Legado de Belo Monte: danos causados pela usina na Amazônia não terminaram após sua construção (história fotográfica)
Maximo Anderson e Aaron Vincent Elkaim
A polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte, terceira maior do mundo, inaugurada em 2016, instalou-se em Altamira, no Pará, contra a vontade da população. Acredita-se que, em grande parte, tenha sido construída pelo Partido dos Trabalhadores, então no poder, como uma retribuição ao setor de construção civil do país por doações feitas para a campanha eleitoral.
Uma aliança de comunidades indígenas e tradicionais aliada a ambientalistas internacionais opôs-se sem sucesso à construção da barragem. Hoje, a cobertura da mídia, que fez com que o mundo um dia voltasse os olhos à Belo Monte, já não ocorre mais, mas o sofrimento e os danos causados por esse projeto persistem.
Dezenas de milhares de indígenas e povos tradicionais foram forçados a abandonar suas casas e seu meio de subsistência: a pesca. Enquanto isso, a cidade de Altamira sofreu um período de expansão e quebra, com a chegada de diversos trabalhadores, que, mais tarde, a abandonaram. A mina de ouro da Belo Sun, ainda não construída, também continua sendo uma ameaça em potencial.
Nesta história, o colaborador da Mongabay Maximo Anderson e o fotógrafo Aaron Vincent Elkaim documentam o dano contínuo causado pela gigantesca usina. Belo Monte é hoje um alerta sobre a necessidade urgente de avaliar e planejar adequadamente projetos de megainfraestrutura na Amazônia.
O futuro do programa de construção da megabarragem no Brasil é incerto: parte do governo Temer anuncia seu fim, outra parte afirma que o programa deve continuar. Mais claro é o dano contínuo que está sendo causado ao meio ambiente e às comunidades indígenas e tradicionais pelos gigantescos projetos hidrelétricos já concluídos.
Um exemplo: a hidrelétrica e o reservatório de Belo Monte, localizados no rio Xingu, na Amazônia, são o terceiro maior projeto desse tipo no mundo.
O fotógrafo Aaron Vincent Elkaim e eu passamos três meses na Amazônia brasileira, entre novembro de 2016 e janeiro de 2017, documentando a usina de Belo Monte depois ela começou a operar.
Estávamos em Altamira, uma pequena cidade amazônica que vivenciou um crescimento explosivo quando o governo brasileiro decidiu construir a polêmica megabarragem de seis bilhões de dólares.
A barragem foi construída no tempo recorde de três anos, apesar da indignação generalizada e dos protestos dos habitantes locais, juntamente com a comunidade ambiental, indígena e internacional. Grandes figuras públicas, incluindo o astro do rock Sting, o cineasta James Cameron e o político e ator Arnold Schwarzenegger, promoveram uma campanha midiática de alto nível contra o projeto; no entanto, mesmo esses esforços de lobby não foram suficientes para mudar a decisão do governo de Dilma Rousseff, à frente do Brasil na época.
Em última análise, pelo menos 20 mil pessoas foram desalojadas pela barragem, de acordo com a ONG e defensora ambiental International Rivers, embora a Xingu Vivo, organização sem fins lucrativos local, aponte esse número como 50 mil. Por fim, o projeto conseguiu estancar o outrora poderoso Xingu, um importante afluente do rio Amazonas, vital para milhares de comunidades indígenas e residentes da floresta.
Altamira, que fica logo a jusante da barragem, foi transformada da noite para o dia, tornando-se uma grande cidade ruidosa: a população aumentou de 100 mil para 160 mil habitantes em apenas dois anos. Hotéis, restaurantes e moradias espalharam-se pela cidade, assim como bordéis. De acordo com uma anedota amplamente divulgada, havia tanta demanda por profissionais do sexo em Altamira na época, que as prostitutas pediram a representantes locais da Norte Energia, o consórcio que construiu a barragem, para fazer os pagamentos mensais aos seus empregados em datas diferentes para não sobrecarregar as acompanhantes no dia do pagamento.
Quando Aaron e eu chegamos a Altamira em 2016, a cidade ainda tinha algum charme. As famílias passeavam por uma avenida popular às margens do rio Xingu à noite e restaurantes ficavam abertos até tarde. Mas Aaron, que viveu dois anos na região antes de mim, conheceu uma Altamira diferente. Ele descreveu a cidade que eu estava vendo como “vazia” e observou o desaparecimento de comunidades vibrantes de ribeirinhos, que viveram por gerações pescando na beira do rio, mas foram desalojadas pela barragem. Muitos foram realocados pelo consórcio Norte Energia para casinhas suburbanas nos arredores da cidade, longe do rio e dos meios de subsistência que tinham e sem acesso a transporte público.
