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A extração de madeira seletiva reduz a biodiversidade e perturba os ecossistemas da Amazônia – estudo

  • A extração de madeira com impacto reduzido, também chamada de extração de madeira seletiva, que ganhou popularidade nos anos 90, visa equilibrar os impactos da biodiversidade com a demanda global por madeira, extraindo menos árvores. Mas o sucesso dessa abordagem está sob crescente escrutínio.

  • Um novo estudo na Amazônia brasileira descobriu que as comunidades de besouros rola-bosta, e seu importante papel como “engenheiros do ecossistema”, são severamente interrompidas até mesmo pela extração de madeira de baixo nível, com reduções acentuadas na riqueza de espécies.

  • Uma infinidade de estudos sobre aves, mamíferos, anfíbios e invertebrados em todo o mundo demonstram uma conclusão idêntica: que mesmo os baixos níveis de extração de madeira têm um impacto significativo na diversidade de espécies

  • Essa extensa pesquisa sugere que as técnicas de extração de madeira seletiva devem ser “arquivadas” em favor de estratégias de extração de madeira de “limitação de terras”, que criam uma colcha de retalhos de locais altamente explorados e reservas florestais intactas.

Coprophanaeus lancifer, a maior espécie de besouro rola-bosta encontrada na região de estudo da Amazônia, com hábito crepuscular e conhecido por cavar grandes túneis. Fotografado na Amazônia Brasileira, 2016. Foto de Filipe França

As técnicas de extração de madeira com impacto reduzido são agora usadas globalmente. Essa abordagem florestal, também chamada de extração de madeira seletiva, visa preservar a biodiversidade e manter as funções dos ecossistemas florestais enquanto ocorre a extração de madeira com valor comercial. No entanto, novas pesquisas mostram que mesmo os baixos níveis de extração de madeira podem ter um efeito prejudicial sobre a biodiversidade, que inclui impactos em importantes engenheiros do ecossistema, como os besouros rola-bosta.

A exploração de impacto reduzido (RIL – Reduced-impact logging) tornou-se popular nos anos 90 porque prometia fornecer madeira sem os efeitos ecologicamente devastadores da derrubada e remoção de árvores. Não há estimativas publicadas da escala global de esquemas de RIL, mas um relatório de 2015 da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) descobriu que mais de 2,1 bilhões de hectares de floresta estão sob um plano de manejo florestal, e 438 milhões de hectares são certificados internacionalmente.

Enquanto isso, tem aumentado cada vez mais ao longo da última década, a evidência de que a extração de madeira seletiva pode não ser o cenário de ganho mútuo que uma vez se imaginou ser.

Árvore sendo cortada por um trabalhador dentro da concessão madeireira brasileira onde o estudo foi conduzido. Foto de Filipe França

A exploração de madeira de baixo nível afeta os besouros rola-bosta

Em um estudo publicado on-line na revista científica Biological Conservation em outubro de 2017, uma equipe de pesquisadores internacionais comparou a riqueza de espécies de besouros rola-bosta e sua eficácia na remoção de esterco, antes e depois da exploração de madeira seletiva, em trinta e quatro locais na concessão madeireira da Amazônia Jari Florestal no Pará, no Brasil.

Em um ciclo de corte de 30 anos desenvolvido pela FAO, os locais da Amazônia vivenciaram diferentes intensidades de extração de madeira: de zero árvores removidas até quase oito árvores por hectare. A equipe de pesquisa descobriu que mesmo a remoção de madeira de baixa intensidade teve um impacto significativo nas populações de besouros rola-bosta. A remoção de apenas 3 a 35 árvores em um local de 10 hectares resultou em 1 a 8 menos espécies de besouros rola-bosta pós-exploração madeireira. Filipe França, o ecologista da Universidade de Lancaster que liderou o estudo, conclui que:

“Mesmo os baixos níveis de remoção de madeira podem levar à perda da biodiversidade florestal e do funcionamento do ecossistema”.

