Entre 23 a 27 de abril, 3.000 indígenas pertencentes a cem grupos de todo o Brasil reuniram-se em Brasília para o 15º acampamento anual com o objetivo de protestar contra as políticas do governo e exigir justiça. Enquanto o evento do ano passado foi controlado pela polícia com gás lacrimogêneo, este ano a manifestação foi pacífica.
O acampamento deste ano, como o do ano passado, esteve entre os maiores, estimulado pela crescente violência contra líderes e ativistas indígenas, e pelo que os participantes veem como políticas repressivas e autoritárias do governo Temer e do Congresso, ambos dominados pela bancada ruralista, o lobby do agronegócio.
Entre outras demandas, os manifestantes clamam pela demarcação de suas terras ancestrais, garantidas pela constituição brasileira de 1988, mas ainda não realizadas em muitas áreas indígenas. Os manifestantes também pediram ao governo que cumprisse a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, e que assegura a pré-consulta de grupos afetados por grandes projetos de infraestrutura.
As mulheres indígenas tiveram uma presença excepcionalmente forte no acampamento deste ano, e houve uma colaboração mais expressiva com os representantes dos grupos tradicionais de ribeirinhos que, no passado, às vezes se posicionavam como opositores aos indígenas. Agora, os povos indígenas e as populações tradicionais estão se unindo para evitar a perda de suas terras e culturas e para preservar seu modo de vida.
Em 26 de abril, mais de 3.000 indígenas marcharam pela ampla Avenida da explanada dos ministérios em Brasília, deixando um rastro de ‘sangue’ (em tinta vermelha) atrás deles. Quando chegaram ao Ministério da Justiça, abriram uma faixa gigante de 24 metros de comprimento por 12 metros de altura, exigindo um “Fim ao Genocídio Indígena”. Eles gritavam: “A FUNAI pertence aos índios, não aos ruralistas”.
Os manifestantes, representando mais de cem diferentes grupos indígenas de todo o Brasil, participaram do 15º Acampamento Terra Livre. Eles acamparam durante cinco dias no centro de Brasília e realizaram um programa de encontros, eventos culturais e reuniões. Ao contrário do ano passado, os protestos aconteceram pacificamente, sem repressão policial.
“Esse rastro de sangue representa toda a violência imposta pelo Estado aos habitantes originais do país, que continua até hoje pela lentidão com que nossa terra está sendo demarcada”, disse o líder indígena Marcos Xukuru, de Pernambuco. “Os índios estão sendo assassinados e nossos líderes estão sendo criminalizados mas, mesmo assim, iremos sempre continuar a resistir e a lutar pelos nossos direitos como os nossos antepassados nos ensinaram a fazer.” O Brasil se tornou o país mais perigoso do mundo para lideranças indígenas, ativistas sociais e ambientalistas, a violência e os assassinatos aumentaram nos últimos anos, um recorde que só tem piorado com a aplicação displicente da lei pelo governo Temer.
Os grupos indígenas também estavam protestando contra a decisão do Ministro da Justiça, Torquato Jardim, que anunciou em 24 de abril, a nomeação do novo presidente da FUNAI, Wallace Moreira Bastos, um homem de negócios e pastor evangélico, que não tem experiência com assuntos indígenas. O presidente anterior foi demitido devido à pressão da bancada ruralista, o lobby do agronegócio que exerce enorme influência junto ao presidente Temer e ao Congresso. Bastos será o terceiro presidente em dois anos na agência que sofreu cortes orçamentários maciços e debilitantes.
Dinamā Tuxá, porta-voz da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), disse: “Nunca ouvimos desta pessoa, não o conhecemos, mas o principal problema é que ele é indicado por políticos de oposição ao que a FUNAI deveria ter como missão – servir os interesses dos povos indígenas, tal como é garantido pela Constituição. Para nós, significa que a FUNAI acabou.”
Entre outros eventos do acampamento, os Munduruku fizeram um protesto em frente ao Palácio da Justiça, a sede do Ministério da Justiça, para exigir a demarcação de seu território Sawre Muybu – demarcação destes territórios é garantida pela Constituição Brasileira de 1988, mas o governo vem adiando por décadas. Eles distribuíram uma publicação intitulada: “O Mapa da Vida – Tapajós [bacia do rio] e Sawre Muybu: a visão do povo Munduruku, de seu rio e de seu território.” O documento, preparado com a ajuda da ONG Greenpeace, oferece uma imagem do modo de vida dos Mundurukus e descreve os locais sagrados e os recursos florestais essenciais para sua sobrevivência.
