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Florestas das reservas indígenas podem ser fundamentais para evitar a catástrofe climática

  • Um estudo descobriu que as florestas tropicais do mundo podem não ser mais sumidouros de carbono, com uma perda líquida de 425 milhões de toneladas de carbono de 2003 para 2014. Além disso, 1,1 bilhão de toneladas métricas de carbono são emitidas globalmente a partir de áreas florestais e do uso da terra a cada ano – 4,4 bilhões de toneladas métricas são absorvidas por florestas permanentes em terras manejadas, mas 5,5 bilhões de toneladas métricas são liberadas por desmatamento e degradação.

  • Deste modo, a redução do desmatamento e da degradação é vista agora pelos cientistas como uma estratégia vital para que as nações cumpram as metas de redução nas emissões de carbono estabelecidas em Paris, em 2015, e evitem uma elevação catastrófica da temperatura em 2 graus Celsius no final do século.

  • Outras pesquisas recentes descobriram que os indígenas e a gestão tradicional das comunidades das florestas podem ser a chave para a redução das emissões e para dar tempo ao mundo para fazer a transição para uma economia baseada na energia verde. Um outro estudo demonstrou que as taxas de desmatamento na Amazônia foram cinco vezes maiores fora dos territórios indígenas e unidades de conservação do que dentro deles.

  • “Nós somos, comprovadamente, uma solução para a proteção das florestas a longo prazo, pois a sobrevivência delas é vital para alcançarmos nossas metas [planetárias] de mudança climática”, disse um enviado de uma delegação indígena global ao comparecer à COP23 em Bonn, na Alemanha. A delegação quer que as nações do mundo protejam as florestas indígenas de uma invasão de indústrias globais de extração.

Pôr do sol na Amazônia. Um novo estudo descobriu que as florestas do mundo não podem mais ser sumidouros de carbono, com as florestas tropicais registrando uma perda líquida de 425 milhões de toneladas de carbono de 2003 a 2014. É necessária uma ação urgente para proteger as florestas ao redor do globo, dizem os cientistas. Foto de Rhett A. Butler / Mongabay

A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 23), que ocorreu em Bonn, Alemanha, aconteceu em um momento crítico: a maioria dos cientistas do clima concorda que os cortes de carbono acordados em Paris em 2015 são insuficientes (3,6 graus Fahrenheit) acima dos níveis pré-industriais, com implicações potencialmente catastróficas para a civilização.

Mais más notícias: as florestas tropicais do mundo que ajudaram a manter as emissões de carbono humana até o início do século XXI, já não podem ser sumidouros de carbono — recentemente, chegou-se à conclusão de que as florestas tropicais podem ter tido uma perda líquida de cerca de 425 milhões de toneladas de carbono entre 2003 e 2014, em grande parte como resultado do desmatamento e da degradação florestal.

Mas os cientistas do Woods Hole também dão motivos para esperança: as florestas e a agricultura podem nos levar a cumprir pelo menos a um quarto do caminho para se atingir o objetivo idealizado no Acordo de Paris de limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius (2,7 graus Fahrenheit).

Os cientistas estimam as emissões líquidas em 1,1 bilhão de toneladas de carbono de áreas florestais e de terras em uso a cada ano. Mas este número líquido encobre a magnitude da oportunidade [para conter a mudança climática]: São 5.5 bilhões de toneladas métricas de carbono liberadas através do desmatamento e da degradação, enquanto são 4.4 bilhões de toneladas métricas de carbono absorvidas através de florestas em pé em terras manejadas. Para se ter uma perspectiva, 4,4 bilhões de toneladas é 18 vezes as emissões anuais de todos os carros e caminhões nos Estados Unidos.

Há, dizem os pesquisadores, uma possibilidade real de que os países poderiam ajudar na recuperação e no fortalecimento das florestas em seu papel como um sumidouro de carbono, apenas melhorando a gestão.

Os pesquisadores do Woods Hole observam que, embora a rápida descarbonização da economia global continue sendo essencial, políticas efetivas de manejo florestal podem elevar a importância das florestas como sumidouro de carbono, ganhando tempo para a transição para fontes de energia verde.

Mas reduzir o desmatamento e a degradação será uma tarefa difícil para os atores políticos, fortemente influenciados por empresas transnacionais, que estão lucrando com a invasão de florestas tropicais para explorar a madeira, criar gado, plantar soja e óleo de palma, e construir represas, minas, estradas e ferrovias. Uma nova análise dos dados de satélite concluiu que 29,7 milhões de hectares (114.672 milhas quadradas) de cobertura arbórea foi perdida em 2016, uma área do tamanho da Nova Zelândia e um salto de 51 por cento em relação a 2015.