A equipe descobriu que a riqueza de espécies de besouros rola-bosta diminuiu à medida que a intensidade da exploração aumentou. Inesperadamente, essa relação foi encurvada, com os declínios mais acentuados das espécies de besouros rola-bosta ocorrendo quando as primeiras árvores foram removidas. França sugere que os efeitos imediatos, até mesmo da exploração de madeira de baixa intensidade, podem ocorrer porque as técnicas de extração inadvertidamente danificam as árvores vizinhas e a vegetação rasteira, causando um efeito desproporcional ao peso da madeira removida.

O Pará é o segundo maior estado do Brasil e abriga 25% da floresta amazônica brasileira. Suporta níveis extraordinários de biodiversidade, com quase 10% das espécies de aves do mundo encontradas nessas florestas.

Como o maior estado produtor de madeira do Brasil, o Pará também sofreu um grave desmatamento, sendo que somente esse estado representa um terço do total de florestas perdidas no Brasil entre 1998 e 2015.

No início de 2017, o Pará foi manchete em todo o mundo após o governo do Brasil anunciar planos para abrir a reserva nacional de Renca, que abrange 4,6 milhões de hectares no Pará e no estado vizinho do Amapá, para mineração. O decreto foi posteriormente revogado após intensa pressão de conservacionistas, mas vastas áreas da floresta amazônica no Pará permanecem abertas à exploração madeireira, e um relatório de 2006, da Agência Estadual de Meio Ambiente, identificou 25 milhões de hectares de floresta para potencial extração de madeira.

O estudo de França sugere que mesmo os baixos níveis de exploração madeireira nessas florestas poderiam ter um impacto desastroso sobre as comunidades de besouros rola-bosta e os inestimáveis serviços ecossistêmicos que eles fornecem.

Diabroctis mimas é uma grande espécie de besouro rola-bosta preto e verde-metálico encontrado nas florestas do estado do Pará. Fotografado na Amazônia Brasileira, 2016. Foto de Filipe França

Besouros rola-bosta: engenheiros de ecossistemas florestais

Os besouros rola-bosta podem não ser os mais glamourosos dos insetos amazônicos, mas desempenham funções essenciais no ecossistema, como arar e arejar o solo, fertilizar as plantas com esterco fresco e ajudar a dispersar as sementes. Por causa dessas funções, os besouros rola-bosta são conhecidos como “engenheiros do ecossistema”.

Além disso, acredita-se que as mudanças nas comunidades de besouros rola-bosta sejam representativas nas mudanças em outros grupos taxonômicos. “A maioria das pessoas com quem converso sobre os besouros rola-bosta acha engraçado ou estranho usá-los em pesquisas para examinar a saúde das florestas. Na verdade, poucas pessoas sabem que os besouros rola-bosta são um grupo indicador-chave para a saúde geral dos ecossistemas”, comenta França. As comunidades de besouros respondem rapidamente à perturbação causada pela extração de madeira, incêndio e construção de estradas e, como dependem do esterco de outras espécies, as comunidades de besouros rola-bosta também respondem a outras atividades humanas, como a caça.

Os besouros rola-bosta mostram respostas similares a distúrbios florestais como outros grupos taxonômicos, incluindo formigas, pássaros e plantas. Todos experimentam uma maior riqueza de espécies em florestas primárias do que em locais desmatados e terras agrícolas.

Em consonância com o recente estudo do besouro rola-bosta da Amazônia, até mesmo o mínimo de desmatamento mostrou aumentar significativamente o risco de extinção de mais de 19.000 espécies de vertebrados em todo o mundo. Um estudo de 2014 descobriu que a remoção de 38 metros cúbicos de madeira por hectare diminuiu para metade o número de espécies de mamíferos presentes e que a intensidade da exploração madeireira foi o determinante mais importante da riqueza de espécies de borboletas, besouros rola-bosta e formigas.

O novo estudo de França tem sido criticado por alguns pesquisadores por seu pequeno tamanho de amostragem e replicação limitada. “Na minha opinião, esse é um caso clássico de generalizações muito amplas, extraídas de dados limitados”, diz Andrew Davis, ex-cientista sênior do Danum Valley Field Center, em Sabah, na Malásia. Davis realizou uma das primeiras investigações sobre os efeitos da extração de madeira nas comunidades de besouros rola-bosta na floresta tropical. “Eles contam uma boa história, embora com base em uma amostra de menos de 5.000 espécimes com replicação limitada”, explica Davis.

