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Legisladores brasileiros financiados por doadores culpados de crimes ambientais: relatório

  • A Câmara dos Deputados do Brasil tem 513 Membros. Desses, 249 receberam um total de R$58,9 milhões em doações oficiais durante a eleição de 2014, vindos de empresas e pessoas que cometeram crimes ambientais, incluindo a queimada ilegal de florestas, segundo um relatório recente da Repórter Brasil.

  • Receber essas doações não é um crime, mas fornece discernimento sobre como os infratores ambientais estão conectados, e potencialmente influenciando, aos legisladores e suas decisões. Dos 249 deputados que receberam doações sujas, 134 são membros da Bancada Ruralista, a bancada pró-agronegócio que domina a câmara.

  • Desde a eleição de 2014, as leis eleitorais do Brasil se tornaram mais estritas. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal aprovou um decreto que tornou ilegal que as empresas doassem aos candidatos e partidos políticos. Estas novas regras estarão em vigor na eleição presidencial de 2018 em outubro.

  • Os analistas ainda se preocupam que o dinheiro daqueles que cometeram crimes ambientais vai direito para os políticos – possivelmente ilegalmente ou utilizando brechas recentemente descobertas na lei de financiamento de campanha – arriscando a possibilidade de tráfico de influência.

Plenário da Câmara dos Deputados durante uma sessão conjunta do Congresso Nacional. Foto de Waldemir Barreto/Agência Senado

Cerca de metade dos políticos de alto escalão que serviam na baixa câmara do congresso brasileiro receberam doações de campanha nas últimas eleições gerais de empresas e indivíduos que cometeram crimes ambientais, segundo descoberto por uma investigação da Repórter Brasil.

Dos 513 membros eleitos da Câmara dos Deputados, 249 receberam um total de R$58,9 milhões em doações oficiais durante a eleição de 2014, vindos de empresas e pessoas que desmataram e/ou queimaram florestas ilegalmente, ou cometeram outros crimes ambientais. Estas doações foram diretas e indiretas (ou seja, canalizadas através de comissões), e vieram de 92 empresas e 40 indivíduos registrados em uma lista de criminosos ambientais compilada pelo IBAMA, a agência ambiental da nação.

Apesar de receber doações não ser um crime, nem algo proibido pelo Tribunal Eleitoral do Brasil, isso fornece discernimento sobre como os infratores ambientais estão conectados, e potencialmente influenciam, aos legisladores e suas decisões. Alguns analistas argumentam que a legislação anti-ambiental lançada pelo Congresso Nacional, que inclui a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, desde 2014, especialmente sob a administração Temer, pode estar intimamente conectada a estas contribuições recentes da campanha.

Dos 249 deputados que receberam doações sujas, 134 são membros da Bancada Ruralista, a bancada pró-agronegócio que domina a câmara.

“Há partidos, congressistas e governantes que utilizam os seus escritórios e projetos de leis em favor daqueles que os financiam, ou em troca de favores e interesses, embora isso muitas vezes signifique prejudicar o seu próprio país”, disse Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas na Greenpeace Brasil.

Os dados da Repórter Brasil foram compilados a partir de declarações de doação feitas por candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral em comparação com a lista de infratores ambientais do IBAMA a partir de novembro de 2017. Alguns destes alinhamentos entre a aceitação de doações de transgressores ambientais e as decisões tomadas pelos políticos, são particularmente notáveis.

Deputado federal Adilton Sachetti (esquerda), com o então presidente do Senado, o Senador Renan Calheiros (direita). Foto de Jonas Pereira/Agência Senado.

O caso de Adilton Sachetti

Vejamos, por exemplo, o caso de Adilton Sachetti, um deputado do estado de Mato Grosso e um membro ativo da Bancada Ruralista. Sachetti recebeu R$1 milhão de cinco entidades que haviam cometido crimes ambientais – um quarto de todas as doações que ele acumulou até sua eleição em 2014.

