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Ganhando apoio do produtor agrícola para reduzir o desmatamento (comentário)

  • Para serem bem-sucedidas, é fundamental que as estratégias para abordar o desmatamento contem com o apoio do produtor rural. No Brasil produtores são economicamente poderosos, cada vez mais sofisticados como um bloco político, e possuem ou controlam metade da vegetação nativa do país.

  • Eles se cansaram de ser difamados como criminosos, de promessas não cumpridas de incentivos positivos pela a adoção de sistemas de produção sustentáveis, bem como dos desafios crônicos de regulamentações ineficientes e em constante mudança.

  • Para ganhar o apoio dos produtores responsáveis e preocupados com a conservação para a agenda de desmatamento, há que se buscar uma nova narrativa e um conjunto de ações que os reconheçam, os aplaudam e recompensem seus esforços, e que os incluam efetivamente nos diálogos sobre o tema.

  • Faz-se necessária uma agenda compartilhada entre grupos ambientalistas e setores agrícolas no Brasil para ajudar a reestabelecer a colaboração; existe um forte potencial para construir essa colaboração em torno de questões centrais enfrentadas pelo setor agrícola – infraestrutura de transporte e procedimentos de licenciamento ineficientes e em constante mudança.

Estratégias para desacelerar o desmatamento na região amazônica do Brasil parecem estar enfraquecendo. A área de floresta desmatada em 2017, 6.947 quilômetros quadrados, foi 50% maior que em 2012, 4.571 quilômetros quadrados. Uma reorientação do curso da estratégia atual é urgentemente necessária para a desaceleração do desmatamento. Em um Comentário prévio no Mongabay, apresentamos quatro sugestões para obter o apoio crítico dos governos regionais na solução do desmatamento tropical. Neste novo comentário, mudamos o foco para o setor agrícola brasileiro.

Produtores Agrícolas, Empreendedores Brasileiros

 

Os produtores “empreendedores” do Brasil têm estado no centro da notável ascendência do país como uma nova potência agrícola global. Muitos desses produtores são membros ou descendentes de famílias de produtores que, há poucas décadas, administravam pequenas fazendas de cem hectares ou menos no sul agrícola do Brasil – nos estados do Rio Grande do Sul e do Paraná. Eles migraram para as regiões do Cerrado e da Amazônia atraídos pela promessa de terras baratas, financiamento barato e esquemas de colonização que prometiam assistência técnica, estradas, infraestrutura e serviços básicos. Alguns desses pioneiros produtores falharam; outros apenas mal foram capazes de se manter; e outros se tornaram bem sucedidos.

Os produtores empreendedores do Brasil são semelhantes aos produtores agrícolas pioneiros que colonizaram as pradarias dos Estados Unidos nos meados de 1800 até o início de 1900. Em ambos os casos, essas regiões originalmente consideradas com pouco potencial para a agricultura – as pradarias dos EUA e o Cerrado do Brasil – tornaram-se celeiros agrícolas de importância mundial. Em ambos os casos, as fronteiras foram abertas em grande parte por pioneiros resistentes e com poucos recursos, muitos dos quais eram imigrantes ou descendentes de imigrantes da Europa

Este comentário é sobre esses produtores empreendedores. Não é sobre os pequenos produtores que vivem em assentamentos de reforma agrária da Amazônia ou os grileiros que desmatam e plantam gramíneas forrageiras principalmente como forma de reivindicar terras na região amazônica.

NASA satellite image showing deforestation in the Brazilian Amazon.

Eles são poderosos

 

Para resolver o desmatamento tropical, é preferível construir alianças com produtores brasileiros do que trabalhar em desacordo com eles. Eles são extremamente poderosos por causa de sua vasta e crescente importância econômica, cultural, alimentar e política. Eles também são poderosos porque controlam metade da vegetação nativa do Brasil em suas fazendas e têm o direito legal de retirar 21 milhões de hectares dessa vegetação. Essa conversão para terras agrícolas ou pastagens elevaria os valores das propriedades em vários bilhões de dólares.