Ana de Francisco, antropóloga baseada em Altamira, especialista em comunidades ribeirinhas, estima que até cinco mil dessas famílias foram desalojadas.
Belo Monte pode não ter sido como a Hidrelétrica de Três Gargantas – o projeto chinês que deslocou mais de um milhão de pessoas em 2009 – mas causou grandes estragos, destruindo comunidades e modos de vida tradicionais, ao mesmo tempo em que danificou o ecossistema aquático do Xingu, que tem espécies endêmicas de peixes e tartarugas.
A ironia de Belo Monte é que a indenização paga às comunidades indígenas durante a construção da barragem – até US$ 10 mil por mês por tribo indígena durante dois anos – causou grande parte do dano: a súbita explosão de dinheiro vivo estimulou uma corrida das comunidades rurais para adquirir bens de consumo e serviços modernos. À medida que as pessoas foram desarraigadas, houve um aumento sem precedentes do alcoolismo, prostituição e disputas intertribais; as condições se tornaram tão ruins que levaram um promotor público brasileiro a processar a Norte Energia por causar “etnocídio”– a destruição da cultura indígena.
Em seguida, surgiu a mina de Volta Grande (também conhecida como a mina da Belo Sun), um projeto individual para instalar uma enorme mina de ouro a jusante de Belo Monte, há apenas 10 quilômetros de distância da tribo indígena Juruna, que já tinha sofrido com a construção da barragem.
Se construída, tornaria-se a maior mina de ouro industrial do Brasil, superando o garimpo de Serra Pelada, que ficou famoso nas fotos de Sebastião Salgado na década de 1980, que, como uma cena do Inferno de Dante, mostravam trabalhadores lutando na lama como insetos, no inferno profundo e multinivelado de um gigantesco garimpo a céu aberto.
Havia muitos moradores a favor da mina de ouro de Volta Grande, porque ela trouxe a promessa de trabalho. Mas os ambientalistas, mineradores de pequena escala e comunidades indígenas que viviam nos arredores repugnaram o projeto, por temerem que ele causaria um desastre em suas casas e meios de subsistência. Se as barragens de rejeitos da mina se rompessem como ocorreu com a mina da Samarco no Brasil em 2015, não haveria escapatória para os moradores das proximidades. Eles seriam obrigados a fugir para salvar suas vidas ou se afogariam em uma onda de lama tóxica de grandes proporções.
Mas nem todas as notícias sobre o rio Xingu e o Amazonas são ruins, já que mudanças colossais invadiram o Brasil nos últimos meses. O projeto de Volta Grande foi paralisado por um tribunal federal em dezembro de 2017 por não consultar adequadamente as comunidades indígenas. E, em uma reviravolta imprevista o governo brasileiro descartou uma lista de projetos de megabarragens que havia planejado, os quais teriam desalojado milhares de indígenas, especialmente os da tribo Munduruku.
Durante o tempo que passamos em Altamira, Aaron e eu fomos investigar as consequências de Belo Monte no nível humano, observando as minúcias da vida cotidiana e conversando com as pessoas cara a cara. O que observamos é que quando as pessoas veem suas conexões culturais, as comunidades e o meio ambiente destruídos, nenhuma indenização, por maior que seja, parece ser capaz de preencher o vazio que ficou para trás.
As pessoas resistem e se adaptam a tais mudanças dolorosas de todas as maneiras, como os Juruna, que continuaram a resistir à mina de ouro da Belo Sun com habilidade política e firme determinação.
Mas para outras comunidades, famílias ou indivíduos, a perda da conexão cultural com o ambiente físico (a casa, a floresta, o rio) é muito difícil de suportar. Não é de surpreender que os indígenas do Brasil tenham uma das taxas de suicídio mais altas na América do Sul, três vezes a média nacional de outros brasileiros, de acordo com o Ministério da Saúde. Eles também são o povo mais ameaçado atualmente pela perda de terras e pela violência dos conflitos de terra.
O desmatamento aumentou em 2016, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, representando um aumento de 75% após uma queda histórica em 2012; e, com o lobby da bancada ruralista que controla o Congresso, em defesa dos interesses do agronegócio, a maioria dos especialistas espera que o desmatamento cresça este ano e, provavelmente, nos próximos, aumentando as emissões de gases de efeito estufa e ameaçando o compromisso do Brasil com o Acordo de Paris.
Hoje, a usina hidrelétrica de Belo Monte serve como uma prova alarmante dos danos causados por megaprojetos mal planejados na Amazônia. Devido às crescentes mudanças climáticas e à seca que estão reduzindo o fluxo do rio Xingu, é quase certo que a barragem nunca cumprirá as metas econômicas ou de produção de energia prometidas. E hoje, aqueles cujas vidas foram destruídas pelo represamento corporativo do “rio dos deuses” lutam para encontrar um caminho a seguir.