Em 2015, seis meses depois de tomar posse, Sachetti autorizou três projetos de lei que teriam beneficiado diretamente os interesses econômicos desses cinco financiadores. Todos os três relacionados com a construção e utilização de vias navegáveis industriais; os dois primeiros foram para permitir que as empresas utilizassem as vias navegáveis dos rios Paraguia, Tapajós, Teles Pires e Juruena mais livremente.

O terceiro projeto de lei teria permitido a construção de vias navegáveis industriais para o transporte de soja e outros commodities em rios que atravessam os estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará e Goiás. Se aprovado, os canais abririam o caminho para o velejo de grandes embarcações de carga saindo de dois municípios do Mato Grosso, onde os negócios dos doadores encarregados de crimes ambientais estão localizados, para o nordeste até a foz do rio Tapajós, em seguida descendo o Amazonas até o Atlântico, com o commodities sendo então exportados globalmente. Estes propostos canais têm sido promovidos por economias de tempo e econômica e pelo seu potencial alto lucro para o agronegócio. Os três projetos de lei ainda não foram votados no Congresso.

Deputado federal Adilton Sachetti (direita); e o então Senador, agora Ministro da Agricultura, Blairo Maggi (esquerda), com o Senador Renan Calheiros (centro). Foto de Jonas Pereira/Agência Senado

A conexão Maggi

Talvez o mais conhecido dos que doaram a Sachetti é Eraí Maggi, um produtor do agronegócio que herdou a coroa de “rei da soja” de seu primo, o bem conhecido e altamente controverso Ministro da Agricultura, Blairo Maggi. Eraí, que doou R$5.000 para ajudar a colocar Sachetti no poder, é um membro do Grupo Bom Futuro, um agronegócio de apenas 200 quilômetros de onde os navios de carga deixariam o Mato Grosso rio abaixo em direção à costa.

O IBAMA deu uma multa de R$45.000 e apreendeu sua propriedade quando a agência ambiental descobriu que ele tinha desmatado 1.463 hectares de terra em 2016.

Sachetti, em uma declaração respondendo às descobertas da Repórter Brasil, disse: “Com a nossa legislação, quem trabalha na fronteira agrícola não será capaz de evitar ter problemas com o IBAMA. No Mato Grosso, que é um estado na fronteira agrícola, há muitos produtores rurais, e é difícil encontrar alguém que não tenha sido multado. Sim, recebi doações [de pessoas e empresas multadas pelo IBAMA] e não tenho nada a esconder.” Ele afirma que as doações não tiveram nenhuma influência em suas decisões políticas ou votos.

Sobre os doadores sujos, ele disse: “Eles são meus amigos, somos todos líderes no setor. Chegamos em Mato Grosso juntos e eu tenho uma história com essas pessoas. Eraí Maggi é da mesma cidade onde eu cresci, no interior do Paraná.”

Erai Maggi não respondeu ao pedido de Mongabay para comentar.

Deputado Marco Antônio Cabral, 2015. Cortesia de wikimedia

Mais coincidências

Os especialistas concordam que é difícil provar que as contribuições particulares da campanha resultam em posições ou em votos políticos específicos. “O problema é que não tem como saber se os doadores estão doando dinheiro para fazer um político se comportar de uma certa maneira, ou agradecendo-lhe por como eles teriam se comportado independentemente disso”, disse Taylor Boas, um professor de ciências políticas da Universidade de Boston, que pesquisou o relacionamento entre doações de campanha e política no Brasil. “Mas a ausência de provas não é evidência de ausência”, ele disse.

Entre os que receberam doações de infratores ambientais está o deputado Marco Antônio Cabral, do Rio de Janeiro, que recebeu um total de R$150.000 em doações indiretas de empresas de construção e energia da lista do IBAMA. Ele tem votado sistematicamente contra o aumento do tamanho dos parques nacionais, e contra a concessão de direitos aos trabalhadores tradicionais.

“Todas as doações foram feitas de forma transparente, cumprindo as regras da legislação eleitoral”, disse Cabral.