A soja, algodão, milho, sorgo, carne bovina, aves, suínos, peixes e inúmeros outros produtos agrícolas produzidos, bem como as indústrias secundárias e terciárias que nascem dessa produção representam um quarto do Produto Interno Bruto do Brasil e são responsáveis por uma parcela significativa da produção brasileira e da recuperação econômica esperada há muito tempo. O crescimento fenomenal da produção de soja no Brasil, dobrando em uma década, para 117 milhões de toneladas na safra 2017/18, permitiu que as economias emergentes, lideradas pela China, consumissem mais carne e produtos lácteos. O consumo per capita de carne na China ainda é apenas uma pequena fração dos níveis de consumo no Brasil e nos EUA. Como a soja é a proteína mais produtiva e de maior qualidade mundial, ela é o ingrediente de escolha na ração animal, o que significa que o leite, queijo, iogurte, frango, carne de porco, peixes de criação e a produção de carne dependem de uma grande e crescente oferta de soja.

A crescente importância econômica e alimentar do produtor agrícola empreendedor brasileiro se reflete agora em um maior poder político. Um dos blocos políticos que representa os produtores – chamado de Frente Parlamentar da Agropecuária (FAP, muitas vezes referida como a bancada “ruralista”) – é agora o maior do congresso brasileiro. O diverso amálgama político de interesses representado pela bancada ruralista inclui os produtores empreendedores, assim como aqueles que possuem ou reivindicam terras, mas não são produtores.

Uma força de defesa mais focada e disciplinada é exemplificada pela Aprosoja, a principal organização que representa os produtores de soja e milho, e é uma forte defensora dos interesses do agronegócio. Nascida em Mato Grosso através de uma taxa sobre a produção de soja, a Aprosoja Mato Grosso desfruta de uma fonte sólida de receita que cresce à medida que a produção aumenta. A Aprosoja agora foi replicada em oito estados produtores de soja (embora sem o mecanismo financeiro) operando sob uma organização nacional. A Aprosoja alcança resultados concretos. Recentemente, a Aprosoja firmou um acordo com a Autoridade do Canal do Panamá para facilitar o embarque de soja para os mercados asiáticos.

O nível de organização e poder do setor agrícola brasileiro foi testado e ampliado por meio do debate do Código Florestal de 2010 e 2011 – uma batalha que exacerbou a polarização entre os setores ambiental e agrícola. O fracasso da comunidade ambiental em avaliar os reais desafios do cumprimento do Código Florestal – muitos dos quais não foram culpa dos produtores – contribuiu para essa polarização e ajudou a galvanizar o poder dos ruralistas [1].

Uma das narrativas unificadoras do setor agrícola que se fortaleceu através do debate sobre o Código Florestal foi de que as preocupações internacionais sobre o desmatamento no Brasil são uma trama velada para proteger os setores agrícolas americanos e europeus da competição apresentada pelas exportações brasileiras. Essa narrativa foi reforçada por relatórios como “Farms Here, Forests There”- Fazendas Aqui, Florestas Lá (onde “lá” refere-se ao Brasil) – um relatório ambiental de ONGs norte-americanas projetado para angariar apoio do setor agrícola dos EUA para compensações internacionais para REDD+ na lei de cap-and-trade que havia passado a Câmara dos Deputados dos EUA.

Deforestation for cattle ranching in the Brazilian Amazon. Photo by Rhett A. Butler for Mongabay.

Eles estão frustrados

 

Há sinais de uma reação crescente contra as estratégias para acabar com o desmatamento no Brasil, as quais são vistas nas propostas “ruralistas” de reduzir as áreas de conservação na Amazônia, enfraquecer os processos de licenciamento ambiental e na eleição de líderes que não endossam a agenda de “sustentabilidade” em organizações do setor agrícola. Este é um barril de pólvora que merece atenção especial. Se os ruralistas se tornarem mais radicalizados, poderiam decidir rever o núcleo do Código Florestal – os limites obrigatórios de cobertura florestal ou conversão de florestas em lavouras e gado em fazendas privadas. Esses limites sobreviveram quase completamente intactos no Novo Código Florestal de 2012, mas podem se tornar vulneráveis.

Os produtores brasileiros são obrigados por lei a manter mais florestas protegidas em suas propriedades do que qualquer setor agrícola no mundo. E essa exigência ainda não está conectada a incentivos positivos, embora as revisões do Código Florestal de 2012 forneçam uma estrutura legal para a criação desses incentivos (Artigo 41). Nos EUA e na Europa, a conservação na propriedade é paga pelo governo. É difícil imaginar fazendeiros na França, no Reino Unido ou em Iowa-EUA tolerando reservas descompensadas em suas fazendas para o bem público.

The Amazon rainforest. Photo by Rhett A. Butler for Mongabay.

