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STF restringe poder do Executivo de desmembrar áreas protegidas

  • Em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a MP 558, impedindo o Executivo de valer-se dela para reduzir em 100.000 hectares sete unidades de conservação ambiental – cinco das quais se localizam na bacia do rio Tapajós.

  • Além disso, o STF decidiu que, futuramente, será inconstitucional que o Executivo use medidas provisórias para alterar as fronteiras de unidades de conservação já estabelecidas. Tais reduções terão de ser aprovadas pelo Legislativo.

  • No entanto, MPs ainda podem ser usadas para estabelecer outras polítcas, algumas prejudiciais ao ambiente. MPs anteriores aprovaram a construção de novas usinas a carvão e revisaram de forma dramática o programa Terra Legal de maneira a beneficiar elites e grileiros em detrimento de comunidades pobres sem terra, de acordo com críticos.

  • Em mais uma vitória para os conservacionistas, o então ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho criou cinco novas unidades de conservação em abril, perfazendo 1,2 milhões de hectares. Duas delas ficam na Bahia, no bioma cerrado; e três, no Maranhão, no bioma caatinga.

Medidas provisórias foram instituídas originalmente como instrumentos de ação emergencial. No entanto, ao longo dos anos, elas passaram a ser usadas pelo Executivo para desmembrar unidades de conservação na Amazônia e outros locais. A decisão de abril do STF não mais permite essa prática. Foto: Rhett A. Butler / Mongabay

Em decisão comemorada por ambientalistas, o STF por unanimidade julgou inconstitucional o uso, por parte do Executivo, da MP 558 para diminuir a área de sete unidades de conservação em 100.000 hectares. Cinco delas estão localizadas ao longo do rio Tapajós, uma das regiões mais biodiversas da Amazônia.

A decisão tem longo alcance: impede que o governo Temer e todas as futuras administrações usem medidas provisórias para alterar fronteiras de áreas de proteção. Agora, tais mudanças somente poderão ser realizadas por meio de lei aprovada pelo Congresso. Isso confere à sociedade civil a oportunidade de expressar suas opiniões em relação a propostas de redução de unidades de conservação. É importante ressaltar, no entanto, que o governo ainda poderá se valer de medidas provisórias para fazer passar outras políticas potencialmente prejudiciais ao ambiente.

“A decisão do Supremo é importante e necessária, dado o poder do lobby contra as áreas de proteção”, diz o procurador da República Daniel Azeredo. “Essas áreas são vulneráveis por causa da estrutura governamental inadequada e do conflito agrário. Já estão sendo encaminhadas muitas medidas provisórias para reduzir o tamanho de áreas de proteção”.

Áreas sabidamente vulneráveis incluem a Reserva Biológica Nascentes da Serra do Cachimbo, no sul do Pará, e as Florestas Nacionais Itaituba 1 e Itaituba 2, no sudoeste do mesmo estado. Em ambos os casos, ambientalistas temiam que o governo publicasse medidas provisórias para reduzir sua extensão e permitir atividade econômica em áreas que tivessem sua proteção removida ou diminuída. Isso não será mais possível. Azeredo prossegue: “A decisão do STF fortalece a proteção dessas áreas por todo o país”.

As cinco unidades de conservação ao longo do rio Tapajós tiveram sua área reduzida pelo governo Dilma Rousseff, em 2012, com o objetivo de abrir caminho para a controversa hidroelétrica de São Luiz do Tapajós. No final, a usina não foi construída. A oposição feroz de grupos indígenas e ambientalistas fez o governo engavetar o projeto. Entretanto, muitos analistas temem que ele possa ser ressucitado.

Em derrota parcial para os ambientalistas, a decisão do STF não prevê retroatividade. O resultado é que as unidades de conservação reduzidas pela MP 558 para abrir caminho para a hidroelétrica de São Luiz do Tapajós não terão sua área restituída. A relatora da ação, ministra Carmen Lúcia, disse: “Nossa decisão (…) não invalida o que já foi feito por meio da medida provisória”.

Outra decepção para os ambientalistas e os grupos indígenas da bacia do Tapajós é o fato de a MP 558 especificar que, se a usina de São Luiz do Tapajós não fosse construída, a terra seria revertida para as unidades de conservação. Entretanto, segundo especialistas, isso dificilmente irá ocorrer, pois muito da área foi tomada por grileiros e mineradores artesanais, o que resultou em degradação do habitat.

Mapa mostrando as unidades de conservação da bacia do Tapajós e os projetos de usinas hidroelétricas na região. Imagem: Aymatth2, sob licença Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0 International

O problema das medidas provisórias

A medida provisória foi instituída na Constituição de 1988, em substituição a um instrumento semelhante, o decreto-lei, usado pelo governo militar. Na época, as medidas provisórias eram vistas como uma ferramenta para permitir a um presidente tomar ação imediata por meio de ordem executiva. Uma medida provisória tem prazo de vigência de sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta dias. Depois disso, ela perde a validade, a menos que seja aprovada pelo Congresso e transformada em lei. Na prática, porém, é difícil uma MP ser derrubada, pois, após quatro meses, tem a possibilidade de ser considerada fato consumado.

A medida provisória foi criada originalmente para introduzir políticas emergenciais em quase qualquer área de atuação da administração, quando quer que fossem necessárias. Segundo analistas, porém, hoje esse instrumento não é mais usado dessa maneira. “As MPs estão sendo usadas para forçar a passagem de medidas não relacionadas com emergências, como no caso da redução de área de unidades de conservação”, explica Pedro Martins, assessor jurídico da organização de direitos humanos Terra de Direitos.