Deputado Nilson Leitão. Foto de Ana Volpe/Agência Senado

Nilson Leitão, um dos mais fervorosos deputados do Congresso, e um membro fiel da Bancada Ruralista, recebeu um total de R$70.000 de empresas de construção, energia e agronegócios que aparecem na lista de infratores ambientais do IBAMA. Nos anos seguintes à sua eleição, ele autorizou um número de projetos de lei que provavelmente teria beneficiado os negócios em que muitos dos seus financiadores trabalham. Em 2014, ele tentou suspender um projeto de lei que proibiria a coleta e comercialização de espécies de plantas ameaçadas de extinção. Ele também pediu pela anulação da demarcação de dois territórios indígenas nos estados do Mato Grosso e Pará, onde as principais empresas de cana-de-açúcar estão baseadas (embora este esforço tenha sido fracassado). E em 2016 ele criou um projeto de lei que permitiria aos trabalhadores rurais serem pagos pelo seu trabalho através de comida e abrigo. Nenhum desses projetos foi votado ainda.

O deputado do Ceará Antônio Balhmann recebeu uma doação direta de $2.000 do produtor de melão Agricola famosa Ltda, que foi multado pelo IBAMA em 2011 por produzir suas frutas sem as licenças necessárias. No ano seguinte, Balhmann autorizou um projeto de lei, ainda a ser votado, que permitiria a utilização de pesticidas na agricultura não-tradicional.

Luis Carlos Heinze, deputado federal do Rio Grande do Sul. Foto de Antônio Araújo

Luiz Carlos Heinze, um deputado do Rio Grande do Sul, recebeu cerca de $60.000 em doações de campanha em 2014 de um vasto leque de empresas brasileiras que aparecem na lista do IBAMA, incluindo produtores de cana-de-açúcar e outras lavouras, e de empresas de produtos de limpeza localizados em seu estado. No mesmo ano, ele pediu a suspensão de reconhecimento legal de uma Quilombola, uma comunidade de descendentes de escravos fugitivos, do estado. A tentativa não foi bem-sucedida. Em 2015, ele autorizou um projeto de lei, ainda na fila legislativa para consideração, para remover a letra “T” da embalagem de produtos contendo transgênicos, uma ação que parecia destinada a agradar os agricultores convencionais.

Os deputados Leitão, Balhmann e Heinze não responderam ao pedido do Mongabay de comentar sobre a influência das doações de campanha sobre os projetos de lei que eles autorizaram e votaram.

A grande proporção de infratores que doam aos políticos ruralistas é notável no contexto das recentes ações legislativas que reverteram os regulamentos ambientais e ampliaram os limites dentro dos quais as empresas podem operar legalmente. Entre estas decisões está uma medida provisória que legaliza e facilita com que as empresas invadam, adquiram e desflorestem terras públicas. Astrini, do Greenpeace, observou que “o que esta lei fez foi abrir as portas para o apoderamento de terras públicas por criminosos e máfias, tornando assim legal o que antes era um crime.” Heinze votou a favor da medida provisória, que já foi transformada em lei; três de seus doadores foram multados pelo IBAMA por desmatamento.

“Como regra geral, pode-se dizer que qualquer proposta legal no Brasil que prejudique o meio ambiente, tem por trás dela os interesses paroquiais concretos de empresas ou organizações que desejam que a legislação ambiental seja enfraquecida ou terminada”, disse Carlos Rittl, secretário executivo da ONG Observatório do Clima.

Brasília: Presidente Michel temer recebe a Bancada Ruralista, a Frente Parlamentar da Agricultura (FPA). Foto de Antonio Cruz/Agência Brasil

Leis mais estritas de financiamento de campanha

Desde a eleição geral de 2014, as leis eleitorais do Brasil se tornaram mais estritas. Em 2015, o Supremo Tribunal Federal aprovou um decreto que tornou ilegal que as empresas doassem para candidatos e partidos políticos.