Ganhando apoio do produtor para a agenda do desmatamento: três etapas

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Destacamos três maneiras – entre muitas – para obter apoio do produtor para a agenda do desmatamento. Os setores agrícolas contêm uma ampla gama de produtores e atores que possuem uma grande diversidade de perspectivas. A verdadeira oportunidade de curto prazo no Brasil é conquistar o apoio dos produtores responsáveis, com mentalidade de conservação, muitos dos quais podem ter virado as costas para a agenda do desmatamento nos últimos anos.

Reconhecer e recompensar os produtores responsáveis pela conservação.

Na última campanha presidencial dos EUA, em 2016, a candidata Hillary Clinton se referiu aos defensores de seu rival Donald Trump como “deploráveis”. Este comentário – expresso durante um discurso de campanha – foi usado pela campanha de Trump para convencer os eleitores de que a Clinton era elitista e fora de contato com os americanos da classe trabalhadora. Isso pode ter influenciado os eleitores que ainda estavam indecisos em quem votar, de que Hillary estava se referindo a eles, favorecendo o Trump. É difícil ver que benefício a Clinton ganhou ao caracterizar um grupo de eleitores dessa maneira.

A narrativa que se desenvolveu em torno dos produtores brasileiros tem alguns paralelos com o comentário de Clinton. Os produtores são frequentemente chamados de devastadores e criminosos que limpam a terra com trabalho forçado. O termo “ruralistas” carrega as mesmas conotações pejorativas. E só para esclarecer – há muitos produtores que são todas essas coisas.

O ponto importante, no entanto, é que há muitos produtores que lutaram para cumprir a lei – mesmo contra obstáculos formidáveis. E certamente há muitos produtores que cultivam ou criam gado porque amam a natureza. Para resolver o desmatamento tropical, precisamos de mecanismos efetivos para obter o apoio desses produtores responsáveis e preocupados com a conservação. Tal como o comentário de Clinton, não há nada a ganhar e muito a se perder por demonizar ou difamar os produtores agrícolas como se todos fossem membros de um único grupo de pessoas homogêneo, “deplorável”.

É necessária uma narrativa e ação real no chão que sinalize aos produtores responsáveis e preocupados com a conservação de que eles são reconhecidos e eventualmente verão os benefícios de seu compromisso e progresso em suas fazendas.

Para ilustrar como essa narrativa e um conjunto de ações podem parecer na realidade, chamamos atenção para a Aliança da Terra – a “Aliança da Terra” – é uma “ONG de produtores” fundada em 2004 para apoiar os produtores brasileiros dedicados a sistemas de produção agrícola sustentáveis. Mais de mil fazendas, totalizando 4 milhões de hectares, uniram-se à Aliança da Terra, assumindo compromissos voluntários para melhorar a sustentabilidade de suas fazendas, investindo milhões de dólares para cumprir esses compromissos. A Aliança da Terra estabeleceu um prêmio anual para os três melhores produtores do Brasil e continua lutando para encontrar incentivos para recompensar os produtores que estão fazendo progressos reais na transição para a produção sustentável.

Deforestation for cattle ranching in the Brazilian Amazon. Photo by Rhett A. Butler for Mongabay.

Um assento na mesa

Muitos produtores com quem conversamos também estão exasperados por não terem um assento na mesa em diálogos que têm consequências importantes para eles como proprietários e produtores privados. E quando têm um lugar à mesa, ficam frustrados porque suas preocupações centrais não são levadas a sério. A Aprosoja deixou a Mesa Redonda para a Soja Responsável (RTRS) em 2009, quando o padrão de sustentabilidade da RTRS foi concluído, mas um mecanismo para cobrir os custos da certificação ainda não estava em vigor.

O sucesso das estratégias para resolver o desmatamento na região do Cerrado dependerá da inclusão efetiva dos produtores. A Aprosoja, por exemplo, não apoiou a Moratória Brasileira da Soja, mas eles também não lutaram contra porque os riscos eram muito baixos – poucos produtores de soja na Amazônia têm florestas que podem ser legalmente convertidas em terras agrícolas. Já no Cerrado, os riscos são muito maiores – pois os produtores têm grandes áreas de vegetação de Cerrado que poderiam ser convertidas legalmente.

Quando os produtores leem no jornal que a empresa que compra sua soja não fará mais negócios com eles porque eles derrubaram florestas recentemente, mesmo que essa limpeza tenha sido realizada em total conformidade com a lei, eles se sentem privados de seus direitos. Assim, a narrativa ruralista de que a agenda do desmatamento zero é protecionismo começa a ressoar com esses produtores.