Uma delegação de líderes indígenas e rurais da América Latina e da Indonésia viajou desde outubro em um “ônibus verde” pela Europa, até chegar a Bonn para participar da COP23. Eles propagaram a mensagem de que as comunidades indígenas podem desempenhar um papel fundamental ao ajudar a gerenciar as florestas do mundo para reduzir as emissões de carbono, mas somente se os governos nacionais as apoiarem no esforço. Foto de Jonathan Watts

O papel fundamental das comunidades indígenas e tradicionais

Uma delegação de líderes indígenas e rurais da América Latina e da Indonésia se envolveu na controvérsia climática, afirmando que eles podem desempenhar um papel fundamental ajudando a gerenciar as florestas do mundo para reduzir as emissões de carbono. Eles foram para a estrada para promover este ponto de vista. Desde meados de outubro, viajaram em um ônibus”verde” que começou em Colônia e parou em Bruxelas, Londres, Paris e Berlim. Até chegarem a Bonn, onde participaram da COP23.

Esses líderes confiam que as comunidades indígenas e tradicionais da floresta que representam têm uma importante contribuição a dar: “Nós somos, comprovadamente, uma solução para a proteção das florestas a longo prazo, a sobrevivência delas é vital para alcançarmos nossas metas [planetárias] de mudança climática”, disse Mina Setra, vice-secretária geral da Aliança dos Povos Indígenas do Arquipélago (AMAN), que representa 17 milhões de pessoas na Indonésia.

Os líderes indígenas e rurais latino-americanos enviaram uma mensagem semelhante. Às vésperas da COP23, a RAISG (Rede Amazônica de Informações Socioambientais Georreferenciadas), um consórcio de oito organizações da sociedade civil que trabalha em seis dos oito países que compartilham a bacia amazônica, divulgou um estudo analisando 15 anos de dados sobre o desmatamento da Amazônia. De acordo com a pesquisa, 13,3% da cobertura florestal original da Amazônia havia sido destruída até 2013, o último ano para o qual dados completos estão disponíveis.

É significativo que o estudo tenha sido também o primeiro a comparar as taxas de desmatamento dentro e fora dos territórios indígenas e áreas protegidas durante um longo período. “Descobrimos que, em termos gerais, as taxas de desmatamento são cinco vezes maiores fora dos territórios dos povos indígenas e das unidades de conservação do que dentro dessas áreas,” revelou a Jocelyn Thérèse, da Guiana francesa e vice-coordenadora do Órgão de Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA).

O estudo observou que as áreas de florestas em territórios indígenas e de conservação correspondia a 52% das áreas cobertas da bacia amazônica, mas apenas 17% do desmatamento ocorreu nestas áreas durante um período de estudo de 15 anos. Em outras palavras, essas terras conservadas atuaram como um baluarte altamente eficaz contra o desmatamento. Em contraste, 83% do desmatamento ocorreu nos 48% da bacia amazônica, que era de propriedade privada ou desprotegida.

Indígenas, motoristas do “Ônibus verde”, encontram o embaixador francês a caminho da COP23, onde os legisladores buscaram fechar a lacuna entre os cortes de emissão de carbono insuficientes e o compromisso dos países em evitar um aumento de 2 graus em temperaturas ao longo dos níveis pré-industriais. Foto de Jonathan Watts

Sumidouros de carbono indígenas estão em risco

No entanto, como o estudo também apontou, as perspectivas não são boas. Os pesquisadores descobriram que 12% dos estoques de carbono da bacia amazônica estão localizados dentro de terras indígenas ou em unidades de conservação que estão agora sob ameaça. Se estas florestas vulneráveis forem destruídas, o efeito estufa aumentará enormemente. Segundo o estudo, essas áreas protegidas contêm quase 80 gigatoneladas de emissões de CO2 – mais do que o dobro de emissões globais em 2015. No entanto, risco de perder florestas indígenas é muito real. Em muitos países tropicais, os territórios indígenas estabelecidos estão sendo ilegalmente invadidos por grileiros, agroindústrias e indústrias de extração. Por exemplo, um estudo que acaba de ser publicado pela ONG brasileira Instituto Socioambiental (ISA) mostrou que houve um aumento de 32% no desmatamento em reservas indígenas ocorrido entre agosto de 2016 e julho de 2017 — com base nos números de desmatamento do governo brasileiro. Os territórios indígenas no Brasil ainda representam apenas 1,6% do total de desmatamento na Amazônia brasileira, mesmo assim, o aumento súbito é preocupante.