Floresta Amazônica brasileira perto do local do trabalho de campo, estado do Pará, julho de 2013. Foto de Filipe França

França defende a metodologia, dizendo que o estudo comparou um gradiente de intensidades de exploração madeireira antes e depois da exploração, em vez de comparar diretamente locais explorados e não explorados.

Davis também aponta que o método de estudo da Amazônia para pegar besouros rola-bosta – armadilhas de queda que besouros e outros insetos caem e não conseguem escapar – pode ter deixado passar algumas espécies: “Os autores, usando apenas armadilhas, estão fazendo a amostragem de uma subseção da comunidade de besouros rola-bosta”. Ele acrescenta que as armadilhas que capturam insetos em voo tendem a capturar espécies diferentes e em abundâncias variadas.

França opõe-se, observando que “as armadilhas de queda que atraem com esterco são um método padronizado para amostragem de besouros rola-bosta em pesquisas ecológicas em outros lugares nos trópicos, e é considerado um método mais robusto”.

Área com madeira amazônica dentro da área de estudo. Foto de Jos Barlow

Uma questão de escala

A legislação florestal no Brasil opera na escala de 100 hectares, que também é comumente usada em estudos que avaliam o impacto dos programas de exploração madeireira. No entanto, o estudo de França mostra que os impactos sobre os besouros rola-bosta são evidentes em escalas muito menores, de 10 a 90 hectares. “Escalas espaciais menores devem ser consideradas ao monitorar os impactos da exploração madeireira na biodiversidade tropical”, afirma França.

Além disso, França e seus colegas descobriram que diferentes efeitos da exploração madeireira eram evidentes em diferentes escalas; as mudanças nas comunidades de besouros foram melhor explicadas pela intensidade de exploração madeireira na escala de 10 hectares, mas as mudanças na taxa de remoção de esterco foram detectadas apenas quando se considerou a intensidade da exploração na escala de 90 hectares.

“As consequências ecológicas da remoção de madeira são altamente dependentes na escala em que a intensidade da madeira é medida”, explica França. Ele admite que a causa desse padrão ainda é um mistério. “Essa é uma boa pergunta para futuras pesquisas que visam entender se a biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas respondem de maneira semelhante aos distúrbios florestais induzidos pelo homem em diferentes escalas espaciais.”

Coprophanaeus lancifer, espécie de besouro rola-bosta fotografado na Amazônia brasileira, 2012. Foto de Hannah M. Griffiths

Limitação de terra ou compartilhamento de terra?

A extração de madeira seletiva é um exemplo de extração de madeira de “compartilhamento de terra”, onde se espera que a vida selvagem e os serviços naturais que ela fornece possam ser mantidos ao lado de níveis moderados de extração de madeira. Em vez disso, o estudo de França, e outros que encontraram baixos limiares para impactos da extração madeireira nas florestas tropicais, apresentam evidências a favor de estratégias de extração de madeira de “limitação de terras”, que criam uma colcha de retalhos de locais altamente explorados e reservas florestais intactas.

Vários estudos encontraram evidências da importância única das florestas intactas. A limitação de florestas não exploradas evita a rápida perda inicial de espécies que ocorrem com a extração de madeira seletiva e pode ajudar a manter níveis mais altos de biodiversidade, em geral, protegendo funções vitais do ecossistema, como decomposição e dispersão de sementes.

“A forma das relações entre a intensidade da extração e as respostas dos besouros rola-bosta fornecem respaldo para a extração de madeira com limitação de terra como a estratégia mais promissora para maximizar o valor de conservação das operações de extração madeireira”, diz França.

Evidências de duas décadas de pesquisa sugerem cada vez mais que a extração seletiva de madeira pode não ser eficaz na preservação da biodiversidade de espécies ou dos serviços que os ecossistemas intactos proporcionam. O manejo florestal, ressaltou os pesquisadores, deve responder à riqueza de novas evidências e considerar o uso de modelos de limitação de terras, em vez de extração seletiva de florestas inteiras.

Referências:

França, F. M., Frazão, F. S., Korasaki, V., Louzada, J., & Barlow, J. (2017). Identifying thresholds of logging intensity on dung beetle communities to improve the sustainable management of Amazonian tropical forests. Biological Conservation, 216, 115-122.

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