Os setores agrícolas participaram da Estratégia “Produzir, Conservar, Incluir” (PCI) de Mato Grosso, lançada em 2015, dando à estratégia um nível de credibilidade e viabilidade muito maior do que os processos que os excluem. A Estratégia PCI do Mato Grosso – se funcionar – significa que um estado de 900 mil quilômetros quadrados que produz 9% da soja mundial atingirá o desmatamento líquido zero mantendo 60% da floresta nativa ainda existente, evitando a emissão de 4 bilhões de toneladas de CO2 pela perda de florestas.

Buscando áreas de interesse comum para colaboração: desburocratização e infraestrutura

Recompensas para produtores responsáveis que estão fazendo a transição para a sustentabilidade podem assumir uma grande variedade de formas, mas hoje essas recompensas são extremamente escassas. Há uma falta de “cenouras” ou incentivos positivos. Os prêmios de preços e outros incentivos positivos para produtos agrícolas certificados e produzidos de forma sustentável são apenas um dos muitos tipos de cenouras. Quando conversamos com produtores brasileiros, duas questões inevitavelmente emergem: infraestrutura e burocracia. Essas questões representam oportunidades para fornecer incentivos aos produtores que estão no caminho da sustentabilidade sem invocar grandes fluxos de capital.

O Brasil está entre os piores lugares do mundo para se fazer negócios. De acordo com o índice “Doing Business” do Banco Mundial, o Brasil ficou em 125º lugar, atrás da Suazilândia, Malawi e Zâmbia.

O “licenciamento” ambiental e social das fazendas é uma expressão da burocracia brasileira excessiva que oferece uma oportunidade de gerar benefícios para os produtores responsáveis. Os objetivos do licenciamento são extremamente importantes – boa gestão ambiental, segurança e saúde do trabalhador. Contudo, os mecanismos estabelecidos para alcançar esses objetivos são desnecessariamente complexos e burocráticos. Igualmente problemática é a falta de consistência desses regulamentos – eles mudam com frequência.

Existe um desejo legítimo entre os produtores de tornar o sistema de licenciamento mais eficiente, simplificado e consistente. Um sistema de licenciamento integrado e orientado a resultados poderia ser desenvolvido para fazendas que satisfaçam um conjunto simplificado de critérios de sustentabilidade e boas práticas trabalhistas. A eficiência pode aumentar à medida em que as fazendas demonstrem progresso.

Os produtores também enfrentam custosas deficiências logísticas das estradas e portos, e essas são amplificadas devido às grandes distâncias que os produtos agrícolas precisam ser transportados para chegar aos mercados. Uma agenda compartilhada de infraestrutura ambientalmente amigável que reduza os custos de transporte de produtores responsáveis, reforçando as salvaguardas socioambientais e o progresso na redução do desmatamento, poderia também virar a balança para favorecer os produtores responsáveis e interessados na conservação, mas que deram as costas para a agenda do meio ambiente. Em um cenário, por exemplo, a economia nos gastos de escoamento através de novos corredores de transporte poderia ser repassada aos produtores em municípios de alto desempenho que estão reduzindo o desmatamento e abordando outras dimensões da sustentabilidade.

Rainbow over the Amazon rainforest. Photo by Rhett A. Butler for Mongabay.

Conclusão:

 

Os produtores empreendedores do Brasil são poderosos o suficiente para parar e reverter o importante progresso nacional de desaceleração do desmatamento. No entanto, a narrativa atual em torno do desmatamento tropical continua a demonizar os produtores como se eles fossem um bloco homogêneo de “deploráveis”, minando assim a oportunidade de ganhar seu apoio. Uma abordagem mais sutil seria focar na construção de uma agenda comum que aborde os principais problemas enfrentados pelo setor agrícola brasileiro – incluindo a burocracia excessiva e a infraestrutura de transporte inadequada – conquistando assim o apoio de produtores responsáveis e preocupados com a conservação.

[1] See, for example, Stickler et al. 2013. Phil. Trans. Royal Society; one example of the challenges faced in complying with the Forest Code is the changes in the “legal reserve” requirement. For example, in the transition forest region of the Amazon in Mato Grosso, the Legal Reserve requirement went from 50 percent to 80 percent in 1996, back to 50 percent in 2000, then back to 80 percent in 2005.

Daniel Nepstad é Diretor Executivo e Cientista Sênior da Earth Innovation Institute. João Shimada é Pesquisador da Earth Innovation Institute.

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