, sua esposa recebia apoio econômico vital do programa Bolsa Família. Porém, o benefício foi cortado subitamente, sem qualquer justificativa.
Sua esposa ligou para o departamento de assistência local dezenas de vezes explicando a importância do dinheiro para a família e pedindo que o benefício fosse restabelecido. A cada tentativa era negada a assistência sem explicação alguma.
Raimundo, sua esposa e os filhos moravam na zona rural onde plantavam e criavam gado, mas foram forçados a se mudar para a cidade após vários membros da família ficarem gravemente doentes devido ao envenenamento por pesticidas. O pequeno terreno onde Raimundo agora cultiva alimentos não é muito produtivo, e as pessoas da cidade roubam regularmente as plantações que cultiva.
“Tudo isso é tão doloroso para nós”, expressou. Em muitos dias, os pais lutam para levar comida suficiente à mesa para alimentar seus filhos adolescentes, um dos quais já assumiu um emprego mal remunerado como trabalhador, limpando a terra para um fazendeiro de soja. “Não gosto que ele faça esse tipo de trabalho, e sei que eles não o tratam bem, mas precisamos do dinheiro”, explica Raimundo.
A família é apenas uma das muitas milhares de pessoas no Brasil que sofrem privações profundas, já que, nos últimos anos, o governo nacional usou a extrema crise econômica do país como justificativa para a implementação do que os críticos chamam de medidas de austeridade severas.
Ainda mais impactante tem sido o corte de fundos geral para instituições e programas extremamente importantes para a saúde e o bem-estar das comunidades rurais pobres nas regiões da Amazônia e do Cerrado, de acordo com as ONGs, acadêmicos e comentaristas que estabeleceram um vínculo imprescindível entre essas reduções drásticas e a diminuição da qualidade de vida nessas áreas.
“É um programa de austeridade [do governo] devastador — maior do que o que vimos na Europa, exceto na Grécia”, disse David Stuckler, professor de análise de políticas na Universidade de Bocconi, em Milão, na Itália.
Uma análise dos fundos alocados a programas sociais em sucessivas administrações — incluindo as dos presidentes Luiz Inácio Lula de Silva (2003 a 2011), Dilma Rousseff (2011 a 2016) e Michel Temer (2016 até o momento) — mostra uma mudança significativa de investimentos em programas que proporcionavam apoio financeiro e social às comunidades rurais mais pobres.
Essas medidas de austeridade não afetam apenas a vida de pessoas como o sr. Raimundo Miranda. As reduções orçamentárias também podem afetar adversamente o mundo natural, pois à medida que os programas sociais ligados à sustentabilidade são cortados, as comunidades rurais se tornam menos capazes de cuidar das florestas e de outros recursos naturais e mais propensas a explorar esses recursos para atender às necessidades econômicas mínimas.
Reduções do programa Bolsa Família
Mais de 50 milhões de brasileiros estavam vivendo em situação de pobreza a partir de 2016, com uma renda de R$ 387,00 por mês, de acordo com o IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O programa Bolsa Família (PBF), lançado em 2003, visa abolir a pobreza e a fome fornecendo renda diretamente a famílias pobres e extremamente pobres. Ele aborda principalmente o domínio financeiro masculino, com 93% dos beneficiários sendo mulheres.
Em 2013, o Bolsa Família beneficiou cerca de 14 milhões de famílias — o que equivale a um quarto da população do país, e o programa é reconhecido internacionalmente como um dos maiores e mais bem-sucedidos do mundo.
Em 2016, o presidente Temer se comprometeu a reduzir em 10% o número de pessoas que recebem o Bolsa Família. Autoridades do Ministério do Desenvolvimento Social usaram a retórica de “combate à fraude” para defender essa redução de cota, alegando que eles estavam tornando o sistema mais rigoroso para garantir que os beneficiários realmente atendessem aos critérios de “baixa renda”.
“O que o governo federal sempre defendeu foi a necessidade imperativa da aplicação correta dos recursos públicos”, disse um porta-voz do governo. “Quando a atual administração assumiu, implementou o maior pente fino [para eliminar as famílias] do programa em sua história e descobriu que havia 1,1 milhão de benefícios sendo pagos incorretamente”.
Como resultado, em 2016 e 2017 foram feitas grandes reduções no número de famílias que recebiam assistência. Em julho do ano passado, o número caiu para 544.000, a maior redução mensal desde que o Bolsa Família começou há quinze anos; 1,5 milhão de pessoas a menos receberam o benefício em julho de 2017 em relação a julho de 2014.