De acordo com a ISA, o aumento decorre o atual clima favorável ao setor em Brasília: “Os ambientalistas e os pesquisadores insistem que, junto com a falta de monitoramento, medidas e sinais políticos do governo Temer e do Congresso estão incentivando o avanço dos grileiros, madeireiros e exploradores ilegais de terras e recursos florestais”. A ONG advertiu que: “Sem políticas de proteção adequadas, o escudo formado pelos territórios indígenas e outras áreas protegidas começará a desmoronar sob a pressão da “Orcrin ambiental”.

Especuladores de terras estão fazendo negócios rápidos na bacia amazônica. Em um processo conhecido como “liberação especulativa”, grileiros, apoiados por milícias violentas, reivindicam terras públicas cobertas de floresta tropical. Essa terra é então desmatada e vendida ilegalmente para pecuaristas. Esse tipo de corrupção e desmatamento tem menor probabilidade de ocorrer em terras indígenas bem administradas. No entanto, o relaxamento da fiscalização por parte do governo significou mais extração ilegal de madeira e exploração ilegal de territórios indígenas. Foto de Rhett A. Butler / Mongabay

As comunidades indígenas e rurais em risco

Os líderes indígenas e rurais do “ônibus verde” repetidamente atestaram sofrer perseguição no país, muitas vezes de governos que deveriam lhes oferecer proteção, enquanto se esforçam para defender suas terras. “Enfrentamos violações dos direitos humanos, violência às nossas comunidades, criminalização de nossos povos e o assassinato de nossos líderes”, disse Mina Setra. “No ano passado, pelo menos 200 ativistas ambientais foram mortos [no mundo] e quase metade deles eram líderes indígenas. Centenas de outros estão presos por causa de seus esforços para proteger as florestas, enquanto milhares foram expulsos de seus territórios.”

As pressões que enfrentam ativistas ambientais são mostradas de forma comovente em um curto documentário sobre a reserva da biosfera Maya em Petén, na Guatemala — o vídeo foi apresentado em Bonn. As comunidades nas reservas estão orgulhosas de seu histórico de conservação florestal: “Quando você olha para os mapas nacionais de cobertura florestal, os territórios das comunidades têm áreas florestais intocadas, enquanto as que estão nas mãos do Estado estão sendo destruídas”, disse Jorge Soza, um líder comunitário.

“Não tivemos nenhum incêndio florestal nos últimos dez anos porque nossa floresta está bem conservada,” disse outra líder comunitária, Ana Centeno. A chave para esse sucesso é a importância da floresta para os meios de subsistência dos indígenas e das comunidades tradicionais. “Nós não conservamos a floresta só por conservar” explicou Julio Valiente Tello. “Uma floresta deve ser rentável porque então você consegue fazer a conexão: Você mantém o recurso para viver do recurso.”

No entanto, a reserva da Guatemala está sob intensa pressão. “As principais ameaças são o crime organizado, a pecuária em larga escala e as drogas – o tráfico — os interesses macroeconômicos que estão invadindo a reserva,” disse outro membro da Comunidade, Manuel Martinez. “Eles [os invasores] estão criando incêndios florestais como forma de dominar a terra e de poder dizer ao governo que ela não tem cobertura florestal, de modo que eles possam tê-la”.

A comunidade está tentando controlar os incêndios, usando até drones, uma maneira segura de monitorar os danos, sem confrontar os invasores diretamente – algo que pode ser perigoso. “Quando essas ameaças são feitas ao nosso território comunal, temos que procurar as autoridades e dizer-lhes o que está acontecendo”, disse Manuel Martinez. “Mas o que acontece então? Eles [os invasores] procuram as pessoas que denunciaram e as fazem desaparecer.”A América Central tornou-se o lugar mais perigoso do mundo, para ser um guarda florestal.

Florestas degradadas são mais propensas a queimar, liberando seu carbono para a atmosfera. As comunidades indígenas demonstraram fazer um trabalho melhor de conservação das florestas nativas do que os gestores florestais fora das reservas indígenas. Foto cedida pelo IBAMA

Mais do que três pessoas foram mortas a cada semana em 2015, defendendo suas terras, florestas e rios contra indústrias destrutivas, de acordo com a ONG Global Witness. Os assassinatos são mais numerosos em países que possuem florestas, incluindo o Brasil (207 mortes), a Colômbia (105), as Filipinas (88), o Peru (50), e a República Democrática do Congo, a Indonésia e a Índia (com 35 mortes no total).