O uso de medidas provisórias pelo poder executivo para introduzir políticas diversas vem sendo cada vez mais criticado por legisladores e ativistas de vários campos do espectro político, por ser considerado um meio de marginalizar o poder legislativo.

Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, disse: “O instrumento da medida provisória é um instrumento autoritário. Ela vem da ditadura brasileira, dando ao presidente o direito de dar poder de lei a algo que a sociedade representada na Câmara não participou”. Maia comentou que, até outubro do ano passado, a Câmara tinha discutido 25 MPs só em 2017, enquanto outras 19 estavam sendo encaminhadas.

Uma ocupação de trabalhadores sem terra perto da BR-163, no Pará. O programa Terra Legal foi instituído em 2009 com o objetivo de dar a camponeses sem terra a oportunidade de comprar pequenos lotes de terra. O governo Temer usou medidas provisórias para introduzir brechas legais que permitem que ricos proprietários de terra participem do programa. Foto: Thais Borges.

Medidas provisórias anteriores minaram o ambiente

Ambientalistas têm se mostrado insatisfeitos com medidas provisórias anteriores. Um exemplo é a MP 735, anunciada em 2016, por meio da qual Temer introduziu um “programa de modernização” para construir novas usinas termoelétricas a carvão. Opositores argumentaram que a MP foi elaborada para beneficiar empresas de energia, e que incentiva o uso de carvão em uma época em que o mundo converge para as metas do Acordo de Paris e para a redução do uso de combustíveis fósseis. Carlos Rittl, secretário executivo do Observatório do Clima disse que a MP 735 “vai totalmente contra os esforços globais para reduzir as emissões de gases do efeito estufa”. Entretanto, a medida não foi revogada.

Ambientalistas e movimentos sociais também fizeram campanha contra a MP 458, mais tarde apoiada pela MP 759, que introduziu alterações significativas no programa Terra Legal. O governo disse que as MPs garantiriam segurança agrária para famílias camponesas pobres. Mas, na prática, elas criaram múltiplas brechas legais que permitiam que ricos proprietários de terra usassem o programa. Analistas previram que o programa revisado faria que 20 milhões de hectares de floresta amazônica e 40 milhões de hectares de cerrado fossem desmatados legalmente. Os opositores não conseguiram barrar a medida.

Os ativistas tiveram mais sucesso em barrar uma medida provisória, anunciada em abril de 2017, que teria reduzido drasticamente o tamanho de unidades de conservação no Pará, diminuindo a proteção a uma área de mais de 1,2 milhões de hectares. A mais severamente afetada seria a Floresta Nacional de Jamanxim. A MP de Temer que desmembraria as unidades de conservação foi recebida com críticas severas mundialmente, especialmente na Noruega, país que ele estava prestes a visitar. No final, o presidente vetou a medida proposta em sua própria administração. No entanto, um projeto de lei com conteúdo semelhante está lentamente tramitando no Congresso.

A caatinga, onde foram criadas três novas reservas. Foto: Trigueiro Martins, sob licença Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0 International

Novas unidades de conservação

Os ambientalistas tiveram outras boas notícias no início de abril. Em seu último dia antes de se exonerar do cargo de ministro do Meio Ambiente para concorrer ao Senado, Sarney Filho criou cinco novas unidades de conservação que perfazem 1,2 milhões de hectares.

Duas delas ficam na Bahia: um Parque Nacional e uma Área de Proteção Ambiental. Essa medida foi considerada vital por conservacionistas. Parte da Bahia é coberta pelo bioma cerrado, que já chegou a abranger dois milhões de quilômetros quadrados. Mas o agronegócio está rapidamente convertendo sua vegetação natural para agricultura e pastagem; menos da metade dos remanescentes de cerrado está em seu estado natural, e apenas 7,5% do bioma estão sob proteção.

As outras três unidades criadas por Sarney Filho ficam no Maranhão e são reservas extrativistas, áreas habitadas por populações tradicionais com modo de vida sustentável. Essa designação confere às famílias proteção legal maior contra grileiros invasores e mineradores.

As novas reservas extrativistas são particularmente importantes por estarem localizadas em caatinga um bioma exclusivo do Brasil e que suporta seca severa. A caatinga cobre 11% do país, mas já perdeu metade de sua vegetação nativa. As novas reservas providenciarão um refúgio para a onça-pintada (Panthera onca), ameaçada de extinção na caatinga e na mata atlântica.

Há três semanas, o Ministério do Meio Ambiente também criou quatro grandes reservas marinhas. Embora seja um passo importante, alguns biólogos temem que as medidas tenham pouca eficácia na conservação de vastas áreas do oceano se não houver investimento na fiscalização do cumprimento da lei. A criação das reservas marinhas se dá também em um momento em que o país incrementa, de forma paulatina porém dramática, a venda de petróleo de águas profundas para empresas transnacionais de petróleo e gás.

Ainda assim, recentes avanços mostram que, a despeito da inquestionával influência da bancada ruralista sobre o Executivo e o Legistalivo, o progresso ambiental é possível. Para muitos ambientalistas, isso é, por si, razão para ter esperança.

Vista do rio Tapajós. Cinco das unidades reduzidas pela MP 558 ficam ao longo do Tapajós, no coração da Amazônia. Em abril, o STF considerou a MP inconstitucional. Foto: Jose Manuel Morales, sob licença Creative Commons Attribution-Share Alike 4.0 International
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