“Como o financiamento corporativo das eleições ainda era legal na última eleição parlamentar, muitos deputados não se preocuparam em esconder seus laços com os interesses de seus financiadores”, disse Wagner Pralon Mancuso, um acadêmico da Universidade de São Paulo. “Pelo contrário, há deputados que explicitamente declaram essas conexões, como uma espécie de prestação de contas para aqueles que os apoiaram, na expectativa de que o apoio [do financiador] se repita na próxima campanha.”

Houve cinco argumentos para a proibição de financiamento corporativo das eleições em 2015: combater a influência do poder econômico nas eleições; promover a igualdade política; catalisar a concorrência política; defender o interesse público; e reduzir a influência de doações sobre o comportamento dos representantes eleitos. As novas regras eleitorais estarão em vigor para a eleição presidencial deste ano.

Embora aclamado por alguns analistas como um avanço democrático significativo, outros temem que os ricos e bem conectados ainda terão influência significativa sobre as próximas eleições gerais do Brasil em outubro. O Presidente Michel temer ajudou a manter a ligação entre financiadores e políticos, lutando para garantir que os empresários independentes ainda sejam capazes de doar até 10% de sua renda anual bruta para os candidatos. De fato, nas eleições municipais desde 2015, o Brasil testemunhou a grande influência de milionários.

“O que ainda está para ser visto, agora que as doações corporativas foram tornadas ilegais, é se esse vínculo orgânico entre parlamentares e setores de negócios vai diminuir, ou se ele vai encontrar novas maneiras de se manifestar”, disse Mancuso.

Uma potencial preocupação, adverte Boas, é que as corporações vão simplesmente passar de fazer doações legais para fazer ilegais, passando o dinheiro debaixo da mesa. “Eles sempre fizeram isso no passado e não há razão para pensar que não farão no futuro”, disse ele. Nos últimos anos, o escândalo de corrupção Lava Jato abalou a nação enquanto investigadores revelaram corrupção política de massa na política brasileira.

Uma reunião do Congresso brasileiro. Foto de Jonas Pereira/Agência Senado.

Comparações internacionais

A conexão entre contribuições de campanha e políticos não é algo particularmente brasileiro. Uma comparação entre o quadro de regulamentação das campanhas do Brasil e as de outras nações é esclarecedora e mostra que os regulamentos eleitorais são mais fortes e fracos em outros lugares.

O Brasil, por exemplo, com a suas restrições de 2015, agora tem Muito Mais rigorosas regulamentos muito mais rigorosos que o Reino Unido, de acordo com o Instituto Internacional da Democracia e Assistência Eleitoral. Atualmente, o Brasil proíbe doações de empresas a candidatos e partidos políticos; e Grã-Bretanha permite ambos. Da mesma forma, o Brasil proíbe contribuições de sindicatos a partidos políticos, assim como os Estados Unidos; tais contribuições são permitidas no Reino Unido.

No entanto, não há regras no Brasil ou no Reino Unido contra receber doações de indivíduos que se comportam ilegalmente infringindo leis ambientais. Como o representante da Comissão Eleitoral no Reino Unido disse: “Se são pessoas registradas, o seu dinheiro é válido.”

Claramente, as leis frouxas de financiamento de podem abrir as portas à influência política de malfeitores. Da mesma forma, nos EUA, um manto de sigilo envolve comitês de ação política (PACS) e outros grupos de finanças eleitorais sombrios, levando a pelo menos uma falta de transparência, e na pior das hipóteses, a influenciar o tráfico.

Sendo esse o caso, muitos acadêmicos e ativistas ambientais concordam que o governo brasileiro precisa restringir ainda mais para evitar que o dinheiro “sujo” influencie a política. “Acho que deve haver sistemas de controle de doação mais rigorosos, especialmente para aqueles que se comportaram ilegalmente”, disse Astrini, da Greenpeace.

Se os políticos podem ser impedidos de concorrer com base em uma convicção de corrupção, como pode acontecer com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “então parece lógico e justo que os indivíduos condenados sejam banidos de fazer doações de campanha”, disse Boas.

Atualmente não há projetos de lei no Congresso Nacional do Brasil que impediriam que qualquer pessoa condenada por crimes fizesse contribuições de campanha.

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