No entanto, a promessa de Temer de 10% de redução não se concretizou. Apesar de 2016 ter sofrido uma queda drástica de beneficiários, o número subiu novamente em 2017. Resta saber se o governo realizará novos cortes, já que procura famílias fraudulentas reivindicando o benefício.
O fim do Bolsa Verde
Silvia Pinto dos Santos é pescadora e mãe de três filhos que mora no estado da Bahia, onde pratica e ensina métodos de pesca sustentáveis, além de limpar os rios locais retirando plásticos e outros resíduos. De 2012 a 2017, Silvia recebeu R$ 300 a cada três meses do governo por seu importante trabalho de conservação. Em outubro do ano passado, o benefício foi interrompido de repente, e foi comunicada de que não o receberia mais.
Lançado em 2011 pelo governo de Dilma Rousseff como parte de seu programa “Brasil sem miséria”, o principal objetivo do Bolsa Verde era dar incentivos financeiros para pessoas em situação de pobreza que apresentassem comportamentos ambientais conscientes.
Um pacote de crédito era dado a cada três meses para aqueles que preservam recursos naturais em florestas, reservas e assentamentos rurais. Habitantes ribeirinhos tradicionais, populações indígenas, quilombos (comunidades de descendentes de escravos fugidos) e outras comunidades rurais beneficiadas eram incluídas no programa.
“O Bolsa Verde me ajudou muito. Sou uma mãe, morando sozinha com três filhos. Conseguia comprar comida no supermercado e materiais escolares para as crianças”, diz Santos. “Era um alívio saber que ele existia e eu seria capaz de cobrir os custos básicos para os meus filhos, mesmo quando em alguma semana eu não chegava em casa com peixe suficiente”.
Essa iniciativa inovadora aliou os objetivos de conservação, proteção sustentável da biodiversidade e erradicação da pobreza extrema no Brasil. A ajuda chegou às famílias em algumas das regiões mais remotas do Brasil.
Em 2015, no governo de Dilma, o orçamento do programa foi cortado. Em 2016, sob a administração de Temer, as reduções se tornaram mais severas. Então, em 2018, o Bolsa Verde foi totalmente eliminado do projeto de orçamento, pondo fim ao programa e causando uma perda significativa de renda de 50.000 beneficiários.
“Desde que foi cortado, minha vida tem sido muito difícil”, diz Santos. “Estou sozinha aqui com meus três filhos; era uma tábua de salvação para nós”.
Este ano, o Ministério do Meio Ambiente buscou novas fontes de financiamento para o programa, submetendo recentemente uma proposta ao Fundo Amazônia.
As avaliações realizadas e os dados obtidos do Programa Bolsa Verde em 2015, revelaram que 88% dos beneficiários eram mulheres, com níveis geralmente baixos de educação e pouco acesso a água de qualidade, saneamento básico e infraestrutura. Como um grupo, os beneficiários ficaram conhecidos como “Guardiões da floresta” e, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente, protegeram 288.000 quilômetros quadrados, uma área aproximadamente igual em tamanho à Itália. Desse território, 94% estava dentro do bioma amazônico.
Um funcionário do ministério, falando sob condição de anonimato, explicou que o programa foi cortado porque foi visto como uma “iniciativa de assistência social”, característica do governo anterior. “Foi muito mais um movimento político do que técnico ou orçamentário”, ressaltou o funcionário. Também parece provável que a perda dos Guardiões da Floresta pagos possa beneficiar os grileiros que buscam lucrar com o roubo ilegal de terras e com o desmatamento.
Programa de Aquisição de Alimentos sofre cortes profundos
Antônio José Alexandre Viera, de 54 anos, mora em Formosa, um pequeno assentamento no estado do Tocantins. Ele costumava vender mandioca, arroz, feijão, milho, alface, batata e abóbora ao governo como parte do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Essa iniciativa federal compra produtos a preços de mercado regionais de pequenos agricultores familiares e os oferece a instituições públicas, como escolas, restaurantes, hospitais e forças armadas, além de usá-los como suplementos alimentares para pessoas em situação de pobreza.
Viera diz que o sistema costumava trazer uma boa quantia de dinheiro, mesmo depois de uma barragem ter sido construída nas proximidades, inundando os campos onde produziam a maioria de suas colheitas. Mas há três anos, o PAA foi cortado para toda a comunidade. Os moradores foram informados de que seria reintegrado em breve, mas essas promessas não foram cumpridas.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) apresentou o PAA para a comunidade global como um exemplo bem-sucedido de um programa que promove a agricultura familiar e reduz a insegurança alimentar e nutricional, com a ONU compartilhando os detalhes estruturais do PAA com outros países socialmente vulneráveis na América Latina e na África.