Agora, os líderes indígenas e rurais acreditam que, acima de tudo, salvar suas florestas é uma questão de vontade política. Eles acham que, se conseguirem apoio real do governo, podem contribuir de verdade para a luta global pela redução das emissões dos gases causadores do efeito estufa. Como primeiro passo, Jocelyn Thérèse explicou, eles levaram seis demandas aos seus governos na COP23, mas eles reconhecem que, a curto prazo, há pouca possibilidade de que algo aconteça. No entanto, à medida que os impactos climáticos extremos crescem e a conscientização sobre a gravidade da crise climática se aprofunda, eles esperam que acabar com o desmatamento e a degradação das florestas do mundo seja visto como a menos dolorosa das adaptações globais necessárias para evitar a catástrofe. Desta forma:

Eles reconhecem que, a curto prazo, há pouca possibilidade de que algo aconteça. No entanto, à medida que os impactos climáticos extremos crescerem e a conscientização sobre a gravidade da crise climática se aprofundar, eles acreditam que acabar com o desmatamento e a degradação das florestas do mundo venha a ser visto como a menos dolorosa das adaptações globais necessárias para se evitar a catástrofe.

Quando novas estradas cortam a floresta amazônica, madeireiros, pecuaristas e o agronegócio em larga escala, muitas vezes, vêm logo depois. Estradas construídas pelo Estado em meio ao coração de florestas intocadas são uma grande ameaça para os territórios indígenas, já que fornecem acesso a grileiros e madeireiros ilegais. Foto cedida pelo Serviço Florestal Brasileiro

De acordo com a avaliação de progresso de 2017, publicado pela Declaração sobre as florestas de Nova York (NYDF), aproximadamente US $ 20 bilhões foram investidos globalmente para parar o desmatamento e as emissões das florestas até agora. Esse é um “resultado promissor”, de acordo com a NYDF, mas “insuficiente”, e não reflete “a importância das florestas como parte da solução climática”.

A quantidade, diz, é “marginal quando comparada com os US $ 777 bilhões em ‘dinheiro cinza’, investidos no “agronegócio e na indústria da extração” no setor da terra”, ou seja, aquele que não ambientalmente amigável e que “não é claramente alinhado com metas de floresta e clima.”

A avaliação da NYDF continua: “Nossos resultados mostram que mais financiamentos são necessários e que a transição para o desmatamento zero poderá ser alcançada com uma dramática mudança nos investimentos tradicionais: dos que incentivam o desmatamento para os que incentivam a silvicultura e agricultura sustentável.”

Os líderes indígenas e rurais foram a Bonn com o objetivo de fazer todo o possível para que suas vozes fossem ouvidas de modo a acelerar a transição para o desmatamento zero, mas sabendo que enfrentariam forte oposição. Fomos brutalmente atacados pelas forças do agronegócio e sofremos como resultado do modelo de desenvolvimento [industrial] inventado no Reino Unido”, disse Sônia Guajajara, da Associação Brasileira dos povos indígenas. Mina Setra continuou: “Temos de declarar que os crimes contra o meio ambiente são crimes contra a humanidade”.

Para os povos indígenas, esta luta para defender as últimas das grandes florestas do mundo é uma luta de vida ou morte — e pode ser uma necessidade crucial, se os cientistas estão corretos, para toda a humanidade.

Ana Centeno, membro da comunidade indígena: “Não tivemos nenhum incêndio florestal nos últimos dez anos porque nossa floresta está bem conservada.” Foto cedida pela Rainforest Alliance
Mina Setra, vice-secretária-geral da Aliança dos povos indígenas do arquipélago (AMAN), que representa 17 milhões de pessoas na Indonésia: “Nós somos, comprovadamente, uma solução de longo prazo para a proteção das florestas, a sobrevivência delas é vital para alcançarmos nossas metas [planetárias] de mudança climática”. Foto cedida pela Escola de Políticas Públicas
Jorge Soza, líder da comunidade indígena: “Quando você olha para os mapas nacionais de cobertura florestal, os territórios das comunidades têm áreas florestais intocadas, enquanto as que estão nas mãos do Estado estão sendo destruídas”. Foto cedida por Se Não Formos Nós, Quem?
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