O tema do acampamento deste ano foi “Unir nossas lutas em defesa do Brasil indígena.” Ele reflete a percepção indígena de que suas terras, cultura e meios de subsistência sofreram um assalto sem precedentes nos últimos dois anos e que só sobreviverão se todos os grupos indígenas agirem em conjunto e, sempre que possível, em coordenação com grupos tradicionais não indígenas cujo meio de vida também está ameaçado por grandes projetos de desenvolvimento de infra-estrutura, incluindo barragens, estradas, ferrovias e hidrovias industriais para apoio do agronegócio industrial e a mineração.
Conselho de indígenas da Igreja Católica, CIMI, calculou que, no ano passado, foram apresentadas um número de propostas de lei anti-indígenas sem precedentes – 33 – que estão tramitando na Câmara dos Deputados e no Senado. Segundo eles, a força por trás desses projetos foi a Frente Parlamentar de Agricultura (APF), popularmente conhecida como a bancada ruralista.
Composta por mais de 200 deputados federais e 20 Senadores, o lobby sustenta há muito tempo que grupos indígenas do país ocupam muita terra.
As mulheres indígenas se destacaram no acampamento deste ano. Eles organizaram o evento de abertura na segunda-feira, 23 de abril – um debate que durou três horas na tenda principal, onde dezenas de mulheres puderam fazer os seus relatos. Carolina Rewaptu é a líder da aldeia de Madzabzé no território indígena de Marãiwatsédé, no estado do Mato Grosso, de onde os índios foram removidos em 1966, e só reconquistaram suas terras, então muito devastadas após uma longa luta, em 2004. Ela declarou: “Temos que falar com os políticos. Querem pôr fim à nossa cultura, às nossas religiões, à nossa história. Temos que fazê-los ouvir.”
Suzana Xokleng, ex-presidente da Associação Nacional de Mulheres Indígenas e defensora dos direitos das mulheres indígenas desde os anos 1990, disse: “Há muitas mulheres participando, envolvendo-se em políticas indigenistas. Antes não era assim”. De mãos dadas com Tuíre Kayapó, outra veterana da luta indígena das mulheres, ela disse: “Somos avós, bisavós e estamos aqui. Vamos nos unir, nós, as mulheres indígenas, para salvar nossa terra tradicional ”.
Enquanto o Acampamento estava em andamento, a Câmara dos Deputados realizava uma audiência pública sobre a Ferrogrão, a nova ferrovia de grãos planejada para transportar a soja da cidade de Sinop, em Mato Grosso, até o porto de Miritituba, no rio Tapajós. A linha férrea será paralela à rodovia BR-163, que já sofre engarrafamentos durante a safra.
Embora as ferrovias sejam geralmente consideradas pelos ambientalistas como menos prejudiciais do que as rodovias, essa nova ferrovia de 1.600 quilômetros, se for adiante, terá um impacto em 48 áreas protegidas, incluindo reservas indígenas e unidades de conservação. Desta vez, os povos afetados querem ser consultados antes que a rota final seja decidida e não depois, como aconteceu com tantos projetos brasileiros de infraestrutura no passado.
Tanto os grupos indígenas quanto as populações ribeirinhas tradicionais enviaram representantes para a audiência, pondo em prática a nova estratégia de unidade promovida no acampamento.
O presidente da associação da comunidade não-indígena Montanha-Mongabal, Ageu Lobo Pereira, disse que a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário, expõe claramente como deve ocorrer a consulta: “Fico pensando como as gerações futuras serão ameaçadas por esses grandes projetos”, disse ele. “Antes de começarem a trabalhar, é preciso assegurar uma consulta prévia no local, para conhecer o nosso modo de vida, o modo de vida das pessoas que vivem no rio e na floresta.”
Maria Leusa Munduruku, uma forte guerreira Munduruku, perguntou: “Onde está a consulta prévia? É só nós sabemos do nosso direito a essa tal consulta? Vamos ter que dar aulas aos deputados e às autoridades? Vocês perderam a sua cópia da Convenção 169?”
Tarcísio Freitas, porta-voz do presidente Temer, rebateu os questionamentos, afirmando que eles eram prematuros: “O problema é que não sabemos ainda se Ferrogrão vai acontecer. Ainda temos que levantar o capital.
Os acampamentos de Brasília do ano passado e deste ano – os maiores já registrados – são uma demonstração de crescente força indígena e representam um novo espírito de determinação. As mulheres indígenas há muito tempo participam das lutas de seus povos e pelos direitos civis, mas raramente assumiram papéis de liderança, como estão fazendo hoje, com seu espírito guerreiro evidente em muitos discursos. “Meu cabelo já está ficando branco de tanto viajar, deixando para trás meus filhos e filhas”, disse Isabel Xerente. “Mas continuaremos lutando, defendendo nossa floresta, nossas árvores, nossa floresta, nosso direito de caminhar em nossa terra. Se estivéssemos com medo, não estaríamos aqui.”
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