No entanto, o programa sofreu cortes orçamentários abruptos, caindo de R$ 80 milhões em 2013 para R$ 4,75 milhões anualmente em 2018.
Seca do Programa Nacional de Cisternas
O Programa Cisternas, introduzido durante o governo Lula, e visto como uma grande inovação, traz tecnologias avançadas de gerenciamento e armazenamento de águas pluviais para as comunidades das regiões mais secas e mais pobres do Brasil. A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), uma rede de mais de três mil entidades da sociedade civil, desempenhou um papel inestimável no desenvolvimento e na implementação da política.
Desde 2003, mais de 1,3 milhão de cisternas foram instaladas, oferecendo água potável e produção agrícola durante a estação seca. O Programa ganhou o Prêmio Prata de Política para o Futuro em 2017, apresentado pelo World Future Council e pela Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD), em reconhecimento ao empoderamento das mulheres rurais e à promoção do desenvolvimento rural sustentável das populações em extrema pobreza.
No entanto, desde 2015, o programa sofreu reduções orçamentárias profundas, caindo de R$ 377 milhões em 2013 para R$ 46 milhões em 2017.
O Ministério do Desenvolvimento Social argumenta que sua decisão de reduzir o investimento no programa é resultado de seu sucesso imprevisto. “O Ministério e seus parceiros conseguiram entregar mais de 1,3 milhão de cisternas, uma meta maior do que a previsão do governo federal em 2014, que era de 1 milhão em 2017”, disse um porta-voz. “Assim, os recursos alocados para o programa foram revisados e novas diretrizes foram estabelecidas”.
No entanto, de acordo com a ASA, os cortes no orçamento resultaram em mais de 350.000 famílias que não recebem as tecnologias de água potável necessárias, enquanto mais de 600.000 famílias não receberão tecnologias de água para a produção agrícola. E, talvez, a redução do programa não poderia vir em um momento pior para a população pobre, quando o país está sendo cada vez mais atingido pela intensificação da seca e os cientistas estão alertando que a mudança climática poderia trazer secas ainda mais intensas.
Impacto socioeconômico dos cortes orçamentários
Marcelo Neri, professor da Fundação Getúlio Vargas e antigo presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), examina as drásticas reduções nos programas sociais em um contexto histórico. Ele observa que entre 1991 e 2015, uma quantia enorme foi investida na melhoria da condição humana por sucessivos governos. Agora, comenta, a maré da vontade política mudou. “A elite [rica] do Brasil se cansou de ver a desigualdade caindo”, disse ele. “Há também uma profunda insatisfação em relação aos gastos do governo por causa de enormes escândalos de corrupção”.
Ainda assim, ele adverte contra a condenação generalizada de todos os cortes orçamentários, observando que a economia brasileira está atualmente em uma situação muito precária; ele afirma que alguns cortes precisam ser feitos. São as escolhas de onde essas reduções serão feitas que o preocupam: “Essas escolhas certamente não são favoráveis aos pobres”, concluiu.
O período em que os programas sociais brasileiros foram proclamados como pontos de referência globais pela ONU para que outros países seguissem o exemplo parece ter acabado, pelo menos por enquanto. Em vez disso, os especialistas estão apontando para cortes severos do programa com a causa relacionada a intensificações na pobreza, desemprego e desigualdade nas comunidades rurais do Brasil.
No ano passado, a pobreza extrema aumentou pelo terceiro ano consecutivo em 11%, engolindo 14,8 milhões de brasileiros, enquanto que a mortalidade infantil aumentou pela primeira vez em 20 anos. Enquanto isso, a concentração de riqueza cresceu no Norte, Nordeste, Sul e Centro-Oeste do país.
O corte da rede de segurança do programa social (deixando as pessoas à beira da pobreza sem opções econômicas), juntamente com a rápida expansão agrícola industrial no Cerrado e na Amazônia (fornecendo poucos empregos agrícolas novos e muitas vezes forçando um êxodo para favelas urbanas), combinaram-se para reduzir a qualidade de vida e fragmentar as identidades culturais rurais.
“Há sinais claros de deterioração social, mas não vejo que o debate no Brasil esteja muito preocupado com isso”, disse Neri.